domingo, 3 de julho de 2022

A ilusão do feto


Viver tem disso, de sobreviver com esse mundo de imaginação atravessado na garganta e assim pensar que ficaria para sempre ligado ao útero materno... Acreditar-se eterno e penhor da carne, e desconhecer o tempo que lhe veio grudado ao céu da boca do ser quando e quanto seja... Supor-se artefato fantástico das lojas flutuantes no espaço apenas biombos gigantes, quais balões das festas em noites siderais... A máquina me faz pensar...

Serem porém destarte antes de ser todavia. Sobrevoar a própria sombra, numa certeza abstrata de querer dominar a luz que lhe alumia longe de seu poder, meros agônicos que sejam, contudo embriagados nas fantasias todo momento. Tais seres dependurados pelos cordões das calças deixados lá fora logo depois dos primeiros raios do Sol.

A ilusão do feto é isto de acreditar que permaneceria para sempre no útero da mãe, sem contar os dias que viriam pela frente na tempestade inevitável dos giros sucessivos da Terra. Vítimas, pois, dos créditos que a si ofereciam, paira inútil pelas marcas de pulsar das gerações incontidas. Eles, os magos da solidão acompanhada, enquanto aqui estejam a braços nas visões estonteantes dos gestos de acreditar que alimentaria livres fios de sacolas do imaginário popular.

Isso de agora aceitar a condição destas bólides em movimento nesse mar das contradições que ele mesmo criara na ânsia de preservar o destino impossível, nos passos das sombras agonizantes.

...

Chega, entretanto, a ocasião propícia do confronto, no solo em que plantou a consciência, e receber o resultado de exames feitos na lei que aguenta os céus, e aceitar o preço inevitável do que tanto sustentou sua fórmula mágica de ilusão. Admitir só então o inútil daquilo em que estabelecera que se diluísse na alma imortal e achar a visão do Absoluto vindo bem de dentro da carne em que aprendeu a existir.

Ele, que nunca fora filho do seu querer, contudo de aceitar nascer, vir à luz nas dores da libertação, pequeninos frutos de árvores monumentais, marcas determinadas pelos deuses nos humanos corações, até que o Tempo de vez cumpra de todo o preceito que quis de ser o senhor dos sonhos até há pouco inexistentes.

(Ilustração: Provérbios alemães, de Pieter Bueguel o Velho).

Um comentário:

  1. Viver é assim mesmo viver uma eterna ilusão de que a vida começa todos os dias. Feliz ou não temos que seguir em frente.

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