segunda-feira, 12 de junho de 2023

Saltimbancos do destino


Na busca do Santo Graal, espalhados aos céus, viajamos todos a braços com os penhores em volta de que quase nada sabemos. Houve um tempo antes, o tempo das coleções, que reuni um tanto de pequenos objetos e resquícios doutros mais. Colecionei flâmulas, caixas de fósforo, lápis, selos estrangeiros carimbados, quadros de fita de cinema, postais, revistas em quadrinhos, de tudo um pouco. Tinha uma cômoda com quatro gavetas. Numa delas, as roupas. Nas outras, os exemplares de tudo aquilo que inventava reunir, qual quem busca o sentido através dos objetos e suas formas e cores. Depois, quando adquiri minha primeira bicicleta, então, esqueci aquelas afeições, que se perderam na voragem de anos posteriores.

Sempre assim, colecionadores de tempo é o que, na verdade, seríamos. Nos intervalos, as refeições, os adereços, viagens, pergaminhos, moafos, gente que encontrar, artimanhas em movimento e ausências profundas. Vez em quando, as lembranças que regressam e fazem ver o que restou, depositando nas dobras da memória os cacos que ficaram. Noutras palavras, significamos quase nada nesta conta de querer dominar os momentos e fazer deles instrumentos do destino. Representamos bem pouco ao sortilégio de jogos individuais, onde o aventureiro e o prêmio andam a braços com ninguém que descubra  a que veio.

Existem as teses, no entanto carecemos compreender e aceitar de bom grado o vazio em queda livre. Alguns padecem nessa impaciência do desejo e deixam ir por terra relíquias de si, trajes luminosos da alma que carregam bem dentro do ser. Eles, nós próprios, atores e expectadores de nossa expedição ao firmamento inalcançável. Senhores nem da imaginação que ferve no coração, apenas existem face a face com o Infinito, fragmentos de longas epopeias esquecidas.

Aqueles quadros de fita dos filmes, que guardava com cuidado, ainda agora dizem das histórias que hoje vivo; falam dos seres a bem saber iguais a mim que, todavia, são apenas tochas acesas num mar de emoções fugidias. Quando quero falar, são as palavras que dominam à frente e contam, sem pudor, tudo aquilo que antes dormia em silêncio pelas horas sem conta.  

(Ilustração: Alegoria da Luxúria, de Hieronymus Bosch).

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