sexta-feira, 28 de julho de 2023

A eternidade das casas


A primeira sensação que vem ao me dispor escrever algo trazido na inspiração é o temor de jogar fora a oportunidade de contar. Sente-se bem clara a presença de uma intuição que quer falar, e que sejamos sua voz, portanto. Nisso, vêm as ideias, palavras, imagens, lembranças esvoaçantes no céu das horas.

Naquela casa, exótico bangalô de cimento armado construído pelo Dr. Pergentino Silva num bairro distante ao leste da cidade, moraríamos durante uma década. Chegáramos a Crato em 1953. Passados alguns meses na casa de Tio Quinco, à Rua José de Alencar, no centro da cidade, dali fomos ocupar a Vila Dairo, nome dado ao lugar em homenagem ao um dos filhos do proprietário, um dentista tradicional e de família conhecida.

Era de dois pavimentos e um lajão plano de onde avistávamos em volta e contemplávamos o claro das noites. Posta em terreno espaçoso cercado de nove mangueiras, ainda possuía restos de muro baixo destruído pelo tempo.

Nesse recanto passei a infância e o início da adolescência, juntamente com meus quatro irmãos. Havia três dormitórios no térreo e mais três na parte superior. Foi uma fase bem movimentada, pois recebíamos de hóspedes ocasionais, nalgumas vez, e noutras em longas estadas, os irmãos de minha mãe. Além deles, ali viveram os serviçais, que vinha do Tatu, em Lavras, lá onde vivêramos antes.

Ali quantas histórias aconteceriam, fortes sinais das nossas recordações de uma vida em formação! Ao lado, em terreno amplo, funcionava a serraria de meu pai, de que ouvíamos o som das máquinas durante o dia e à noite permanecia em completa escuridão, porquanto só em 1962 a energia elétrica viria em definitivo ao Crato.

Qual sendo hoje, aquele rico panorama permanece entranhado dentro de mim. Os personagens, os enredos, as ocasiões. Gravação inextinguível, aquela história insiste continuar fiel nos mínimos detalhes, as emoções, os impactos, as formas, num caleidoscópio sem final. Aquele eu tão só seguiria a reunir mais e mais detalhes a esse afã inicial de querer saber a que veio e encontrar a paz dentro de si.

(Ilustração: Depositphotos (reprodução).


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