Habitava pequena cidade do interior, onde era por demais conhecido. Sem comunicar a ninguém, tratou de viajar para lugar longínquo, onde ficasse no mais extremo ostracismo.
Instalou-se num lugar afastado, metrópole descomunal, em que ninguém daria notícia de um novo morador; refez sua aparência: raspou a cabeça, modificou o estilo da barba, da fala, comprou roupas diferentes, mais sóbrias, pôs óculos escuros, etc.; mudou por completo a antiga fisionomia. Achou também que devesse adotar outro sistema de vida e buscava sempre as multidões, as ruas movimentadas, os locais agitados, barulhentos, shoppings, praças, os espetáculos públicos, praias cheias, onde estivesse despercebido. Tudo se dava conforme planejara. Nem nos sonhos voltaria a lhe importunar a perspectiva de cedo haver de deixar este mundo.
Ia tudo bem até o dia previsto naquele sonho funesto, quando em pessoa apareceu o anjo exterminador que lhe buscava. Dirigiu-se à antiga residência da vítima potencial, na pacata cidadezinha em que a princípio viveria. - Ora, que decepção - nem o menor vestígio do freguês.
Desapontada, a morte coçou a cabeça; de cima abaixo revirou a lista telefônica; indagou da vizinhança, de policiais, carteiros; nada; nada; inexistiam sinais do homem que transportaria para outro mundo.
Frustrada, ela resolveu, antes de voltar, se entreter qualquer coisa, indo a passeio visitar recantos populosos, dos quais, coincidência ou não, o tal em que o freguês fora habitar.
Na metrópole sem tamanho, bateu pernas longo tempo e chegou a uma casa de shows em que se desenvolvia festa agitada, animada por grupo de rock estridente, casa dos horrores eletrônicos. Fumaça, ruídos ensurdecedores, superlotação.
Apreciou algum tempo o espetáculo. Ainda que convidada pelos organizadores a permanecer pouco mais, resolveu desconversar e saiu em retirada; então, planejou ganhar a viagem. Antes de partir, decidiu levar alguém na companhia. Com cuidado, observou a vasta multidão. No meio de tantos esfumaçados e envoltos nos jatos de luzes coloridas, viu alguém que lhe chamou a atenção devido o crânio bem pelado, luzidio, no meio dos muitos cabeludos (era o dito homem do sonho); calculou porte, pesagem, e arrastou-o à carruagem que utilizaria na longa viagem de volta.
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