sábado, 5 de julho de 2025

Seres exóticos

 

Dotados de todos esses talentos, ainda assim perseguem fantasias e plantam árvores inexistentes pelas calçadas e cidades. Às vezes, reconhecem serem que tal e atravessam os desertos quais sobreviventes de grandes crises no tempo lá atrás. Acondicionados, pois, dentro desses acolchoados brilhantes, transitam pelas horas feitos escravos de si mesmos, e gostam de ser dali deitados na lama dos desejos. Fazem de um tudo. Sintonizam as faixas cotidianas, alimentam discursos inexplicáveis, esgotam tanques e tanques de tratados monumentais, estirados fieis pelos dentes dos dragões em volta.

Conversam, ouvem os pássaros, o vento, as sirenes das ambulâncias, das viaturas policiais, tais pedestres em ruas escuras, nas noites das capitais. Querem dos céus a salvação, todavia afeitos aos instantes que lhes fazem a cabeça no devorar das entranhas. Às músicas guardadas nas máquinas, abandonadas pelas gerações, veem os cães, gatos, patos, capivaras, nas telas a fervilhar as linguagens só agora esquecidas.

Apreciam lendas, roteiros turísticos, antigas ruínas, símbolos, vestimentas esquisitas, tatuagens espalhadas pelo corpo atormentado das expectativas inúmeras. Sobem, descem escadas, ladeiras, parques de uma civilização que nem existe que seja.

Nessa busca desarvorada, sobrevivem aos séculos e escondem entre as visões o que sumiu no anonimato, nas heranças, nos pactos, isto em velocidades sempre inesgotáveis. E eles vão cabisbaixos, ansiosos, autônomos, cercados desses códigos que correm pelo juízo de vez em quando. Encapuçados entre dois hemisférios, padecem do sonho escamoso das consciências que os têm.

Bom, instantâneos de ambição os retém aos sóis, essas massas informes de contradições e prazer, e satisfazem os avanços da tecnologia que criaram, blocos informes de pensamentos e sentimentos, chamas e dúvidas, habitantes que foram doutros universos de que pouco ou quase nada conhecem, porém deslizam afoitos pelas trilhas dos contentes, e vivem audazes os momentos inevitáveis do dia.

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Mar de variações


A insistência com que os acontecimentos transformaram a criação original de tudo hoje carrega em si o desejo de multidões inteiras, na fome de continuar aqui enquanto as peças caem dos tabuleiros e já invadem sem dó os destinos em volta. Por mais que recuperam as possibilidades anteriores de renovar o mundo, mesmo assim nem sempre seriam certas as vitórias desses exércitos adormecidos na alma das criaturas em movimento. Meros ritos de tradições até então desconhecidas, prevalecem, contudo, as antigas intenções de, outra vez, delimitar o espaço e guardar na inconsciência as normas desde nunca esquecidas de força e medo.

Nesse poder que têm as falas de reverter os segmentos de aonde poder chegar um dia crescem pelas ramas e desaparecem nos desertos em volta. Somam lembranças sucessivas de tantas histórias, contadas e depois esquecidas, que o jeito de esquecer significa agora nada além da vontade dos que desaparecem sem deixar quaisquer sinais. São vistos nas ruas e, em seguida, não voltam a ser notados. Eles, os personagens de vidas e vidas. Às vezes aclamados em praça pública, porém largados de fora ao primeiro desassossego coletivo. Tais figurantes de um circo imaginário, espécies de assombração do Paraíso, sustentam o pouco que restavam de coerência e mergulham nas águas do Infinito, e permanecem ocultos no porão das maravilhas.

Isto a provável compreensão das existências desses seres quais nós próprios, feitos manequins de palha atirados ao vento da sorte. Quer-se encontrar as portas do sentimento e terminam cercados de ilusões, por isso desfeitos em números tão só inexistentes. Submissos aos instintos, padecem do transe voraz das gerações e, sem querer, submergem num oceano de aventuras errantes, observadores contumazes das paisagens e dos delírios sórdidos.

A servidão ao inevitável, portanto, passa de percorrer, de olhos acesos, a tela do horizonte, na ânsia mordaz das feras entontecidas. Ah, humanos que fossem ser-se-iam aves de rapina das montanhas distantes, no vácuo da imaginação.

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Autodeterminação dos povos


Perante a atual política norte-americana de trazer à América Latina seus efetivos militares para resolver problemas nacionais da Colômbia, ressurgem lembranças preocupantes do tempo em que havia os conselheiros militares no Vietnam do Sul, no Camboja, Laos, Brasil, Chile, com resultados pecaminosos.

Medidas que dizem respeito à violação da livre iniciativa dos Estados nacionais implicam na redução da soberania, impondo política externa fracionada ao sabor de nações mais poderosas, o que resulta em retrocesso nas conquistas de séculos de lutas e sofrimento, no binômio do fraco contra o forte, no direito da força bruta em detrimento dos avanços igualitários posteriores à Revolução Francesa.

Ainda que situações conjunturais imponham atitudes de força, isso compete aos líderes e às instituições dos povos livres e suas organizações políticas individuais.

A concepção de uma nova ordem produzida nos transes posteriores da Segunda Grande Guerra reeditou a Doutrina Monroe, que antes implicara na invasão orquestrada das nações americanas, pretexto da salvaguarda democrática do continente, segundo definia.

Em mensagem ao Congresso americano, o presidente James Monroe considerara serem os Estados Unidos contrários ao colonialismo europeu, com base no pensamento isolacionista de George Washington, de que a Europa tinha um conjunto de interesses elementares sem relação com os nossos ou senão muito remotamente (Discurso de despedida do Presidente George Washington, em 17 de setembro de 1796), e ampliava o pensamento de Thomas Jefferson segundo o qual a América tem um Hemisfério para si mesma, jeito de estabelecer o conceito de um continente americano como o seu próprio país.

No entanto mudaram os tempos. Experiências múltiplas concederam o mérito de cada nação independente fustigar os seus próprios impérios da lei, aspecto dos novos tempos de graves decisões.

Por isso, as providências estadunidenses ora adotadas de avançarem nas fronteiras externas à sua federação reduzem as margens de autonomia dos povos latinos, o que lhes reedita triste e ilegítimo papel de fiscal dos demais povos das Américas, motivo de apreensão e escrúpulo, visto o preço pago nas ações anteriores de épocas recentes, já na segunda metade do século XX.

terça-feira, 1 de julho de 2025

O instinto das palavras


Qual quem acorda de longo sonho e sai a procurar o que se dera, tocando as paredes da memória na procura do sentido daquilo quanto há pouco sonhara, palavras são assim, ânsias constantes de rever o que ocorre dentro dos pensamentos que talvez sejamos nós. Tais desejos incontidos, saem feitas significados na busca de justificar as existências, valem de meros sorteios de uma loteria imaginária. Enquanto os pensamentos, esses nascem aflitos dos sentimentos e a elas sobrevivem à custa desse impulso inevitável de gravar nas horas razões que as justifiquem.

Vez por outra, na fome de alimentar o Destino insaciável, elas querem deter a velocidade das lembranças, no entanto ainda prisioneiras da causa que lhes deram origem. Trazem detalhes nunca levados em conta, porém só agora necessários, a satisfazer vidas em movimento. Inscrevem aspectos antes passados em branco, sorrisos, prazeres, alegrias, isso numa insistência jamais considerada naquelas ocasiões iniciais. Carregam consigo, pois, um fulgor de poder sem par. Fortificam aspectos das pessoas sob o âmbito das saudades deixadas pelos céus do coração.

Palavras, palavras, palavras... Contos vários de valor inigualável ao poder da consciência que nos carrega nas vísceras durante toda Eternidade. Longe delas, o que seriam as emoções, os instantes prazerosos das noites, dos dias em queda livre através dos firmamentos?! Isto a ponto de demonstrar que seriam elas quem existisse, não nós, somente. De todas as cores, formas, deslumbramentos, constituem o dizer das multidões mais irreverentes, espécie de trilha do mistério onde habitamos afoitos e interrogativos.

Por isso, quanto empenho no dizer das criaturas humanas espalhas pelo Chão. Quase a descrever de si mesmas o que convém, o que pensam e esperam desse vazio multiforme das contrições ao nosso lado. Entes próximos dos enredos fugazes a transpor muralhes infinitas, elas sustentam nas próprias garras os derradeiros motivos de estarmos aqui jornadas afora.