terça-feira, 8 de abril de 2014

A galinha e o pé de arruda

As duas, dessas vizinhas briguentas, moradoras de bairro simples da periferia, vivendo os dramas, a braços com rotineiras impossibilidades, debulhavam, aqui e ali, os mesmos mistérios de cada dia. As casas, parede e meia, dotadas de quintais quase comuns, tecidos nas cercas baixas, de faxina. 

Nem sempre, no entanto, mantinham-se paz nessa fronteira, porquanto uma delas, mulher mais empertigada, muitíssimo rigorosa nas questões ocasionais, numa volta e noutra pisava o couro da comadre do lado. Vale lembrar, igualmente, imperar solidariedade nos momentos críticos, como ocorre nos universos humildes dessa gente. 

Em certa fase do convívio, em umas semanas de relações aperreadas, elas duas se envolveram num imenso quiproquó, estremecido por conta das malinações de galinha buliçosa, logo de quem! Da comadre menos brava. 

Quando era de botar ovo ou procurar galo, a penosa lá ia inventar de saltar a cerca do quintal, isso quase todo dia, o dia todo. Contanto, nunca faltava motivo forte para as discussões que a partir daí travaram sucessivas.

Mudava de território a galinha, de pronto se escutava do outro lado da cerca imprecações agoniadas do vozeirão da vizinha, dizendo-se prejudicada devido à importunação. À outra, no seu modo pacato, sobrava tirar por menos as ocorrências. Aquietava ouvidos, reações, prendia a ave, a respiração, no enquanto dos ânimos aos poucos se arrefecessem, de novo serenando a tradicional relação.

Numa dessas ocasiões, porém, o debate azedou:

- A senhora veja que grande absurdo! - instigou feroz a prejudicada. - Dessa vez, sua galinha exagerou na dose. Não só pulou a cerca, como veio devorar meu pé de arruda. Também seus bichos nada comem que mereçam – acrescentou exaltada. 

- Mas... Vejo não, comadre, nisso nenhum absurdo, não - rebateu a outra, buscando amenizar o problema.

- Como não? É isso, sim, um verdadeiro absurdo! – determinou a vizinha furiosa.  

- Acho não, comadre. Absurdo, nesse caso, seria seu pé de arruda pular a cerca e vir comer, do lado de cá, minha galinha - ousou dizer a reclamada, querendo restabelecer os revoltados ânimos. 

A vizinha, surpresa com as palavras sensatas da vizinha de paz, só baixou os olhos e ainda deixou vir pequeno sorriso ao canto dos lábios, reconhecendo o argumento da amiga. Dali em diante, elas duas retornaram às boas e cuidaram de deixar por menos as filosofias da vida.

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