Na Antiguidade Clássica, diziam os gregos que só um poder os deuses não dispunham, o de mudar o passado. Quais sementes no subsolo da imaginação, acontecimentos que se deram atrás, no tempo, permanecem à espera do momento de vir a lume, das mãos de quem viveu e resolveu transmiti-los, deitando, no presente, as raízes de coisas que apenas a si lhes pertencem e repousam adormecidas no inconsciente, reavivando com isso trechos particulares da história social de lugares, coisas e pessoas.
Com tal espírito, lembro de uma
época, em Crato pelos anos 60 e 70, quando vinham bandos de ciganos e caravanas
de circos para se instalar na quadra do outro lado da linha do trem, bem ali
por trás da Estação Ferroviária, marcando fase movimentada de visitantes e
população interagir, cheios de surpresas e novidades para todo gosto.
Os ciganos e seus costumes
exóticos, durante largas faixas da história do Ocidente, significaram aquilo
que retrata Gabriel Garcia Márquez, no livro Cem anos de solidão: arautos da vanguarda nômade em meio a
tradições represadas nas comunidades sedentárias, presas à rotina modorrenta
dos lugares, enquanto os outros viajam mundo afora, colhendo os frutos do
ineditismo, na raça humana.
Eles traziam técnicas relativas a
tratamento de metais nobres, trajes e tecidos de talhes e estampas orientais,
instrumentos até então desconhecidos, além da música típica de seus povos, as
artes divinatórias da leitura de baralho, mão; adivinhadores; os modos
gregários de tribos afeitas aos estilos particulares de relacionamentos e
famílias de falares esquisitos.
Sob essas condições, a praça, que
hoje se vê de todo preenchida de casas e edifícios, ganhava atividade e
importância, ao dispor de quem quisesse ver, chamando os olhares acesos das
gerações, ponto necessário de passeios vespertinos ao povo da cidade.
Os circos, estes preenchiam mais
as noites, diante dos seus espetáculos iluminados e zoadentos, cheios de
atrações mirabolantes. Por vezes, eram jogos perigosos de malabaristas em
trapézios, fios de arame, saltos em redes, práticas arriscadas de facas, globos
com motocicletas a se cruzar em alta velocidade, animais doutros continentes,
amestrados, a repetir exercícios sob ordens insistentes de domadores; em outras
situações, lindas mocinhas de maiôs reluzentes de brilho, rapazes forçudos e
audaciosos, palhaços engraçados, desenvolviam práticas difíceis, para mexer com
a emoção do público instalado nas cadeiras ou no poleiro, em meio a luzes
coloridas e acordes intensos da orquestra ao fundo. Nos fins de noite, os
dramas, com peças conhecidas, encenadas pelos mesmos protagonistas das
anteriores funções.
(ilustração: Circos (https://www.todamateria.com.br/circo/).
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