segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Ler a cidade


De outras vezes tenho contado disso, das aventuras antigas largadas pela cidade e que insistem continuar vivas para sempre. Filmes mil espalhados nas praças e ruas, nas casas e esquinas. São pessoas a multidões que seguem a sina de haver existido lá um dia e dever existir no céu doutros mares. Enredos deixados nas calçadas e calçamentos, impressões indeléveis que ali permanecem no silêncio do passado sobrevivente. Um dia, me contaram de alguém que sonhou com seu compadre que havia morrido. Este dizia que ninguém morre, que, de comum, segue vivendo nos mesmos lugares onde antes viveram. Daí acrescentava, dia desse, numa segunda-feira, quando o compadre entrava no armazém de Jorge Romualdo, se eu não saísse do meio o compadre teria esbarrado em mim.

Aqueles tais personagens das histórias que vivi persistem, pois, vivos pelas ruas, basta que pare um pouco e observe as cenas quais de um carrossel inextinguível que gira, gira, gira, a nossa frente, reativando situações vistas e vividas desde o antigamente. São comparáveis às películas do Cassino, do Moderno, Educadora, espraiadas pelas ruas, com seus artistas inesquecíveis e as cenas em movimento. Eles se misturam com as outras nossas memórias e seguem ativos nos corredores da consciência a contar, quiçá, outros lances das velhas histórias que não morreram mais.

Assim o mundo, neste Universo inteiro, equivale a pedaços colados do tempo no espaço, panorama das epopeias de tantos, tantas moléculas, células eternas no calabouço de outrora e disponíveis, a serem acesas no depois quando quiser. Lastros imensos de saudades, fantasias, verdades, ligadas ao crivo deste Ser maravilhoso que nos iniciou e conduz Infinito adentro, dotado de responsabilidade e sabedoria.

De um jeito valioso por demais, tocamos este barco das vidas e histórias adiante, feitos seus próprios autores, à luz das nossas lembranças que preenchem o ser que ora somos e, nisso, compomos no silêncio da gente a sinfonia de perfeição da Natureza em que temos participação imperecível, admirável.

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