terça-feira, 15 de janeiro de 2019

A Banda do Companheiro Mágico


Dentre as lembranças inesquecíveis que guardo comigo dos tempos quando vivi em Salvador, na década de 70, este marca um momento rico das boas recordações baianas: 

Fora convidado por Boanerges de Castro, amigo músico e colega de banco, a realizar documentário de uma festa de que ele anualmente participava, no sudoeste da Bahia, no povoado de São Gonçalo da Canabrava, próximo à Serra da Mangabeira, na Chapada Diamantina. Prometera ao santo padroeiro que, todo ano, compareceria às suas festividades e, juntamente com mais dois amigos músicos, acompanharia a procissão pelo vilarejo, inclusive a executar os hinos em sua homenagem, em meio às atividades do lugar. E naquele ano eu iria com ele a fim de fazer o registro cinematográfico da sua presença naquele ano.

Antes, porém, passaríamos pela Ilha de Itaparica, quando iria participar, integrando um grupo de metais que formava com mais onze outros músicos, do I Festival de Música de Mar Grande. Assim o fizemos. Chegamos com alguma antecedência e acompanhamos os dois dias do evento, naquela vila, uma das tantas que formam a Grande Itaparica.

No derradeiro dia, domingo, acordamos cedo e os músicos saíram da casa onde estávamos e foram ensaiar a céu aberto, ao sol intenso da manhã. Juntamente conosco estava Edgard Navarro Filho, um cineasta baiano, também meu amigo. Enquanto ensaiavam, pedi a Edgard sua câmara e cuidei de fazer algumas tomadas do grupo, que, por sua vez, se motivou e seguiu pelas ruas de Mar Grande a executar o repertório da apresentação da noite; no decorrer do trajeto gravaria novos enquadramentos de cena.

A película virgem na câmera, uma Chinon, super-8, era, no entanto, restrita tão só a poucos minutos, e fui gastando o cartucho à medida em que andávamos pelas ruas. Nisso, avistei um pequeno circo das imediações, já na praça da vila; convidei os músicos a entrar e tocar no picadeiro. Nessa hora nos acompanhava número expressivo de populares trazidos pelo ritmo cativante das melodias, ao som febril dos metais, frequência que cresceu ao chegarmos no circo. 

As músicas do grupo, repertório de qualidade exemplar, animado aos moldes da alegria baiana, motivava todos a dançar numa total animação, ocasionando evento improvisado e espontâneo. E eu a filmar, convidando as pessoas a participar da película improvisada. 

Isto já com mais de vinte minutos de função, Edgard, descalço, pulando no calor do asfalto quente, ficou admirado de tanto tempo de filmagem; então me perguntou se o cartucho ainda resistia naquilo tudo. Eu respondi que de há muito gastara a película, e mesmo assim não quis interromper a gravação impossível, face ao fenômeno que verificado no entusiasmo daquela gente. 

Daí, seguimos até o porto das barcas de Mar Grande, a dirigir a multidão,  por volta de cem ou mais pessoas, no ritmo acalorado. Mais um, mais um Bahia, mais um título de glória...

Desceríamos até a praia e persistimos naquela fantástica produção cinematográfica durante alguns outros instantes complementares. Nessa hora, daria sinal a todos de que o cartucho do filme terminara, e saímos, os músicos e eu, de volta à casa onde estávamos. Eles tocavam e os populares, da praia, embevecidos, acenavam em despedida. 

Apenas imaginário como um todo, o que só Edgard e eu sabíamos, tenho certeza que aquele filme e aquela manhã inusitada permanecerão para sempre na memória dos que dela participaram sob tanto fervor e tamanha felicidade.

Na sequência, tomaríamos estrada através da Ponte do Funil, na BR-101, e buscaríamos a localidade aonde fizemos o curta-metragem São Gonçalo da Canabrava, de minha autoria, sob a produção de Boanerges de Castro. 

(Agora recente avistei o seu endereço no Messenger e envie minhas notícias, 44 anos depois: – Lembra do nosso filme de São Gonçalo? 1975. Banda do Companheiro Mágico. – Oi Emerson, claro que sim! Que bom ter notícias suas! Feliz ano novo!).


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