quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Equipe 88

 No meu segundo ano de Salvador, morei em um pensionato administrado pela mãe de Joaquim, colega de banco, situado na Barra, Rua Milton de Oliveira. O apartamento que nos abrigava preenchia o terceiro andar de prédio cinquentenário e espaçoso, com três quartos, divisória na sala, cozinha e varanda de onde avistava o mar. Ali vivíamos com aquela família baiana proveniente de Nilo Peçanha, cidade do interior, formada de uma senhora, D. Ivone Cavalcanti, e dois dos seus cinco filhos, Joaquim e Roque. Os demais moradores éramos todos funcionários da agência Centro-Salvador do Banco do Brasil: Messias, sergipano; Sebastião, alagoano; Muanis, mineiro; e eu, cearense. 

O bairro compunha capítulo inevitável do roteiro turístico da Boa Terra, próximo de uma praia freqüentada todo o ano. Descíamos a pé em nossas oportunidades de lazer, angariando novas amizades e observando a movimentação festeira que dominava a constante rotina do lugar.

Há poucos meses, comprara um carro e buscava companhias para as peregrinações dos momentos vagos, principalmente aos lugares típicos e folclóricos. Resolvera viver com intensidade o universo da metrópole nas sobras de tempo investido nas responsabilidades profissionais e universitárias.

A convite de Muanis, um dos companheiros da pensão, aceitei me inscrever numa gincana promovida no meio do ano de 1972 pela TV Itapoan Canal 5. Em torno de uma centena de equipes agitariam Salvador durante um final de semana inteiro, festa sem precedentes, mediante a apresentação de tarefas desde peças raras da história colonial a pessoas nascidas em países exóticos, animais raros, gravações preciosas, tipos humanos de características diversas e inusitadas. 

Antes não conhecera o teor dessa atividade, porém, sob a influência dos integrantes do meu grupo, participei de reuniões preparatórias na casa dos líderes e logo me inteirei do regulamento, abrindo portas para conhecer pessoas e construir outros relacionamentos. Formávamos a Equipe 88, composta de um contingente de 50 carros, ou de mais até.

Foi uma agitação e tanto, dia e noite; isso causou reviravolta, agitação e espanto no mundo de relativa calma dos habitantes da cidade, pegos de surpresa pelo grau de furor da competição, o que exigiu ações enérgicas dos órgãos oficiais para conter os excessos no trânsito. Concorrentes e automóveis, em alta velocidade, buscavam a todo custo superar seus opositores, por vezes esquecidos da esportividade e das regras de boa paz, propostas iniciais da programação.

Eram dias intensos de emoção e risco, época, no entanto, que já demonstrava os avanços da farra tecnológica sobre o bucolismo da Velha Bahia, aos poucos ameaçado pelas chamas do futuro.


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