domingo, 29 de junho de 2025

Numa música suave


Quem ama desses amores de não ter tamanho e sente o peito crepitar da mais ardente fogueira, espécie de dor e prazer sem conta, de que se quer fugir, porém recusa por conta das dimensões do mistério a envolver tudo em volta, a esses resta a pergunta descomunal de quando se reunirá em definitivo com a pessoa amada, querendo ser único ente pelos milhões de anos eternos do depois, e jamais sair de perto um do outro. Essa pergunta, certo dia esses personagens responderam com o amor definitivo... Num conto de consequência permanente, despertaram nos braços da fusão dos seres, amálgama das individualidades, esperança dos que aspiram a constância do maior dos sentimentos.

Depois de uma noite chuvosa do mês de junho com neblinado constante por seguidas horas, veio nascer sol radiante, a iluminar as planuras do mundo. No peito, corações doridos, mas felizes...

Contudo, alta madrugada, o frio sorrateiro tudo envolveu, singrando mares, sinais da pura felicidade cantada gerações adentro. A movimentação do sono os acorda, enriquecendo a paisagem da alma de nutrir o universo interior. Aonde olhar, marcas de passos na superfície macia dos corações trepidantes.

...

Enquanto pessoas chegavam para participar do colóquio, ele organizou os pensamentos das lembranças da noite. Seus olhos ainda queimados de sono a deixaram dormindo, linda, na mesma cama dos abraços dadivosos.

Saíra e levara consigo saudades sacudidas ao vento da manhã a circular pelo pescoço, no rosto, nos cabelos, ao dia claro, e características semelhantes aos amores mais vivos, na beleza da virtude sertaneja.

Afinal passaram dias pródigos de apreensões. A noite representara a cicatrização das feridas antes abertas e pegajosas. Ele preservou na memória o traço escultural das curvas do seu corpo que há pouco afagara, cheiroso, leve, brisa bailando no desenho das nuvens, na festiva manhã.

O dia amanhecera, pois, com imagem dela a se superpor na consciência, através da luz refulgindo em milhões de pedacinhos espalhados na estrada. E quando o espaço reuniu o tempo num só beijo indivisível foi que notou as impressões da noite no dia especial no formato de flores, soma das duas metades em completude absoluta, para sempre num só ser assim.

Heróis de fancaria


Isso desses acontecimentos que se desfazem no tempo, tais nuvens a mover no vento e desaparecer sem deixar vestígios. Lembram também as versões das histórias ao sabor de quem as conta. De hora a outra e o que foi some pelas prateleiras dos momentos, ídolos a serviço de fregueses, a conversar e nunca mais que sejam. As placas das ruas e praças registram tantos desses exemplos que nem de longe haver-se-á de reviver aquilo que nunca fora jamais.

Bom, mesmo assim preenchem o território vazio dos contentes, entre os sentimentos e as palavras, narrativas adversas somadas aos interesses em jogo. A gente para feito quem indaga dalgum vidente aonde foi ficar a verdade daquilo, se é que houve ou não. Enquanto isto, os vasos andam cheios de votos, de discursos, litanias e páginas e páginas repletas de fantasias, o que obriga o grande público a deglutir enredos sucessivos de longas peças vendidas a preço de comércio das consciências dispersas.

São prêmios vários o que anunciam os arquivos da inutilidade, enquanto multidões adormecem sob contos arrevesados. As tais lideranças deste mundo exercitam esse comportamento.

Nisto, os ruídos desformes enchem os pergaminhos da Civilização. As epopeias significam esse limite do Universo até então desconhecido, porém. Qual viver um ensaio, ler rascunhos imaginários, olhar poentes artificiais, exercitar códigos imprestáveis, quaisquer explicações padecem o furor da imperfeição. Por demais, nalgum lugar há de haver coerência, justiça plena, contudo.

Na escrita dos destinos humanos sobrevivem os credos, as filosofias, as intenções, todavia cercados de interrogações e dúvidas. Aqueles senhores da Ciência, dos governos, sabem disso. Aceitam, outrossim, sustentar o coro dos contentes e aguardar, olhos acesos, a pauta dos sentidos. Intervalos de súplicas e esperança prevalecem vez em quando no silêncio das gerações, sempre atentas ao segredo que sustenta os corações fieis.

(Ilustração: Jardim das delícias terrenas, de Ieronymus Bosch).

sábado, 28 de junho de 2025

É o tempo de transcender


Na sequência regular das estações, chegamos ao tempo de transcender umas coordenadas que pareciam sólidas na ordem dos acontecimentos. Mesmo  certos de que sempre ver-se-ão pessoas tristes, laçadas na teia rotineira do Sistema, também haveremos de anotar a firmeza dos que usam outra linguagem menos cômoda, para exigir coragem de mudança, própria à renovação dos valores em busca de perspectivas. Logo, fartos blocos se sucedem nesse proceder e um vórtice de propostas salutares crescerá, modificando o quadro geral de incoerência que domina os espaços vivos da sociedade, na Terra, obrigando-nos a reverter em pesadelos nossos melhores sonhos de uma história plena de Luz Superior, o que, como nunca antes, vislumbra meta principal do fluir humano. Tanta possibilidade alimenta os mais diversos setores sociais, desde que se observe com olhos afeitos a análises abrangentes, quanto ao desejo de muitos em querer paz coletiva sob os signos de trabalho e progresso.  A felicidade jamais se apresentou tão ao alcance de ambos os blocos de poder. Não tencionamos negar, entretanto, a parcela dos riscos, da imperícia, por ser parte normal das engrenagens, o curinga  fantasmagórico, o vilão ameaçador. Contudo, daí a carência das ofertas limpas para quem se disponha construir um mundo restaurado, onde seres vivam a justa dignidade.

Por certo, tendência dos que procuram algo confiável, vem a dúvida: Em sendo assim, qual a garantia de não vivermos outra fase que prenuncia grandes desatinos, semelhante recentes passados, em meio aos fossos abertos de gerações ainda traumatizadas, corpos revirados no monturo?

Perigo de ver existe, pois falamos há pouco da margem inelutável de erro. Todavia o valor maior prevalecerá, ainda que venha disso acontecer. Seria o caso de fundir os pedaços no reinício tempestivo de nova caminhada.

Essa, porém, não será a hipótese de nossa preferência. Mesmo porque temos agido no sentido de alterar pressentimentos negativos, outra vez perniciosos ao jogo de escuro e claro que merecemos jogar após tantas desastrosas tentativas. Chegou a época das fixações definitivas do estágio para o qual nós, alimárias inteligentes, os Espíritos,  aqui viémos. Dentro dessa ótica, insistir na timidez quer nos parecer mera obstinação irresponsável, destituída de quaisquer atributos racionalistas, depois das inúmeras frustrações descabidas e lágrimas quentes.

E os jovens sabem disto quando desejam ser felizes. Ninguém falha sabendo acertar. A inconsciência oferece a lição de seu mesmo descrédito, afastando, por declividade, todos os que buscam as modalidades corretas de proceder.

Queremos contribuir, desta forma, com o pensamento fiel de que  tempo equilibrado virá, constante e bom, no seio amigo  do Planeta, adotado pelas mentes que passem a gerir instituições. Essa coisa de que não tem mais jeito faz parte das ideologia a divulga com persistência, para engano dos crédulos, nas orquestrações comprometidas. Fugir incólume desse canto mercenário cabe a cada um, atitude sábia dos que queiram resistir aos embates de furacão impiedoso.

Grande pugna se prenuncia através de conflito insano dentro de nós mesmos, entre os vícios e a virtude. A suspeita desse mapa cinza nos foi entregue após explicações filosóficas por vezes digeridas com pressa ou lerdeza. Uma sentença crítica agora tornou-se golpe de oportunidade. Chega-se ao grau em que  separar  o errado e o certo virou cesta básica, no comércio das variações culturais.

A parafernália tecnológica abrangia, por isso, função de reunir os elementos desse mercado impessoal; a eletrônica trouxe a quem descobrir todo seu aparato eficaz de qualificar mensagens desencontradas, cabendo saber o proveito máximo obtido, salvando-se de ossos, pedras e espinhos, expostos para alimentar um futuro que é de todos.

Quais normas de salvamento, na floresta íntima do Ser, ficam nestas ideias esboços que bem poderão acalentar  a unidade no meio dos rastos brilhantes, caminho eterno da realização espiritual.

 

                                               01.06.95.          

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Visagens ao meio-dia


Ali defronte, volta e meia elas reaparecem. Nem bem o Sol queira esquentar ainda mais, elas resolvem mirar o tempo numa audácia sem cerimônia. Atiçam o fogo da discorda entre povos, entre pessoas, entre irmãos; resolvem distinguir do erro os desejos, e denotam farpas aos botijões, gastando, assim, o estoque de armamentos fabricados pelas gerações inteiras. Ao que supor, significam isso defeitos ainda constantes nas almas das criaturas humanas.

É desses instintos atrasados que a raça precisa se livrar, sabem lá quando, porém. Tantos, demasiados, que minam a resistência dos mais fortes e definem os acontecimentos. Daí as práticas que prevalecem, os vícios, as ganâncias, os estragos. Espécies rústicas de si mesmos, revertem previsões positivas e transferem as outros no que lhes caberia vencer, sobremodo. Desde quando tal tem sido, há que rever a História.

Enquanto isto, aí estão os monumentos aos heróis que encheram as ruas e praças com seus nomes inesquecíveis. Deixaram nas legendas os feitos magistrais, resultados hoje encobertos pela poeira do Tempo. Mas são eles essas quais visagens a percorrer os sentidos do que resta. Empalidecidos no chão das práticas correntes, só tremeluzem face a face consigo próprios, talvez.

Um naco de civilização contudo persiste vidas a fio, nos instantes de aflição dos que venceram o mundo. Reagem pais, mães, irmãos, filhos, ao ver partir aos campos de luta suas sementes atiradas ao vento. Susto de que vivem todos, guarda cálidos sentimentos e dormem ao seio das famílias. Isso numa fase em que o absurdo compõe o quadro das existências, as surpresas, os imprevisíveis, e enchem os universos de números escandalosos de dores e respostas à esperança dos bilhões espalhados ao relento da sorte.

Bom, quero crer no suficiente dessas palavras, delas não ser nada além do roteiro das imagens que vagam soltas nos meios eletrônicos, de mão em mão, entes que ora somos, alimentados de visões nos quintais desse Planeta macerado, dos parceiros de um jogo até então desconhecido.

(Ilustração: Cristo perante Pilatos, de um seguidor de Hieronymus Bosch).

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Imagens do desconhecido


Os sonhos insistem dizer isso, contar histórias nunca vistas e vividas, no entanto distribuídas nos versos das canções, na estampa das roupas e nos desenhos que as nuvens desenham lá nos céus. Soubéssemos descrever, narrar, sentir o que despeja o imaginário e, por certo, jamais haveria necessidade do tanto de produções que impera. Haver-se-ia de sentir nas quebradas de noites e noites o império do Tempo, que domina as criaturas humanas e o restante de tudo. Entre lágrimas e risos, passearíamos no sem fim no trem da imaginação e, por vezes, fugiríamos de si quais circunstâncias ocasionais invés das gentes que ora somos.

Isto, contudo, domina o seguimento do que existe e preenche de segredos os passados mais antigos. Daí escreverem, estudarem, realimentarem gerações inteiras das mil filosofias e dos credos, a percorrer o espaço dos sentidos, fazendo-o mero enredo das horas desses tempos atuais. Espécie de instinto inevitável, a todos ressurge o desejo insano de contar das próprias narrativas as interpretações fartas daquilo que nem foi e jamais, quantas e tantas.

Essa tela infinita, pois, dos pensamentos em movimento faz das existências alimárias vagando no deserto imenso dos nossos pés. Exige noções do que quer que seja, contanto desenhem as estruturas que não passam de um senso de eternidade muito mais criado por nós do que, aparentes em realidade, assim pudessem haver sido. Disso, as inúmeras tradições acumuladas nas bibliotecas monumentais, guardadas a sete chaves em milenários edifícios.

A meio da vontade e das liberdades inquietas, esvai o firmamento através dos olhos desses autores, um a um desfiando no calendário das circunstâncias e fabricando nas almas fantasias surreais. Nessa tira estreita de pensamentos e sentimentos, substantivos e adjetivos, as conjunções, interjeições e os verbos elaboram meticulosamente o futuro. E nessas horas, formam o rio das ciências, resistem aos heróis e adormecem nos séculos impávidos. A braços com nós mesmos, destarte, transitamos pela mar da consciências, estruturas que constroem de símbolos a Verdade e a Luz das nossas vidas.

(Ilustração: Pessoa à janela, de Salvador Dali).

quarta-feira, 25 de junho de 2025

4.732


Sempre que retornava, ali estava ele, 4.732, a lhe esperar de braços abertos, às vezes com um buquê de rosas amarelas escondido atrás das costas, para logo explodir num riso franco, a mostrar todos os dentes, enquanto passava o outro braço pela sua cintura feliz, altaneira. Um par perfeito, ela e 4.732. Ninguém de consciência em ordem acrescentaria qualquer mácula àquele relacionamento de promissão.

Viajasse, jamais 4.732 deixaria de mandar-lhe mensagens variadas nos meios ao dispor, épocas eletrônicas digitais, fossem de transatlânticos, aeroportos, “shoppings”, livrarias... Importava que não lhe restasse esquecido o contato de sonhos que alimentavam qual raça de bicho em extinção, amor de almanaque que vivia às 24 horas, nos tempos de ecologia militante dessa fase da civilização, chovesse ou fizesse sol, razão primeira de várias existências juntos.

Numa dessas andanças por esse mundo, atravessou pelo juízo de 4.732, tipo de bólido intruso, pesadelo doloroso, quando, em lampejo onírico, simulou-se um retorno sem a presença de um deles dois, que ela houvesse buscado por ele sem achar, frustração de não ter mais tamanho, contudo fora de quaisquer cogitações, porquanto alimentavam durasse a relação infinitos mundos e séculos eternais.

Depois daquilo, precedente funesto de haverem perdido contato ainda que em sonho, 4.732 desconfiou que algo de anormal pudesse conspirar, quem sabe para desaguar num dia comum?, a ocorrer no fluir das tantas reencarnações por eles já vivenciadas com êxito pleno, a ponto de nutrirem a certeza certa de um par perene.

O pensamento plasma acontecimentos quando fixado na intensidade suficiente. Mas não se pretende considerar que essa realidade visse pelo pensamento. No entanto, belo dia de verão, sol aberto, céu claro de poucas nuvens, brisa quente no rosto suado, ela chega em casa após dia de trabalho intenso. Baixou os pacotes sobre a mesa da sala de jantar, passou a vista pelos diversos cômodos, e nada que denunciasse a presença constante de 4.732, caso permanecesse na cidade.

- Beeheeem!!!!?????... Beeeeeheeeeem?...

Estirou o longo pescoço de dama distinta aos quatro cantos do quintal, e um vazio dolorido de quando a pessoa amada se ausenta sem deixar vestígios além do augúrio da saudade a perfurar vertigem na barriga dos medos abandonados antes de encontrar a pessoa amada, esperança boa. Nenhuma vivalma fez o gesto de entrar no palco do instante.

Ela viu-se preocupada ao notar primeiros sinais de impaciência aparecendo por baixo dos lençóis frios da cama por fazer da manhãzinha, na pressa de sair para o trabalho. Esquecera de fechar a janela, nem perguntara a 4.732 quanto ainda permaneceria em casa antes dos compromissos vespertinos.

Desceu a escada sinuosa rumo ao porão. Nisso percebeu as lágrimas rasgando caminhos do peito através dos olhos ressecados e descer rugas abaixo que lhe habitava o rosto, nos trilhos laterais do nariz, preço que pagava por dormir pressionando a face contra o travesseiro cheio de ervas do campo.

Na solidão invasora que chegava de surpresa, apenas conseguiu recolher as roupas secas do varal, antevéspera de chuva ligeira que lhe misturava o choro, na fisionomia lamacenta dos derradeiros resquícios de maquiagem improvisada no escuro da madrugada. As réstias escassas de luz trouxeram ao espelho as marcas finais das lembranças que para ela agora retornavam de longe, visão preciosa de 4.732 a puxar uma mala pelo galpão da rodoviária barulhenta, despedida suave e silenciosa dos dois, sós, sob o testemunho deles absortos.

segunda-feira, 23 de junho de 2025

A estrada nos próprios pés


Ao longe, sons de trovão. Ecos sem fim dos espasmos do quanto existiu e agora pouco significa diante das injustiças guardadas debaixo de sete capas. Bem isto, um final de tempos em formado maior, espécie de sórdidos arremates do que se deixou à margem do Destino. Pequenos seres que são, resolveram transformar nada em coisa nenhuma a todo custo. Fruto disso, a História prossegue, inscrita nas pedras e desfeita no senso comum das criaturas errantes. Muito disso que aí esteja fica na conta da exatidão matemática dos enredos praticados vidas afora.

Nem perguntar tem a quem, conquanto os atores só perfazem a cena nos atos que sucedem todo tempo. A tela dos acontecimentos reza isto, do resultado das mil e um noites exercidas a todo gosto diante do Eterno. Máquinas em profusão, que ganham as ruas, aumentam a velocidade num abrir e fechar de olhos. A tal Civilização requer nitidez naquilo que produz e negocia nos mercados de carne do Planeta. Mais quiséssemos e ficaríamos à margem dos pensamentos. De nada importa aceitar ou não, porquanto o pacote chega pronto via internet.

As palavras falam e os ouvidos esquecem. Deixam, solícitos, seus dejetos nos parques e vilas, indiferentes, pois, ao instinto da sobrevivência coletiva. Pardacentos seres percorrem as florestas de metal, atentos ao desfecho dos projetos humanos. Eis os dias, horas sem limites. Nisto, a peleja fica na razão direta dos desejos, porém.

Meros autores de si sacodem os lenços à busca das respostas que longe estejam da realidade possível, dados os meios utilizados, numa prática ferina. Algozes pessoais, tangem rebanhos pelas florestas do vazio, quais senhores das histórias inexistentes.

Mesmo assim, de certeza haverá coerência ao final de tudo. Enquanto deslizam os exércitos das ausências, persistirá o critério doutros valores em ação no trono das alturas, por vezes até fora das tantas vistas ansiadas.