Lá um dia, quando, no educandário, resolveram inaugurar biblioteca para uso dos alunos, cada qual pegou um livro, daqueles livrinhos capa azul da Editora Melhoramentos, uma coleção que trazia 100 títulos diferentes. Trouxeram consigo, e chegaram perto da hora do almoço, quando as aulas terminavam e logo em seguida começariam as minhas.
Já conhecia de perto cordéis da nossa literatura popular, que os operários de meu pai compravam nas feiras da segunda; liam durante a semana e eu solicitava, formando coleção que durou longo tempo na infância. Mas livros mesmos com as características que têm, cores, formato, figuras, variedades, que lembro, só naquele dia manuseei, e com esforço, pelo desejo dos irmãos quererem ver primeiro.
Resultado: pronto de ir às aulas, fiquei preso no interesse de conhecer mais de perto os tais exemplares, fascinado, digamos melhor. Logo depois do almoço, aquilo mexendo com meu afeto, e eu terminaria apanhando para ir à escola, o que nunca acontecera antes; espécie de paixão arrebatadora me tomara, naquele dia. Semelhante, talvez, ao que contam dos namoros proibidos, escondidos, aperreados.
E corri vida afora com o mesmo frisson quanto aos livros, paixão arrebatadora a ponto de meus turismos significarem, no ponto máximo, as visitas às livrarias, e contar como certo recolher livros que nutrem o tempo.
Bom, mas quero agora situar essa história, e dizer dos autores que vêm fazendo minha cabeça nesse meio século depois daquela vez de amor à primeira vista pelos livros.
De cara afirmo que todo livro guarda em si profundo mistério nos corredores das páginas. Nenhum livro é desprezível, porquanto se não atender a uns atenderá a outros, por serem os autores e leitores cumplices no ato fortuito da escrita. Todo livro possui a razão de existir e chegar às mãos de quem ler com sofreguidão.
Desconheço de mim sem um livro nas proximidades. Li e leio autores os mais díspares, desde Malba Tahan a Jean-Paul Sartre; contos das Mil e Um Noites a Ray Brudbury; Voltaire a Camus; Érico Veríssimo; Jorge Amado; Machado de Assis; Manoel Bandeira; Jáder de Carvalho; José de Alencar; Stanislaw Ponte Preta; Chico Xavier; os livros espíritas, com quem estabeleci uma relação de exclusividade de 11 anos sucessivos, no decorrer desse tempo; Rubem Alves; contos zen, sufi, taoístas; literatura regional do Cariri cearense, que me agrada sobremodo: J. de Figueiredo Filho, José Carvalho, Irineu Pinheiro, Padre Vieira, Lindemberg de Aquino, Padre Antônio Gomes de Araújo, Otacílio Macedo, Flávio Morais, Jurandy Temóteo, José Flávio Pinheiro Vieira e outros mais, bons autores, familiares, fortes, telúricos, pródigos em amor à cultura do interior e sua história inesquecível; os livros dos escritores anônimos, que escrevem pelo gosto de contar histórias que se perderiam caso eles não existissem, sendo, pois, a base da grande literatura universal de todas as épocas, os autores da província; os contistas magistrais desse gênero que veio morar comigo nos meus rincões literários: Guy de Maupassant, Anton Tchecov, O. Henry, Eskine Caldwell, Edgard Allan Poe, Saki, Rabindranath Tagore; contos chineses, árabes, russos; a literatura raiz dos povos; os clássicos; filósofos de todo gênero; Carl G. Jung; Viktor Frankl; Ernest Hemingway; Kafka; livros religiosos, místicos; a Bíblia, que mais do que apenas um livro é uma biblioteca inteira, de surpresas inimagináveis ao conhecimento da Verdade e do Amor; o Tao-Té King; o Baghavad Gita; tudo num tanto de viver intensamente a doce e quente paixão que me arrebata desde o primeiro dia que nos conhecemos.
A leitura é transação extasiante, ilimitada, enriquecedora, oceânica. O livro é amigo incondicional de quem aprecia as letras. E feliz de quem descobre o mistério dos livros, esses companheiros fiéis de vidas inteiras.
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