Meus avós maternos constituíram família morando em um sítio dos brejos da Batateira, em Crato, Sítio Monte Alegre. Ali mantiveram engenho de rapadura e alambique de cachaça, atividade tocada, com a morte de meu avô, Antônio Bezerra Monteiro, sob as ordens de meu Tio Quinco, dos irmãos o mais velho, que passaria a conduzir os irmãos devido aquela ocorrência, em 1946.
Os brejos do Crato ainda hoje
preservam a cultura da cana-de-açúcar, adaptada às terras arenosas e férteis,
realimentadas no húmus das cheias anuais do rio Batateira, a transferir o
rescaldo das matas da Chapada através das encostas da Serra do Araripe.
Na minha infância, conduzido
pelos irmãos de minha mãe, passei inesquecíveis momentos de moagens junto da
comunidade formada pelos habitantes do lugar. Que lembro, havia o engenho de Tio
Ramiro, irmão de meu avô, vizinho ao deste; o de Dona Morena, um pouco mais
distanciado para as bandas do São Bento, na seqüência do rio; o de Felipe
Bezerra; o de Dr. Antenor; o de Seu Aldegundes; estes os principais, todos
movimentados de cambiteiros, moradores, proprietários e familiares; animais de
trabalho, de criação; sobretudo nas épocas da quebra da cana, por volta do mês
de julho, período das férias escolares.
Tio Quinco, também meu padrinho
de batismo, trabalhava com empenho durante toda semana, porquanto sobre os seus
ombros pesou a educação dos irmãos. Desde jovem, chamou a si tal
responsabilidade que cumpriria à altura nas décadas posteriores.
Os domingos, contudo, reservavam a
passeio tradicional ao Crato, aonde se chegava por três quilômetros de caminhos
precários. Depois da semana de trabalho, vestia do bom e do melhor. Impecável,
adotava quase sempre calça branca de linho, engomada no capricho; a pano
passado, uma camisa distinta, de cambraia em azul claro; cinto de couro de
jacaré, adornado com estojo dos óculos “Ray-ban”, companheiro inseparável;
sapato de cromo alemão; e os cabelos castanhos engomados de fortes camadas de
brilhantina, grudavam no couro cabeludo, resistentes a qualquer pé-de-vento.
Galã típico dos anos 50, padrão
imortalizado nos filmes de Hollywood em fase de ascensão, desfilaria seu charme
na praça Siqueira Campos, depois da missa matinal da nove, junto dos amigos de
turma, a flertar belas jovens da fina flor interiorana. E ao cavalgar o lombo
da moto BSA verde que possuía, enfeixava os detalhes restantes do modelo
característico daquele período dourado.
Lá um dia, no entanto,
registrou-se quebra de roteiro.
Após ultrapassar a cancela da
propriedade, fiel aos trajes descritos, em cima da ligeira motocicleta, logo,
logo, num dos sulcos da estrada de jipes e burros do eito, defronte do engenho
de Felipe Bezerra, cruzar-lhe-ia o percurso graúdo exemplar de porca
impaciente, a receber no meio do espinhaço os pneus ligeiros do transporte,
jogando no meio de larga poça de lama preta da moagem o lépido motoqueiro.
Esse encontro foi um Deus nos
acuda! Naquele dia, desfizeram-se os planos de Quinco, pintado dos pés à cabeça
da tiborna mais escura, que apenas ergueu a moto e voltou para casa, desfazendo
o itinerário habitual da sua costumeira fidalguia de rever as pessoas da cidade
naquela vez.