domingo, 11 de fevereiro de 2024

Ele é real


Aqui em frente dessa geringonça modernosa que acende apaga na ponta dos dedos, me pego falando sozinho, circunstância no mínimo preocupante; e me escuto a dizer: - Por isso, acredito em Deus.

- Por isso o quê? – devolvo a pergunta.

- Por isso, por essas coisas acontecendo nas latas de lixo dos mercados afora, nas ruas, nos guetos, nas praças, nos expedientes oficiais. Gente matando gente para roubar coisas inúteis, versão típica de baladas adolescentes de grupos tão cedo desiludidos, na flor da juventude, período de sonhos e frustrações precoces.

Jovens delinquentes assassinando casais, viúvas, aposentados, a troco de migalhas, na febre convulsiva de responder o quanto antes testes de insanidade, para vencer os vestibulares da miséria humana.

Acreditar em Deus, para não mais acreditar em deuses de barro, de mata-borrões, de vidros enfumaçados, pó, poeira, grotões. Acreditar em Deus, a fim de prosseguir na peleja natural de viver em meio a histéricos gritos das rasga-mortalhas em noites escuras. Acreditar em Deus, porquanto os seus substitutos viraram esteiras de gelatina visguentas das vãs promessas interesseiras, cantilenas de lideranças fáceis, demagógicas, purulentas.

Só quem não quiser saber não saberá, porém as razões dos crimes vêm da pouca educação, desesperança curtida no parto de seres secundários em mundos estúpidos. Egoísmos de grupos, ilusões há séculos acumuladas em forma de instituições carcomidas de dogmas particulares, nas gretas do coração das pessoas. Sombrias ilusões dominantes nos versos pragmáticos dos ditadores das castas.

Acreditar em Deus, porque sabe lá por quanto tempo ainda sonharão os tolos e dormirão as bestas nos currais eletrificados, xadrezes imenso de peças fantasmagóricas fratricidas.

Acreditar no impossível das virtudes santas, nos estreitos de veias entumecidas, marés de “flash-backs” das velhas notícias horrorosas... Acreditar em si, Deus budista, de todas as religiões do Bem, de presença constante no teto das almas agoniadas... Acreditar, porque acreditar contém leves passos de longas caminhadas em volta dos dias...

E se pegar assim, falando palavras soltas de versos indignados, vistas turvas de ouvir cantos vitoriosos de marchas felizes, nas tardes calorentas dos rios estreitos que não pararam de descer os cadáveres de gentes injustiçadas e acalentam sorrisos reanimados nas horas seguintes.

Acreditar no Deus dos Exércitos, Senhor dos Senhores, Pai dos Seres e Criador do Tudo e do Nada. Deus, só Ele, que poderá responder às questões sapientes dos escravos em porões doloridos, no deserto das nuvens infinitas.

Crer, bem aqui no âmago da alma, eixo descomunal da ordem, quando o  princípio envolver estradas e invadir templos, em meio a dores e gemidos das gerações assustadas.

Acreditar, crer, ter certeza... Deus, a luz que nos resta na face dos ventos em fogo, luzes e as multidões... Deus.

(Ilustração: O sétimo selo, de Ingmar Bergman).

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