Narciso andava assim meio de bobeira, quando lá um dia resolveu abismar as águas calmas de lago perdido naquelas florestas rochosas da Grécia Antiga, pátria dos deuses do Olimpo.
Ele fora seguido e cobiçado pela ninfa Eco, que vivia lhe contemplando às escondidas o porte perfeito, até que Hera resolveu punir tal ousadia e virar repetição todo som que ela falasse dali em diante. Quando Narciso nisso percebeu ter beleza apreciável, também quis corresponder aos desejos da ninfa, e ao buscá-la jamais conseguiu dela se aproximar; achegou até a beira da água de um lago, indo contemplar a própria e irresistível formosura, caindo nos encantos pessoais e por si mesmo se apaixonando.
De tanto buscar a realidade refletida no inverso da imagem do espelho nas águas, acabou morrendo ali submerso, afogado na ambição de si, e por si se perdendo.
Eco, escondida nas matas, ao testemunhar a extinção do amado, extremo dos desesperos emite pela derradeira vez a voz que virava som repetido nas distâncias, e ganha para sempre a forma de um rochedo à beira do lago onde Narciso sumira, este agora transformado em bela flor.
Dizem os sábios que o alter ego, o outro de nós que procuramos ao logo dos dias, invés de fora, ele habita dentro de nós, nas curvas do ser mais íntimo misterioso. Por maior que exista desejo de encontrar a essência longe daqui da alma da gente, os objetos físicos são apenas o reflexo do egoísmo sem consistência das ilusões inúteis, das sombras.
Porquanto a tristeza de Narciso em preencher o vazio de algo que lhe atormentava, a ânsia de amar de verdade, fê-lo sucumbir à mera impotência dos sentidos, que embriagam e só desfazem a existência, uma espécie de mito da posse na sociedade do consumo, de prazeres fáceis, angústia e ambição, tais Narcisos presos aos laços da satisfação imediata, cegos às miragens de deserto infinito.
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