terça-feira, 13 de junho de 2017

Um primeiro comício

Eram as eleições municipais de 1988 em Crato. Eu integrava a chapa de candidatos a Vereador da coligação PDT\PTB, sendo um dos nomes do PDT.  O candidato a Prefeito, Humberto Mendonça; ao seu lado, Rubens Almino, o candidato a Vice-Prefeito.

Aquela seria minha primeira manifestação em comício, no Alto da Penha. Palco armado, bandeirolas tremulando ao vento do início de noite, os manifestantes contratados agitando faixas e bandeiras, o Trio Nortista esquentando o público na animação do forró autêntico, fogos disparando, o povo aos poucos se aproximando, luzes intensas, o que me lembrava dos primeiros comícios que presenciara no tempo de menino, em campanhas políticas memoráveis. O clima tinha tudo que acendesse meus sonhos de democracia, vividos na militância de esquerda desde a adolescência. 

Sentia emoções suficientes a oferecer o melhor naquela oportunidade. E trazia comigo até as palavras com que abriria minha fala de cinco minutos bem contados. Nisso, me chamam ao microfone, e revivi no juízo a expressão que aprendera de uma música de Sérgio Ricardo, mote do que preparara do discurso, daí soltando o verbo no auge dos sentimentos:

- A praça é do povo como o céu é do condor, já dizia o Poeta dos Escravos lutador – respirei fundo e continuei cheio de vontade: - Outro poeta dizia que até o mar se levanta, que até o mar se levanta, quando na praça em festa é o povo quem canta!

Naquela hora, achando mesmo que iria abafar, emocionado até dizer chega, notei logo embaixo, vindo de dentro da multidão, um homem assim meio puxando fogo, sacudindo as mãos, a gritar com força:

- Doutor, fale mais baixo, que ninguém tá entendendo é nada que o senhor tá querendo dizendo.

Mais que um bande de água fria, ali apagou o sonho de eloquência, me trazendo de volta à realidade, o que só deu tempo de fechar o discurso pedindo que, se não quisessem votar em mim, que escolhessem qualquer dos outros da legenda, e fui saindo antes até de gastar o tempo que me fora previsto do discurso.  

(Ilustração: Sérgio Ricardo - Festival da Record, década de 1960).

Um comentário:

  1. O que foi uma pena... perdeu a cidade do Crato a oportunidade de ter no seu quadro político um homem digno. Infelizmente a política até bem pouco tempo não comportava pessoas dignas e honestas. Uma pena mesmo.

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