Da primeira vez em que cruzara o Rio São Francisco, deixava, de pouco
tempo, o Sertão da meninice e adolescência, paragens constantes daquelas fases,
e me via rodando pela Rodovia Transnordestina rumo às Minas Gerais. Festival de
Inverno de Ouro Preto de 1971, anos de chumbo. Éramos eu e Tiago Araripe,
amigos de longa data. Estivéramos poucos dias em Salvador e avassalávamos de
novo a estrada no destino a Belo Horizonte.
Lá havia uma ainda cidade jovem, planejada em pranchetas, bem ordenada,
arrumada dentro de traçados das largas avenidas e belas construções, rodeada de
montanhas no azul cinzento das pedras minerais, ao mundo das histórias
fantásticas doutros planos, algo misterioso, aberto para a imaginação franca,
encontro forte das raras culturas que povoaram o centro do Brasil das gerais,
primeiras aventuras humanas estrangeiras no interior do Novo Mundo. Nítidas
lembranças dessas paragens siderais as guardo comigo, o trânsito disciplinado,
as belas e ricas lojas, povo vestido a caráter sob o clima frio de meio do ano,
elegância e desenvoltura que tocaram de perto os meus conceitos da gente
simples de que viera. A fala solta dos mineiros, sim, um apego a mais, no
ritmo, na melodia, no bom humor permanente, reunidos sob a batuta da facilidade
no dizer, no brincar, chistear efusivo.
Permanecemos só poucos dias ali também, visto o destino focado nas
cidades históricas, convidados das escaramuças daquela época em transição e
luta ideológica. Fase hippie, tempos
reprimidos, senso de esperanças rasgadas nos conceitos pragmáticos dominantes.
E nós, aves exóticas a sonhar nas ruas do Planeta com abertura, arte e
possibilidades mil das aspirações de uma juventude macerada diante do
inesperado, tacões do poder político.
Seguiríamos a Ouro Preto.
Levávamos carta de Figueiredo Filho a Antônio Pinheiro, cratense e
diretor da Escola de Minas de Ouro Preto, que nos instalou numa das várias
pousadas pertencentes à instituição, abrigo dos alunos no período letivo da
escola.
Na antiga Vila Rica do herói Tiradentes, nos reunimos com outros amigos
de Crato, José Esmeraldo Gonçalves e Pedro Ernesto de Alencar, em plano de
viagem adrede montado por Tiago ainda no Ceará.
A quem conhecia essa parte do Brasil apenas de livro, oportunidade
melhor tornava-se rara. Tudo era novidade nessa fase de intensas buscas
existenciais ligadas a interesses psicodélicos, artísticos, literários. O
período Médici, dos governos militares, agia com força total, ostensiva
repressão para reduzir ao máximo o ânimo agregado desse festival que buscávamos.
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