segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O sapo e o vagalume

 

Para o sapo o ideal de beleza é a sapa.   Voltaire

Outro dia, em nossas comunicações, a minha amiga Geracina Aguiar me lembrou de uma das fábulas brasileiras bem aos moldes desta humanidade, que conta a história de vagalume que vivia nos lodos fétidos do pântano e notava, constantemente, o assedio de um sapo vadio a lhe buscar de alimento. Escreveu não leu e ali surgia o horroroso batráquio munido da língua pegajosa à cata do pequenino inseto, que sempre galgava fugir. E a peleja já até constava das rotinas daquela natureza primitiva, sob a observação dos outros viventes do lugar. 

Lá pelas tantas, num noite mais escura, o sapo realizaria seu intento e vê-se com o vagalume preso às mandíbulas famintas, disposto que estava de nutrir o velho sonho de devorar ao besouro luminoso. Porém, nas últimas providências que lhe restavam, o vagalume ainda consegue estabelecer rápido diálogo com o feio animal que o devoraria logo em seguida.

- Seu sapo, queira dizer, por que tudo isso, essa insistente vontade de me engolir há tanto tempo? – pergunta agoniado.

Arrogante, meio sem jeito, no entanto cheio do voraz apetite, o sapo, de chofre, respondeu:

- Ah, não, além de tudo, jamais me conformaria com sua audácia, pirilampo, de buscar iluminar as trevas do brejo e, quem sabe?, despertar a noite da escuridão impenetrável. Bem que podia ficar quieto no seu canto e esperar a hora do nascer o Sol. 

...

Entre o gramado do campo
Modesto em paz se escondia
Pequeno pirilampo
que, sem o saber, luzia

Feio sapo repelente
Sai do córrego lodoso
Cospe a baba de repente
Sobre o inseto luminoso

Pergunta-lhe o vaga-lume
- Porque me vens maltratar?
E o sapo com azedume:
- Porque estás sempre a brilhar!

                     (João Ribeiro - 1860-1934)

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