(Fetichismo, mania corrosiva de
juntar coisas, sejam pequenas ou grandes. Culto de objetos materiais ou apego a
eles.) Viaja-se e a bagagem vale pelas lembranças que se transporta, para si ou
para os outros. Morre-se e ficam relíquias, botijas, testamentos de bens
materiais; os baús, as recordações dos amigos nas rodas; as histórias
infalíveis, resgates insistentes.
Nisso, de contrapeso, somos
hábeis em reunir motivos de fixação que nada fixam, desfeitos na paisagem móvel
da existência, dias aquecidos de impermanências, lições infindas, perenes em
tudo, por tudo, portanto.
Anéis e dedos, que também não
ficam. Caravanas, que passam aos cães que ladram, no mesmíssimo formato dessa
ópera insólita, estridente, agônica, permeada de silêncios agudos. Sonha-se no esquecimento das
horas, companheiras de pêndulos que se movem impávidos. Nuvens suaves de
outono, inverno, primavera, verão. Sol, que vem e vai e fica, e nós é que
vamos. O esforço de cristalizar coisas
se transforma em rochas fósseis, rochas cristais, marcas de espécies extintas no
aço, no petróleo, nas enciclopédias, na lama dos guetos. Na história de
bichos-alimária, cães de palha, todos, todas esfolados vivos, felizes bonecos
de plástico e papelão.
Energia infinda, essa, sim, que
permanece no fluir universal, na busca de Deus das criaturas. O rugir dos
ventos nas folhas que se balançam e caem. O som de eras milenares em muralhas
que se desmoronam, dos monumentos carcomidos e reconstruídos de suor e impulsos
desconectados. As imaginações retocando civilizações que se debatem nas páginas
esvoaçantes dos reinos ilusórios. Tropas em conquistas estéreis, incógnitas
dramas de quem padece as derrotas. Guardadas as lanças e proporções no terço
dos armamentos enferrujados, nas praças cheias de gente vaidosa, nos festins
descompassados... Castelos vazios, horas calmas, madrugadas de faustos e
angústias.
Nos bolsos, a imunidade, seixos
frios misturam as contas do rosário de lágrimas de saudades croaxando no peito,
e malas pesadas nos braços da espera infinita. Olhos fixos na miragem de
invernos desconhecidos. Firmeza na voz e pigarro na garganta seca. Fora, cantam
pardais, efetivos a formar outra vez velhos ninhos teimosos nos beirais das construções;
a paisagem fantasmagórica do extático, testemunha do encontro definitivo.
Esse dia, desse jeito de cenário, os artesões do depois
vêm elaborar fios e tecerão longas auroras, nos cabos de luzes multicolores das
marcas no seio das catedrais de pedra. Notas harmônicas envolvem as palmas de
um tempo que deposita estrelas nos seus filhos diletos. Aqueles velhos fetiches
guardados se somam em muitos de nós, apegos desfeitos nas velhas pessoas. Serão
almas livres aladas, que pairam no além, aonde o Desconhecido aguarda de braços
abertos.
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