quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Tais nuvens que se desfazem


Nada mais que isso é o que somos... Máquinas de ver passar o tempo, no entanto submissas a questões fundamentais. Notas da sinfonia magistral do instante, ainda buscamos a pureza da nossa sonoridade primeira. Lembro de certo trecho do livro A erva do diabo, de Carlos Castañeda, moda nos anos 60, quando, após receber os ensinos de Dom Juan, dele se despede o feiticeiro, deixando-lhe, porém, uma tarefa a cumprir, prova de haver aprendido as lições. Já tarde da noite, numa casa abandonada onde se achavam, em um deserto do México, Castañeda haveria de encontrar o seu lugar na varada escura dessa habitação utilizando nisso um pequeno palito de fósforo, a medir passo a passo todo o chão. De certeza, ali estaria aquele ponto só a ele destinado.

No frenesi de corresponder aos seus anseios, seguiu exaustivamente noite adentro, indo, afinal, cumprir a tarefa quase nos claros da madrugada.

Quais assim vivemos, de buscar o lugar a que nos destinamos, peças soltas de uma engrenagem insólita. Tateamos o mistério, espécies de lesmas da alma, na gana de revelar a que aqui nós estamos. Por vezes, tratamos de inventar nossas próprias regras, contudo detentores das restrições impostas diante da ordem do Universo, por si virtuosa em tudo. Palmilhamos as folhas do momento presente, experimentamos as determinações da incerteza e sussurramos canções as mais diversas, e tantas horas ausentes da composição original a que devemos cumprir com fidelidade e receber o prêmio dessa Verdade.

São tantas as visões do que resta viver, todavia tanto desencontradas da real condição de vencer os desafios da sorte ainda incerta. Vele que seja desse modo, porquanto outro jeito jamais haverá de existir o que não corresponda aos valores definitivos da determinação do Ser perfeito de quem somos diletos filhos. Enquanto isto, no alto dos céus, deslizamos as vidas no simples gesto de sonhar com o Sol pleno das manhãs primaveris.  

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