Impossível descrever as delícias que
senti ao entrar nesta zona, comparativamente rica e risonha, depois de uma
marcha de mais de 300 milhas através de uma região que naquela estação era
pouco melhor que um deserto. Com estas palavras, o médico e botânico inglês George Gardner conta a
sua chegada às imediações da Vila de Crato, em seu livro Viagens ao Brasil, quando esteve aqui, entre 1836 e 1841, onde
prossegue: A tarde era das mais belas que
me lembra ter visto, com o sol a sumir-se em grande esplendor por trás da serra
de Araripe, longa cadeia de montanhas a cerca de uma légua para o oeste da
Vila, com uma frescura ambiente que tirava aos seus raios o ardor que pouco
antes do poente é tão opressivo ao viajante das terras baixas.
Dos
primeiros a escrever impressões quanto ao interior do País durante os inícios
da presença europeia, Gardner considera: A
população da Vila orça por dois mil habitantes, quase todos índios, puros ou
mestiçados.
Após se deter nos aspectos sociais, registrando modos de relacionamentos familiares primitivos, de maridos desconsidereram esposas de mais idade para sustitui-las por parceiras jovens, e sacerdotes católicos que viviam maritalmente, gerando filhos em profusão, como o pai do presidente da província cearense. Nem admira que tal seja o nível da moral quando se leva em conta a conduta do clero. O vigário, que era então de 70 a 80 anos, era pai de seis filhos naturais, um dos quais foi educado para ser sacerdote, depois se tornou presidente da província e era então senador do império, conquanto ainda conservasse seu título eclesiástico. Durante minha permanência em Crato veio o senador visitar o pai, trazendo consigo sua amante, que era sua prima, com oito filhos dos dez que ela lhe dera, tendo além disso cinco filhas de outra mulher, que falecera ao dar à luz o sexto. Além do vigário, havia na vila mais três outros sacerdotes, todos eles com filhos havidos de mulheres com quem conviviam abertamente, sendo uma das mulheres a esposa de outro homem.
No
âmbito das avaliações dos meios de produção, foram encontradas estabelecidas
culturas de cana-de-açúcar, mandioca, arroz e fumo, enquanto as frutas
principais significavam aquelas comuns ao clima tropical, laranja, lima, limão,
banana, manga, mamão, jaca, fruta-do-pão e caju, e ainda uvas, ananases, melões
e melancias.
Das
riquezas analisadas, a água saltou aos olhos do visitante, que nisso teceu
palavras de admiração. Desta serra, que dista
de légua e meia a duas léguas do Crato, brotam numerosas fontes a que se pode
atribuir a grande fertilidade desta parte do sertão, cujas correntes de água se
diversificam em mil direções para os fins de irrigação. E logo adiante
afirmou: A junção de vários fios de água
que descem da Serra de Araripe forma um regato que passa perto da Vila de Crato
e provê aos habitantes a água abundante e límpida em todas as estações do ano.
Também forma tanques profundos para banho, coisa com que os moradores se deliciam,
principalmente no estio.
Vistas, pois, tais
notícias da época distante na história dessa gente, através da obra de George
Gardner, há que se pretender cogitar da leitura do livro, onde existem outras e
tantas anotações das viagens que realizou a pontos diversos do Brasil, trabalho
primoroso e raro quanto ao que passou.
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