terça-feira, 28 de dezembro de 2021

As fronteiras da Razão


Entre esta uma vez e todas as outras, nesse tabuleiro estreito da terra de ninguém, lá onde impera só o êxodo das civilizações de papel, ali moram os bruxos. Eles, seres estranhos, irreais, que carregam sacos de quinquilharias, sobras de refeições dos pássaros noturnos, asas de morcegos, cascas de árvores carcomidas, extintas, chás das ervas fantasmagônicas, perfumes exóticos, garras de animais retorcidas em noites de lua nova; tudo, por fim, que diga respeito aos mistérios das sombras adormecidas. Arrastam consigo crenças disso, num absoluto que de há muito deixou de existir nos seus mesmos corações empedernidos pela sorte agoureira, vã. Assim eles tangem seu rebanho das ilusões de viver na força dos poderes inexistentes, porém que vivem numa intensidade inimaginável dentro das cavernas escuras, e aferretam o corpo sadio das verdades deixadas cá neste mundo pelos místicos que sofreram a síndrome da perfeição e sobrevivem pelos céus.

Vemos isso a cada segundo que se extingue nas dobras dos fins das tardes bonitas do Sertão. Esses encapuzados seres que transitam ao som dos derradeiros cantos das aves do Paraíso e soltam lamentos de quem sumirá pela escuridão feitos rebotalhos de exércitos derrotados nas guerras de perpetuação das espécies abstratas. Vê quem quer e alimenta esse desejo transcendente de resistir às maldições dos que desaparecem tão logo a luz refaça na claridade das manhãs.

Vivem cheios disso, das flores do esquecimento, das relíquias dos santos que contiveram a ação devastadora do tempo. São eles os dias em sua fome voraz de triturar os anseios, que contam as lendas maravilhosas de todo instante; guardam de tudo um pouco, na trilha das almas em movimento, sem, igualmente, querer presenciar o que as memórias insistem dizer pelas estradas dos sóis.

As melhores lembranças viram, pois, trastes empoeirados nas prateleiras das casas abandonadas, tomadas por entes vazios, deixados apagados nas lareiras do transitório, que de lá nunca voltaram. Recordações, saudades, apegos que foram embora e perderam aqui suas tais quimeras de contos esquecidos em reinos bem distantes e eternos.   

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