quinta-feira, 14 de setembro de 2023

A voz do Tempo


Dalgum jeito ouve-se o sussurro desse ente maior que preenche o espaço tanto de dentro quanto de fora da percepção das pessoas. Em tudo quanto há, o Tempo demonstra o senso das escrituras e fala na alma das criaturas, a dizer desse infinito generalizado que percorre suavemente as vísceras dos acontecimentos a cada instante. Espécie de ser imaginário além do próprio mistério,  e circula livremente nas sombras, a falar dos credos e sonhos que invadem a distância numa velocidade jamais comparada senão através de fórmulas ininteligíveis e surdas. Multidões de vultos persistem na ânsia dos duendes que formam as nuvens e deslizam pelo azul das consciências; apenas aceitam o inevitável e adormecem à sombra de ilusões sucessivas.

Os tais seres encapuzados, que presenciam o afã dessa força enigmática do Tempo, saem à solta feitos fagulhas a envolver os momentos e desaparecem logo em seguida. Longe de conhecer a existência em toda sua luminosidade, aguardam suarentos as consequências do que existe e que lhes devorarão as entranhas sob determinações infalíveis. A sentença da liberdade é bem esta, de usufruir os fatores que enchem a História de zilhões de fragmentos, páginas soltas deste livro oculto das gerações, numa soma expressiva dos destinos em decomposição visível feitos lâminas e cicatrizes.

Quiséssemos, pois, ouvir do Tempo suas canções e dormiríamos contentes, mesmo na face obscura do que ainda não admitimos e que nos devora a todo passo, na tal decadência dos séculos. Seremos desse modo só os observadores das circunstâncias e senhores da solidão pessoal. Marcaremos de monumentos a sequência dos sóis que nos seguem apressados de não saber aonde chegar, que trazem manchas e modificam os fenômenos ao sabor dos seus caprichos. Enquanto isto sustentamos a luz dos sentimentos puros no íntimo de nossas individualidades.

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