sábado, 24 de fevereiro de 2018

As asas do tempo


Há que existir uma imagem nalgum lugar a que se possa escrever. Meras palavras soltas ao vento jamais dariam certezas de pisar o chão das almas sob o teto das maravilhas. Decerto que tem sido assim desde sempre, de quando grupos cantavam nas noites em volta do escuro das cavernas. Pensamentos vagos, ansiosos perscrutariam as alturas que a tudo invade e em todas as direções, no saber das impossibilidades e querer sair da imensa bolha onde estamos retidos dentro da bólide vadia que percorre o firmamento das eras. Blocos de infinitas circunstâncias, pessoas e objetos, claros deslizam ao peso das garras do tempo pelas carnes da existência. As paredes são comuns, granito e nada, que importam os credos, as raças e as cores?... Lei sem exceção comprime os céus de concreto e pó. Olhemos aonde chegam as vistas, e lá perdurarão paisagens de horizonte descomunal. Pelotões das visagens vacilantes constrangem de sonhos algumas migalhas da aventura e deixam levar, nas marés inevitáveis, o resto dos que se forem.

Porém, ah! os porém que justificam tal mistério tenebroso que a razão não pode responder, e que contêm as normas da Salvação. Salvar de se deixar só escorrer na lama e nas gretas do pecado, e reviver o senso real das criaturas humanas. Persistir até chegar ao cálice pleno do eterno Ser que em nós habita escondido no mais íntimo coração. Eis, então, a alternativa única de revirar essa história, no firo de cruzar a barreira da matéria e avistar logo, ali adiante das vaidades que fogem, o nexo das virtudes, que disso contam os místicos, as lendas e o impossível das epopeias de gigantes e fadas; às portas de Si mesmo, a caravana erguerá, pois, braços além das muralhas de Jericó e receberá o fruto doce das próprias descobertas na certeza doutras vidas de felicidade intensa.

Enquanto isso, o rufar das penas enormes desse pássaro descomunal das gerações soará através do abismo, e das nuvens da esperança virão novos sóis e séculos da consciência hoje ainda adormecida no frio dessas manhãs invernosas. Quando, bem nessa hora, calados, quietos, ouviremos ao longe os acordes suaves de um sax a dedilhar em surdina o mais apaixonado bolero.

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