quarta-feira, 9 de maio de 2012

Vertigem


Certa vez, em plena manhã de um final de ano, novembro ou dezembro, na brisa fria e suave do sopé da Serra, lia Ilusões (As aventuras de um Messias indeciso), de Richard Bach, quando fui surpreendido no peito por sentimento de abismo que invadiu a alma do mesmo frio lá de fora daquela manhã; extático, entrou pelos corredores do tórax qual visitante calmo e silencioso; e agora retorna para ser lapidado nas palavras que nascem aqui comigo. 

Mexeu, sim, por dentro, e, descuidado, acionou qualquer botão, que abriu fenda descomunal de solidão, espécie de lava gelada dos vulcões cósmicos, escorrendo medo intenso pelas encostas da montanha do ser, extrato das ausências múltiplas, misto de todas as presenças, eco de galáxias sem aparente final, porta de mergulhos individuais distantes, longe, bem longe, fora das distâncias, nos subúrbios de nossa Via Láctea. Esse tal silêncio de solenidade exótica falava nos meus ouvidos de outras eras, outros planos, dimensões estapafúrdias. Confesso medo aterrador naquele momento, vontade enorme de mais companhia, gentes aos milhares, sede das multidões, das festas, zoada, movimento, quermesses animadas, pois a dor contundia numa condição e velocidade incontidas, lâminas cortantes da matéria, espécies de chamamento às origens dos vários elementos, amálgamas de esferas rolando em plenitude. 

Busquei calor, o calor dos sóis abertos lá em cima. As pálpebras da consciência, contudo, fechavam de falta de sentido os cômodos da personalidade, para virar, logo adiante, na energia fluída de calor na pele, sem, no entanto, alimentar novas chances quanto a retornar ao presente, salvar o passado conhecido, durante a só e única Eternidade que cresceu e abraçou o mundo em torno. 

Olhava o horizonte aberto na essência de mim absorto na grandiosidade da total integração, e fatores internos convergiam, crise das individualidades postas na mesa de planície colossal, e inúmeras tradições fugiram qual névoa desfeita. Sumidas as referências até então preservadas a sete chaves, cigano das estrelas, o eu vagava desarmado pelas espirais do salão imenso, no turbilhão da queda livre, através do antigo espaço indiferente que fugiu. Palco aberto e folhas jogadas ao firmamento, mãos sangrando de absurdo e sonhos, recebiam marcas de saudades profundas, emoções avassaladoras, moléculas e perfumes, soltas pelos ares rasgados em Si próprio. Uma dor translúcida e disforme devorou, assim, doces e ferventes reações inúteis de preservação dos valores arcaicos. Guardei das lembranças o inexplicável desse testemunho, notícia maior da experiência de ver bem perto o mistério abissal das idades, razões primeiras e derradeiras dos fundamentais motivos da existência. Naquele instante, isso veio à tona na voz de forte berro aos céus, entre as letras que dançavam soltas na vista do livro, em meio ao pudor das palavras e no clarão poderoso dos raios do Sol.

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