sábado, 12 de setembro de 2020

As andorinhas dos fins de tarde

 


Nasci numa fazenda (o Tatu) no município cearense de Lavras da Mangabeira. Próximo da casa de meus pais havia uma capela em volta da qual, aos finais das tardes, acorriam bandos de andorinhas em dança festiva a formar coreografia insistente que envolvia o escurecer num ritual misterioso, nuvens mágicas das aves em chilrei que, ainda hoje, ecoa pelos corredores da minha memória. Lembro como sendo vivência recente a observar admirado os volteis aéreos dos pequenos pássaros na sua escrita primorosa dos céus quase escuros. As calçadas em volta eram de tijolo nu bem no tom avermelhado dos barros do sertão, de cujos espaços vazios cresciam pés de carro santo, planta de verde musgo e folhas espinhentas. Sentado nos batentes da pequena igreja, contemplava essa paisagem do poente aonde o Sol descia com reflexos derradeiros sobre as águas do Riacho do Meio, lá embaixo logo depois dos canaviais do brejo.

Recordo essas cenas muitas vezes no decorrer dos dias. Sem nenhuma intenção, me vejo, de novo, nos entremeios da memória secundária que nos acompanha toda hora, a presenciar a pureza rara dos entardeceres daquelas calçadas da igrejinha. Ali de junto havia, também, um sombreado fícus benjamim, o chiqueiro das ovelhas, defronte às pedras de antiga construção que se perdera no tempo e, vizinho, a casa de Seu João Preto, o morador responsável pela criação.

Assim, involuntariamente, de comum, ao reviver esses retalhos de passado distante, vêm de junto histórias guardadas sob os refolhos de mim mesmo, a pedir atenção, e que termino por narrar pouco a pouco no desejo insistente de procurar o nexo de tudo isso que chamam existir.

Vejo essas percepções, também, ao escutar algumas músicas que trazem de volta lembranças bucólicas de vidas sertanejas dos compositores e poetas, matéria prima dos sonhos da infância de quando viveram as doçuras dos rincões interioranos, o que lhes acompanha vidas inteiras.

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