Na página do livro que lia, Teodoro deu de cara com a improvável
perspectiva de, ao tocar uma campainha mostrada pelo Tentador, virar herdeiro
universal dos cabedais infindáveis de Ti-Chin-Fu, um Mandarim mais
rico que a fábula e a História contam.
- Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia –
acrescenta Eça de Queiroz, no conto que leva o nome de O Mandarim. –
Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a
ambição de um avaro.
Nesse trabalho, o escritor narra vivência fictícia de funcionário que
se depara com trecho de obra antiga onde via a oferta de ganhar aquela fortuna
sob a única condição, em pacto perverso, acionar o dispositivo e eliminar, bem
longe, na China, nobre ancião que brincava de lançar papagaio em campos verdes
de relva.
Sem hesitar, o mero sonhador aciona aquele instrumento letal:
- Foi talvez uma ilusão – segue o texto; - mas pareceu-me que um sino,
de boca tão vasta como o mesmo céu, badalava na escuridão, através do
Universo...
- ... E nos braços frios tem o seu papagaio de papel, que parece tão
morto como ele – desfecha o autor português.
No seu torpor, Teodoro ainda notou o sujeito saindo da sala, carregando
um guarda-chuva debaixo do braço.
Dentro de breve tempo, veja só no que se deu.
Com o passar de um mês, quem antes sofria diante das míseras exigências
da mediocridade financeira, rápido pôs-se a juntar milhares de contos de réis tornados
milhões, da noite ao dia, na outra vivência, pondo-se a cogitar real a visão em
que se metera, naquela chance ofertada pelo Vadio. Arriscara ao menos para
saber da verossimilhança do que agora lhe fervia de remorsos cruéis face ao
critério vigoroso da consciência.
Depois disso, choveu na horta do ex-amanauense, a viver mundo de
repetidos sonhos. Disparara o botão da pequena caixa e na remota Catai dera fim
aos dias do velhinho brincalhão em campinas solitárias. Gesto simples, caldo
infeliz; igualmente, tornara-se o dono absoluto de toda sua fortuna.
Antes disso avaliara prováveis conseqüências de coisas sonhadas e não
via porque admiti-las transpostas ao mundo físico. Uns admitem a possibilidade;
outros, não; e era do segundo grupo, ainda que nele a vida fosse mais difícil,
nas contas, nas repartições, na cidade. À sorte em poucas esquinas sorrir.
Estudara os detalhes do conflito, as condições morais da resposta que dera na
dimensão impossível.
Contudo, mais adiante viajou aos países longínquos do Oriente. Chegou
na China, buscou comprovações e o mandarim na verdade existira, para seu desconsolo.
Até que um dia também volta aos braços da morte e abandona os bens que
reunira na desventurada atitude.
Para desfechar o conto, resume numa frase seu genial autor: Só sabe
bom o pão que dia-a-dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim!
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