segunda-feira, 10 de março de 2014

Costumes

As dificuldades de transporte sempre acompanharam o ser homem nas fases da História. Exemplo disso, quando não havia os meios atuais de estradas e seus idolatrados veículos automotivos, deslocar os doentes no sertão exigia esforços inestimáveis. 

A solução encontrada tantas vezes era estender uma rede em uma madeira bruta e distribuir o peso nos ombros de valentes carregadores, perfazendo a pé longas distâncias na busca do socorro médico, sendo também essa a modalidade usada para remeter os falecidos ao pouso derradeiro.

Nos caminhos, quem encontrava um carreto sombrio daquele tipo logo queria, de curiosidade, saber o que conduziam seus portadores:

- É vivo ou é morto? - perguntavam de costume onde fossem passando com a maca, o que acanhava os vivos que tivessem de utilizar o tipo de ambulância do passado, pondo-os numa situação vexatória.

Sobre tais situações indesejáveis, o Padre Neri Feitosa, em seu livro Usos e Costumes de 50 Anos Atrás, conta que o Seu Pedro de Brito, varão residente no Quebra, sítio do Distrito de Ponta da Serra, em Crato, quando adoeceu e teve que ser trazido às pressas para se tratar na sede do município, se viu nessa condição de enfrentar tal embaraço, estendido numa rede levada  no ombro à busca da cura.

Em princípio, reagiu de não querer acordo. Preferia se acomodar nos matos a defrontar os agoureiros do percurso. E o doente, por nada deste mundo, queria ir na rede, com receio da pergunta costumeira - afirma o sacerdote em seu livro. No entanto, dada a persistência continuada dos familiares em cuidar da saúde do ente querido, o sertanejo aceitou fazer a viagem.

Justificados zelos, porém dito e feito, pouco demorou lhe acontecer o que temia. Envolto nos lençóis da jornada a caminho da cidade, conduzido nos ombros de dois caboclos fortes, na estrada, certo instante escutou, contrariado, a temida pergunta de algum observador:

- É vivo ou é morto?

Sem esperar a resposta dos carregadores, o enfermo afastou as bordas da tipoia improvisada, botou a cabeça para fora e, de pescoço esticado, ainda resmungando (- Eu não disse, eu não disse!), de logo revidou:

- É vivo, seu filho da puta! - e pediu que tocassem o barco.

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