Várias vezes, aos inícios e finais do dia, ouço o canto melancólico dessa ave ecoar nas encostas da serra onde moro neste Cariri. Também conhecida por saracura-do-brejo e sericóia, quase sempre é mais escutada do que vista, segundo as enciclopédias. Tanto é verdade que só avistei um exemplar numa rara ocasião, às margens do riacho que dá origem ao Rio Grangeiro. Ela vive nas áreas alagadas de mato fechado. O acorde do seu bonito canto forneceu-lhe os nomes pelos quais a denominaram.
Bicho arisco e razoável, a saracura ainda consegue fugir da sanha da nossa civilização que gerou dependência dos quadros da mãe natureza às leis dos países, de comum difíceis de execução.
Pois bem, enquanto o saudosismo não paga dívida e os tempos mudaram, agora ninguém mais se conforma deixar de derrubar as mangueiras para comer a safra, e sobreviver virou artigo de luxo, palavra de ordem nos tempos bicudos das aparências. Conservar por conservar pertence aos milionários desocupados, qual mostra o projeto do Código Florestal em andamento no Congresso brasileiro.
Cambaleiam e agonizam os panoramas ecológicos desde antigamente, quando jamais imaginaram os profetas a velocidade estonteante que dominou acontecimentos da Terra. Fico tanto meio contrariado diante das teses românticas que falam de preservação ambiental em conferências intermináveis de salões forrados com a mesma madeira de lei que defendem e ajudam a eliminar. Creio incoerente festejar derrotas, neurose que dói e sacode os impérios práticos na história continuada.
Gerações e gerações cresceram destruindo famílias e famílias naturais, quando querem salvar o que restou em museus e zoológicos fedorentos, de animais entristecidos, capturados nos ambientes originais ora extintos.
Mais cedo do que imaginava, ouço vagar nos corredores da consciência trechos da bela composição de Roberto Carlos: Seus netos vão te perguntar em poucos anos / Pelas baleias que cruzavam oceanos / Que eles viram em velhos livros / Ou nos filmes dos arquivos / Dos programas vespertinos de televisão.
Ah, mas deixe de lado isso de visão bucólica que, nalgumas horas sujeita relembrar sonhos abandonados na casa do sem jeito, nesse mundo de rascunhos perdidos no ar. Dispense, por gentileza, manias arcaicas que caíram em desuso e servem de alimento sintético às pretensiosas crônicas.
Aqui está o espinho encravado entre a carne e a unha: "Fico tanto meio contrariado diante das teses românticas que falam de preservação ambiental em conferências intermináveis de salões forrados com a mesma madeira de lei que defendem e ajudam a eliminar".
ResponderExcluirMagnífico! Bela imagem que grande pintores não retrataram.
BFS
Manuel,
ResponderExcluirGrato pela consideração. Meu respeito a quem sabe.
Abraço.