sexta-feira, 27 de abril de 2012

A divina conformação (tradição oral)


Na Palestina, depois que Jesus fora executado e as coisas pareciam retornar à antiga normalidade, um dos seus apóstolos, o de nome João, não se aquietava, a procurar canto, qual dizem dos que lutam e nada conseguem para aceitar as situações difíceis.
Durante semanas, sua vida era só amargura, sofrimento por cima de sofrimento. A ferida aberta com a perda do Mestre parecia crescer cada dia um pouco mais. Aonde seguisse, levava consigo a saudade imensa da presença divina, fugindo-lhe do ânimo o gosto de pelejar, e ninguém conseguia consolá-lo. Tornara-se, por isso, a maior preocupação dos amigos e familiares.
Alguém lembrou, então, de Maria de Nazaré, a quem devesse procurar, na busca de palavras de conforto, pois se revelara exemplo perfeito de resignação face à inominável tragédia que também lhe vitimara.
Destarte, João viajou ao lugar em que morava a mãe de Jesus.
Numa demorada conversação dos dois, a santa mulher indicou a João que chegasse ao Mar da Galiléia, porquanto, nas suas margens, acharia motivo suficiente de recobrar forças e firmeza de tocar adiante a vida.
João aceitou o conselho e buscou as praias daquele mar, em que permaneceu algum tempo. Relembrava os passeios felizes de vezes anteriores, absorto nos transes da dor. Certa tarde, preso à beleza das águas azuis, se deixava inundar de gratas recordações, quando avistou, deslizando em sua direção, no fino espelho das ondas, o vulto magnânimo de Jesus. 
Um perfume de incenso raro, nessa hora emanava pelo ar, idêntico ao que experimentara junto da cova em que depositaram o corpo santo o corpo do Mestre, nas proximidades de Jerusalém. Perante o inesperado fragor, quis esmorecer sob o peso das emoções ali vividas. Fechou os olhos na mais fervorosa contrição, e ouviu nos refolhos da alma lacerada, translúcido, o falar do Verbo de Deus:
- Estimado João, jamais queira imaginar que habito longínquas paragens afastadas de quem amo. Saiba, no entanto e sempre, que quando alguém chamar com sinceridade ao seu lado me acharei, na eternidade dos verdadeiros sentimentos, contra qualquer obstáculo; pois não há distância entre os que se amam.
Dali em diante, tocado pelos eflúvios da revelação inesquecível, o apóstolo se rendeu ao abençoado reencontro e entregou-se ao poder da conformação, para realizar o trabalho evangélico que viera cumprir na Terra.

Nota: História ouvida de Raimundo Pereira da Paixão.

Um comentário:

  1. O discípulo amado. O mais jovem, aquele cujo a cabeça reclinava com afeto o peito do senhor, aquele cujo o evangelho é o mais poético e arraigado de intensa metáfora, o que em primeiro retratou o testemunho de João Batista, esse o "Teófilo" que preso era procurado incessantemente para ser executado, autor do apocalipse, das cartas sapientes e do quarto e ultimo evangelho do nosso cânon.

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