Nas vastidões geladas
do Ártico, em meio a naturais dificuldades, viviam pai e filho, únicos
habitantes de cabana modesta, longe dos valores da civilização, num tempo em
que pouco se sabia dos atuais degelos, quando se prevê outra glaciação na
Terra.
Era costume do povo
do lugar a existência das pessoas restrita à capacidade individual para se
sustentar do necessário através da caça e da pesca, sob os rigores do clima abaixo
de zero. Após a decrepitude, as famílias agiam com naturalidade depositando nas
planuras desérticas idosos ou doentes sem cura, qual cumprissem a lei da
sobrevivência.
Naquela casa, porém, o
filho retardava a providência quanto ao pai já em fase que chegava na época do
despejo, quando surgia no filho a disposição de constituir família e iniciar
outro sistema de vida, restando-lhe apenas se livrar do genitor e liberar a
vaga para noiva bela e intransigente.
Mesmo admitindo
aquele procedimento, o filho insistia manter em casa o velho pai, além até dos
hábitos de grupo, pois não sabia justificar o que de vantagem propiciavam as
tradições do lugar. Ao menos para si, no íntimo, achava certo querer consigo
por mais algum tempo quem tanto sacrifício fizera na sua criação e na continuidade
do lar.
Os dias prosperavam,
no entanto. A noiva nutria pelo sogro
sentimentos agradáveis, os quais, todavia, diminuíam em face do instinto
conjugal. Dotada de especial talento, tecera bela manta que pretendia ofertá-la
quando da viagem definitiva do idoso aos penhascos gelados, em data sem muita demora,
segundo planejado.
Nisso, não tardou a
madrugada quando movimentos diferentes sacudiram a humilde choça. O filho atava
os cães ao trenó, reuniu alguns poucos trastes, ligeiros mantimentos, e instalara
o pai no meio da carga, fazendo-se a caminho.
Depois de tempestuosa
jornada, se viram numa longa planície branca circundada de montanhas sombrias e
ameaçadoras. Tão logo o escuro da noite principiou envolver o mundo, cumpriram
a parada definitiva. Naquele sítio cinzento, dar-se-ia o desfecho da longa
espera.
Sem trocarem
palavras, de cabeça pendida no peito, os dois se olharam pela derradeira vez,
num adeus quase primitivo, selvagem, assim podemos dizer. O ancião buscou tirar
por menos, desviando-se para fora da trilha, de olhos presos na solidão, exercitando
compreender o peso daquela hora. O filho refazia o que restava da bagagem;
alimentou os animais e deu mostras de ter cumprido a missão, pronto para
retornar. Após sacudir no espaço as dobras do relho com que tangia seus cães, de
súbito ainda ouviu a voz do pai a chamá-lo:
- Filho, filho! -
gritos ecoaram no vazio gelado e de suas mãos pendia a manta que a nora confeccionara.
– Quero isso não, é desnecessário para mim. Prefiro que a conserves contigo e
uses quando teu filho vier aqui, um dia, te oferecer ao desconhecido.
A expressão sincera do
gesto foi mais do que suficiente. O moço viu-se desmoronar de todos os planos
que, por muitos anos, lhe saturaram o juízo. E lívido de arrependimento, agindo
com rapidez, voltou atrás; recolheu os pertences que deixara; pondo de novo o
pai no lastro do reduzido veículo. Começaram a viagem que os levaria de regresso
à velha casa de onde saíram.
Muito bom Emerson, é de tua lavra?
ResponderExcluirA forma, sim. O argumento, vi nos livros.
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