domingo, 16 de novembro de 2025

Os tais seres abstratos


Quando descobriram que poderiam pensar, formar interpretações do que viam fora de si; ficaram assustados, talvez. Mas, nisso, continuaram a seguir. Tocavam as pedras, árvores; caçavam outros animais; olhavam os astros; sentiam o cheiro e escolhiam o que comer; juntaram as primeiras peças; formaram o vestuário; usaram o fogo, as panelas, os temperos; depois, foram crescendo nessa velocidade insistente de recriar o cenário aonde pudessem plantar suas primeiras sementes, tanger suas reses, armar seus artefatos. Desvendavam, daquele jeito, um eu que bem poderia dominar os outros, decerto pensaram certa vez.

E insistiram prosseguir na sanha de fervilhar o Chão e trabalhar os pensamentos, fazer planos, prever acontecimentos, desmatar, construir as primeiras cabanas, formar tribos iniciais, as famílias, os reinos. Lá mais adiante, estabelecer princípios, descobrir fórmulas, fabricar instrumentos. Nisto, viram nos demais seus objetos de domínio. Daí, vieram as armas de combate, as batalhas, os pelotões de ataque e defesa, e as fortunas individuais do poder político.

Nesse território farto de superações, chegaram, certa feita, a experimentar o princípio da precisão e estabeleceram as máquinas originais feitas de materiais achados no solo. Acendia, qualquer vez, a expectativa de acelerar o processo e dormirem à sombra das posses adquiridas.

Naquela fase além do ferro, vieram os conceitos mecânicos, a eletricidade, o motor a explosão, os meios de comunicação; isto numa velocidade, a bem dizer, compatível à capacidade do que lhes acontecia no juízo. Até quando, recente, os meios avançados da ciência do invisível a olhos nus, fizeram os voos siderais, e, da matemática refeita nas palavras e na inteligência, que denominaram o artificial, criando outro cérebro no vácuo das compreensões ordinárias.

Então, dessa imaginação fértil e do desejo insistente de acertar, vive-se, agora, tempo surreal, passadas que foram as previsões imediatas daquele passado romântico. Aqui se estabelecem, pois, fases inesperadas, porém vistas antes nos filmes de ficção científica, de entes amorfos, criados pelos humanos e tão poderosos quanto, ou, quem sabe?, dotados de capacidade autônoma de querer independente, eles, os tais seres abstratos, nascidos da mesma força inicial do próprio pensamento dos indivíduos, porém, no instante, ao penhor de grupos donatários da realidade, esquivos e fortes, a planos de controlar e gerir a grande multidão.

(Ilustração: Metrópolis, de Fritz Lang).

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Delírios e devaneios


Meros traços de um corpo sem lembranças, resquícios de impressões lá de longe vindas no eito do passado, são vagos acenos de certezas que antes de firmarem os pés na lama do Paraíso foram diluídas pelos moinhos de antigamente. Com isto, a fome de existência permanece afeita, aos gritos de continuar além das barreiras e dos momentos desfeitos no Tempo. Mundos outros esses hoje abertos ao sol dos pressentimentos, quais seres inexistentes a escorrer nas encostas dos destinos, enquanto que despertam e somem na mesma velocidade com que chegaram, esses minúsculos protagonistas já agora feitos de mil imagens só de imaginações, astutos, pois, a imprimir velocidade incontrolável a naves até então desconhecidas no sonho de sobreviver e estabelecer-se nos universos lá distantes, noutras paisagens quiçá feitas dos pedaços desta em decomposição.

Ir a todo custo no instinto de reviver quantos desejos insatisfeitos, no ardor das ilusões aqui largadas a ferro e fogo, somadas ao monturo da inexistência. Nisto, facetas outras de liberdade batem-lhes às portas e pedem compreensão desses tantos face ao espaço e ao nada, no esforço supremo de responder aos próprios anseios feitos de fragmentos e dores. Contudo, persistem no afã de revelar a si e aos demais o desígnio insistente dos transes desde sempre na forma de ausências, a voz de quem nem imagina a que esteja, nem a que irá.

Em consequência, blocos inteiros de ferro e cimento invadem as cidades, locais absolutos das contrições elaboradas a duras penas. Percalços dessas aventuras errantes, eis que prosseguem na longa jornada rumo ao mistério que significam em meio a isto, bem nítida a presença das quantas interrogações que arrastam a passar nos dias, nas canções, nos mercados e nas feiras imaginárias.

Conquanto as palavras falem disso, desses enigmas que deslizam soltos aos olhos do Infinito, cá estarão todos eles a contar velhas histórias de séculos sem fim, numa atitude por certo coerente face aos esteios de monumentos que ilustram de certezas o horizonte da Consciência.

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

As versões individuais


Esse viver de faz de conta... Somatório imenso às vésperas de ser exato, agora, no entanto, meros simulacros de si mesmos. Num esforço imaginário, contorcem nos ares a ânsia do encontro definitivo nalgum instante, nalgum lugar. Nisso, expendam a necessidade vazia pelos meios ao dispor, artesões da procura em gestos de pura solidão, experimentos, pois.

Bem ao modo romântico das tantas luas a percorrer os céus, aventuram a sorte nos cassinos adrede criados nas próprias aventuras, e seguem o previsto no desafio da exatidão, partes e um todo só ao âmbito da improvisação.

Enquanto isso, no caldeirão aceso da humanidade, desvendam os segredos e os digerem na velocidade monótona dos dias que vão. Protagonistas dos mesmos dramas da multidão inteira, um e todos embaralham cartas e sobrevivem no gosto único de estar aqui, sem, contudo, estabelecer padrões inevitáveis, eternos improvisadores de sonhos que o são. Do jeito das palavras donde nascem os desejos, assim inteiram o percurso das histórias incertas aos seus olhos indagativos. Padecem os traços da existência no rascunho de quem jamais sustentara credos e dogmas, apenas migalhas dessa exatidão que lhes aguarda lá depois do trilho, nas ficções do que foram criados certa feita nos inícios.

Pessoa a pessoa, formam esse contraste das espécies e insistem saber aquilo de que ainda não têm, de verdade, a certeza plena. Mitigam noites e dias as aventuras de que sejam seus autores e heróis, isto sob o crivo da improvisação dos papeis estabelecidos. Explicam a todos o que nem de longe pudessem compreender. Daí vêm os nomes escritos no teto das alturas, do quanto devem encenar, porém desfeitos em pedaços, atirados ao sol do Infinito, cientes dessa incerteza tanta e senhores do anonimato.

Esse contingente parcial, entretanto, perdura no diálogo consigo até lá em um tempo relativo, sumindo nas dobras dos caminhos e impondo as antigas condições dos primeiros quando chegaram aqui, na sequência inevitável do que virá na consciência em aberto.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

No empenho de continuar


Ainda mais estranho do que possa significar, no entanto seguem-se vidas e vidas, seres em si na busca da sofreguidão. Entes amorfos, dotados de razões inesgotáveis, suspensos à beira dos abismos da mais profunda imensidão. Interrogações abertas aos sóis, viajam no Tempo cercados de todo segredo, esses daqui, dali, de tantos mundos, afeitos que foram por demais a ser assim e nem de longe querer diminuir o crivo de procurar pelos oceanos das tantas horas. Isso de existir pede, pois, respostas adormecidas no seio da ansiedade, por vezes angústia, longos itinerários de infinitas exaustões e laços sem conta.

Ver-se, contudo, marcas deixadas pela vastidão dos delírios, a mostrar o quanto houve de aventurar na realidade e nos sonhos. Entretanto persistem as dúvidas lá dos inícios, das vezes demonstradas em prosa e verso nos campos de batalha e nas catacumbas do abandono de uma raça esquisita. Bem que se devesse encontrar essa exatidão matemática dos hemisférios, e até então nada de concreto antepuseram à mesa dos contentes.

Depois, a agitação do desejo em forma de luzes e metais circula desarvorada pelas estradas e ruas, a multiplicar as dúvidas originais, agora noutro afã, numa exaustão de largos precipícios pelo decote das serras em madrugadas imensas, desse o enigma que percorre os mesmos heróis de antigamente, desta feita munidos de instrumentos atuais, outrossim tão poderosos e de igual intensidade. Superpõem fervores sobre as criaturas e destroem monumentos a perder de vista o ímpeto doce de crer nos melhores dias de há séculos, vistas as cabeças enfurecidas pela sanha da perdição deles, os tais donatários da fama e do poder.

Nas almas, entretanto, fervilham os amores de maiores festas, do tempo em que ver-se-á de vez a concretude aqui herdada dos místicos verdadeiros e suas histórias de sabor inigualável.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Nisso, as palavras


Tal qual um enxame de abelhas enfurecidas, vêm aceleradamente a cercar em volta tudo quanto seja de pensamento. São elas, nas tramas tardias das lembranças que regressam, isto numa velocidade sem tamanho, imprevisíveis. Encobrem o presente da espécie de cobertor escuro nas noites insones. Revivem cenas quantas, as estendendo no tabuleiro das horas e fazem de nós meros atributos de forças até então desconhecidas.

Mas chegam através delas, em ondas sucessivas, de soslaio, a revirar os ganhos mais antigos ali de quando imaginávamos ser meros joguetes de forças abstratas, no entanto insuficientes. Quer-se reviver os transes de outrora, contudo redes parecem dominar o firmamento da imaginação e sacodem a todo instante os mesmos verbos, mesmos adjetivos, numa sanha inestimável de amores esquecidos. Aos trancos e barrancos, outrossim, reiteram facetas envelhecidas de currais, matas, caminhos solitários, vazantes, brejos, córregos, açudes...

Trâmites de poder inimaginável, auscultam nossos laços dagora e os tornam a bem dizer inexistentes, na disposição pura e simples de querer determinar proprietários exclusivos no território das existências. Animais a se dizer vivos por demais. Têm, sim, vida própria, porquanto gritam de dentro das criaturas e fazem delas instrumentos de sortes imprevistas, desconhecidas. Pequenos troncos de imaginação assim circulam em todo o correr lá das entranhas, a sustentar novas histórias daquilo que antes foi. Viram, de palavras, pensamentos soltos, juízos de valor, teorias da fama, do poder, sustentação de imagens deixadas pelas civilizações antigas no transcurso das histórias individuais. Nascem dos livros, revistas; de cartazes, filmes, visões, programas de televisão, discos, canções, jornais envelhecidos, trastes abandonados pelas gretas exóticas do inexistente.

Fossem, nisto, esquadrinhar a que vieram, fugiriam sorrateiras quais minúsculos seres, talvez agentes de reinos apagados na História. Entretanto permanecem resistentes, heróis de sonhos, a descrever universos inteiros de verdades em movimento pela alma das criaturas humanas.

domingo, 9 de novembro de 2025

O que se passa no juízo deles


De comum, aparecem do inesperado pela caligrafia das ruas e ilustram as páginas do tempo na maior desfaçatez. Mesmo porque de nada valeria explicar a razão de estarem nesse mundo das quantas perguntas que, sem resposta, prevalecem consigo e deixam largadas nos mistérios do que se passa no juízo deles. De que jeito responder, nem eles, os tais doidos de rua, sabem fazer; só exercitam os cumprir vidas afora, tais protagonistas inevitáveis do cotidiano deste universo.

Desde menino os observo lá donde vim, no sítio. Preenchem o estio das horas e andam mundos afoitos de longe do que dizem ser normal, distantes daqui a perder de vista. São bem comportados ao seu modo. Aceitam de bom grado as contingências, ao sol de impaciências irreverentes, e cumprem papeis inigualáveis no seio das comunidades. Nisso, trazem nomes típicos, fruto das tradições, semelhantes aos heróis e suas façanhas esquecidas. Capela. Soldado. Ligeirinho. Príncipe Ribamar. Sorriso. Garapa. Moipen. Quando passam, cumprem hábitos, às vezes falam, encenam atitudes. Respeitam relativamente as normas sociais. Sabem-se inúteis (talvez) mas componentes do modo semelhante ao que cabe aos outros ali em volta ditos padronizados. Comem. Dormem. Sobrevivem.

Houvesse necessidade, ninguém justificaria essas existências que surgem espontaneamente, e assim desaparecem no correr das cenas, deixando vagas imensas nas recordações de toda época. Tipos populares de seus tempos, amargam de verdade a lembrança das fases em que aqui passaram.

Deles nascem as histórias dos humanos que confundem liberdade com indiferença e executam seus scripts na maior sem cerimônia, ao sabor das circunstâncias, traçando pelas praças o chão onde vivem, e ter felicidade à sua maneira. Superpõem o modo de ser ao que nunca souberam exercitar doutro jeito no transcorrer das jornadas. Em meio aos ruídos diários de máquinas e falas, escolhem as estampas do que lhes coube notar. Vilões da própria lida, criam seus argumentos e os desenvolvem nos eitos mais extremos, a céu aberto, longe das opiniões, dos desassossegos, reservados em si. Nisto, vez em quando também nos avistam pelas calçadas a contar dos mesmos enigmas que também lhes tocam o sentimento.

sábado, 8 de novembro de 2025

Sons da imensidão



E se saber do mistério quase nada, ou mesmo nada, isto por si só demostrar o instinto do Tempo a lhe preencher tudo a sua volta. São gritos, a bem dizer, daquilo donde provêm os desejos, na força de continuar a todo custo. Nem isso de aquinhoar o destino produziria os sinais que ora chegam a todo momento. Falas. Ritmos. Marcações insistentes vindas de alguém dizer, de algum lugar próximo da consciência, as razões do quanto existe.

Nesse intervalo, os derradeiros resquícios das vaidades imperam frente à luz necessária de indicar os meios dessa história por demais inevitável, no entanto. A quem queira ouvir, cantam os pássaros, sopra o vento, caem as folhas, descem os rios, vêm as canções, as lembranças, os credos, o estalar do sol nas bordas do firmamento. Isso de estar aqui, nalgum lugar inextinguível, parceiros de jornadas definitivas, rumo ao Ser. Na vibração dos pensamentos pululam as palavras, os gestos, as cores, formas, vontades, espetáculo mil da própria certeza dessa perpetuação nas existências.

Buscar o quê, quando aqui esteja nas malhas das horas constantes?! Todos, luzes acesas de poder até então desconhecido de quem seja. Nisso, a contenção dos acontecimentos numa voragem sem conta. Viver. Permanecer. Narrar. Estabelecer. Conter. Resistir. Sustentar as dores dos abismos. Ter saudades. Fluir.

Esse outro eu assim contém o senso do Infinito, porém à cata de significados, e exercita, persistente, valores, penhores, atitudes, indagações. Nascentes da alma, reúnem seus pedaços em cordões de sacrifícios e revelam, passo a passo, a que vieram, pois. Retratos das histórias intérminas, segredam códigos aos céus e adormecem aos olhos da necessidade. Eles, os seres translúcidos ainda cobertos da lama do parto, conquanto multidão de anônimos, ilustram as paisagens de liberdade fortuita e desfazem na sombra módicos sabores. Avistam, afinal, lá distante, o pouso da Verdade e sorriem impávidos.

(Ilustração: Microsoft Copilot).