sábado, 27 de maio de 2017

Perseguição

Há pessoas que têm o costume de repassar a outros a responsabilidade pelos seus atos, quase que no papel das inocentes vítimas. Esquecem sobremodo o sentido de tudo na justa razão, equilíbrio universal da Natureza, império exclusivo da ordem; nada foge ao seu controle, vindo daí o princípio do merecimento. Colhemos apenas o que plantamos, sem subterfúgios. 

Esse hábito de transferir aos demais o motivo do que se lhes aconteça bem caracteriza o atraso na compreensão espiritual. Ignorar  os próprios atos. Fazer-se merecedor do desejo sem desfrutar do que houver feito antes. E nisso atirar na civilização, numa injustiça do acaso, noutras forças, nos ventos, nas épocas, no Mal, as causas da infelicidade pessoal, ou coletiva.

Ninguém olha a si e estabelece uma perfeita relação de causa e feito, da dependência do justo pelo justo da Lei. 

Quando Nietzsche questiona a existência De um Poder Infinito além dos seres humanos, com base na acomodação aos valores de grupos dominantes dos deuses de castas, de classes sociais e políticas. E proclamou o Super-Homem, um deus de Si, para além do Bem e do Mal, acima dessa mediocridade do fracasso justificado e cínico.

Mais do que um filosofia, quer oferecer uma reclamação aos desistentes do Poder que transportam na alma, fonte dos mistérios da Criação e da Consciência, longe de isto exercitar numa prática efetiva.

A propósito, li recentemente, no livro Histórias do Rabi, de Martin Burber, narrativa do que seria esse grau da dependência humana às próprias fraquezas, e sua transferência aos outros mortais. 

É uma história do Rabi Pinkras. Ao chegar na casa de estudos em que transmitia seus ensinamentos, acha os discípulos em discussão acalorada. Ao avistarem o Mestre, silenciaram, sabendo, no entanto, do interesse dele quanto ao que há pouco debatiam.

- Bom, Mestre, nós avaliávamos o que fazer diante das perseguições do mal a que todos estamos sujeitos – disse um dos presentes.

O rabino de pronto considerou: - Não vos preocupeis. Tão alto ainda não chegastes, para que ele vos persiga. Por enquanto sois vós que o perseguis.

(Ilustração: Filme O gato do rabino, de Antoine Delesvaux e Joann Star).

Um comentário:

  1. Rica história, nos leva a reflexão, avaliação de nossas escolhas e atitudes. Um abraço!

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