terça-feira, 22 de maio de 2012

Uns imortais fetichistas


(Fetichismo, mania corrosiva de juntar coisas, sejam pequenas ou grandes. Culto de objetos materiais ou apego a eles.) Viaja-se e a bagagem vale pelas lembranças que se transporta, para si ou para os outros. Morre-se e ficam relíquias, botijas, testamentos de bens materiais; os baús, as recordações dos amigos nas rodas; as histórias infalíveis, resgates insistentes.

Nisso, de contrapeso, somos hábeis em reunir motivos de fixação que nada fixam, desfeitos na paisagem móvel da existência, dias aquecidos de impermanências, lições infindas, perenes em tudo, por tudo, portanto. 

Anéis e dedos, que também não ficam. Caravanas, que passam aos cães que ladram, no mesmíssimo formato dessa ópera insólita, estridente, agônica, permeada de silêncios agudos. Sonha-se no esquecimento das horas, companheiras de pêndulos que se movem impávidos. Nuvens suaves de outono, inverno, primavera, verão. Sol, que vem e vai e fica, e nós é que vamos. O esforço de cristalizar coisas se transforma em rochas fósseis, rochas cristais, marcas de espécies extintas no aço, no petróleo, nas enciclopédias, na lama dos guetos. Na história de bichos-alimária, cães de palha, todos, todas esfolados vivos, felizes bonecos de plástico e papelão. 

Energia infinda, essa, sim, que permanece no fluir universal, na busca de Deus das criaturas. O rugir dos ventos nas folhas que se balançam e caem. O som de eras milenares em muralhas que se desmoronam, dos monumentos carcomidos e reconstruídos de suor e impulsos desconectados. As imaginações retocando civilizações que se debatem nas páginas esvoaçantes dos reinos ilusórios. Tropas em conquistas estéreis, incógnitas dramas de quem padece as derrotas. Guardadas as lanças e proporções no terço dos armamentos enferrujados, nas praças cheias de gente vaidosa, nos festins descompassados... Castelos vazios, horas calmas, madrugadas de faustos e angústias.

Nos bolsos, a imunidade, seixos frios misturam as contas do rosário de lágrimas de saudades croaxando no peito, e malas pesadas nos braços da espera infinita. Olhos fixos na miragem de invernos desconhecidos. Firmeza na voz e pigarro na garganta seca. Fora, cantam pardais, efetivos a formar outra vez velhos ninhos teimosos nos beirais das construções; a paisagem fantasmagórica do extático, testemunha do encontro definitivo.

Esse dia, desse jeito de cenário, os artesões do depois vêm elaborar fios e tecerão longas auroras, nos cabos de luzes multicolores das marcas no seio das catedrais de pedra. Notas harmônicas envolvem as palmas de um tempo que deposita estrelas nos seus filhos diletos. Aqueles velhos fetiches guardados se somam em muitos de nós, apegos desfeitos nas velhas pessoas. Serão almas livres aladas, que pairam no além, aonde o Desconhecido aguarda de braços abertos.
          

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