quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Câmara e cadeia, livro de Franklin Carvalho

Boa ficção; que houve um tempo quando denominavam tal estilo deste livro de ficção científica; boa ficção científica, assim se pode dizer de um livro no estilo deste. O autor desenvolve histórias instigantes, viajantes, saborosas, de mundo daqui e de lá ao mesmo tempo, em locações conhecidas de Nordeste futurista, de Bahia, Salvador, jamais desaparecidos. Texto correto, bem cuidado, a refletir vivência jornalística, historiográfica e policial. Sabor por demais próprio de quem realiza aquilo a que se propõe num clima de mistério e emoção de mexer o âmbito da imaginação e transportar ao universo dos contos qual regente de estranhas sinfonias estabelecida em clima de gênio. 

A literatura dos rincões interiores, solitários andantes dos reservos de outras aventuras que não os mistérios diários dos livros dagora, traz conteúdos inigualáveis, semelhantes ao de que nunca se esperou viesse à tona depois de tantos narradores espalhados neste chão de quantas histórias. E Franklin Carvalho obtém êxito no em que de ouvir estrelas decide transformar sabores em mística e apreensão, estonteante e bem versado, numa surpresa de autoria há tempos pouco encontrada na praça.


Recebi sob expectativa bem sucedida este trabalho vindo da Boa Terra, e festejo nestas palavras a ação cinematográfica da intenção literária da Scortecci Editora, do autor também jornalista baiano, escritor e fotógrafo.

Seus contos remontam épocas adiante no tempo, alguns; outros, de fases atuais, fruto da facilidade em dizer e criar tramas de quem reflete disposição em revelar talento ideal ao ofício que abraça nessas páginas, que me conduz de volta aos recantos da Bahia onde vivi horas estimáveis para sempre. 

Outro dia, pude ler os originais de novo livro de Franklin, o que de certeza  construirá novas felizes realizações das de Câmara e cadeia. Aguardo, pois, chances de usufruir de oportunidades iguais à boa leitura que ora comento aqui.

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Luvas de cristal

Nas ruas e suas esquinas tortuosas há sempre quem nos queira enquadrar nos dramas, independente de saber nossa opinião própria enquanto seres libertos, no entanto por vezes perdidos nas ilusões das matas de ferro e cimento. Arrastam daqui, arrastam dali, e as manadas seguem cursos por vezes agoniados diante do tanto de interesses em jogo. Querem que queiramos, e empurram de goela abaixo pastos das sobras do banquete de mendigos que eles separaram dos salões e festins entediantes da velha burguesia. 

Cai nisso não, meu irmão. Aprume essa cabeça rumo às estrelas e evolua, porquanto no comando um Ser existe maior e superior a tudo que impuserem a título de explicação. Lidere seu processo de existência e verá crescer nos pés, quais raízes, o direito universal da felicidade. Apronte seu caminho de maravilhas nas pedras dos caminhos ainda que adversos.

Foi do tempo quando oráculos pertenciam aos impérios. Sejamos tais criaturas reveladoras de princípios e verbos, descobridores dos segredos do Universo infinito no aqui e no agora, durante o prazo de estabelecer as bases dos futuros brilhantes que tantos aguardam e precisam bem plantar no solo da História.

Trabalhar as formas do depois nos mistérios do presente. Deixar de lado as limitações impostas por quem ou a que troço apenas por se ser acomodado e largar a melhor parte no chão do disfarce. Agora, sim, chegamos ao que importa nos quadrantes do eterno. 

Tantos chefes insuficientes e nós seres suficientes de fazer e encaminhar as cartas do destino! Por que não? Porque sim, e pronto. Bem pertinho de conhecer os trilhos do sucesso, e a gente só ali sentada nos cantos escuros da solidão em nuvens ausentes da realidade. 

Vamos, pois, construir esta possibilidade do que a imaginação permitir... Silenciar lamentos e crer no que seja o mais importante aos nossos passos firmes, nas sequencias da epopeia. Os autores da cena por isso carecem de exercer o papel de responsáveis pela renovação e zelar os resultados da criação desta coletividade imensa que somos nós. 

Escrita automática

As primeiras pisadas no chão de massapê, no outro dia do inverno, contam bem a história daquela gente, na faina de viver inscrita pelos ideogramas de um alfabeto mágico, passos inquietos dos homens em círculo; e lá na distância, o coro plástico das garças friorentas, feixe de talos secos do capim, salpicava de branco o barro melado, notas visíveis na forma de sinfonia matinal, diante da represa quase inútil.

No ímpeto de resolver as dificuldades surgidas com a fome do gado no pasto seco, todas as gamelas viram-se, de uma hora para a outra, transferidas à vazante do açude esgotado, onde o chão abria raras luas d´água, suficientes tão só dois meses, ou menos, de alimento indispensável.

Como nunca imaginar o futuro, a não ser quando Deus assim resolve, que não foi o caso, tiveram de chegar, entre pingos e lufadas de vento, escorregando aflitos no escuro, as primeiras e abençoadas chuvas do verão sertanejo daquele ano.

Grossas gotas pingaram das touceiras lavadas do mato retorcido e pássaros sacudiram as penas, nos ramos mais erguidos aos céus, telas benditas em forma de paz, aonde cercas valiam nada para reter a brisa e o sereno, que unem os tons claros da natureza, como flores grudadas nos cachos esquecidos à beira do riacho vazio.

Ouvi pela segunda vez a música esquecida, trazendo o sonho rico da memória a tardes bonitas da cidade, há três décadas, quando buscava o cinema, nos sábados, para a sessão das quatro e seus filmes raros. As ruas desertas e a chuva miúda escorriam de leve pelas calhas de tetos pintados no lodo e na cal envelhecida. Tarde solitária, de poucas almas vivas nas calçadas e pombos a voar no meio de festivas andorinhas a animarem o teto azul intenso do firmamento.

As abas da serra altiva cobriam o tom sisudo com uma paisagem pálida de mata verde escuro orvalhada de nuvens esfiapadas.

- Névoa na serra, chuva na terra. Névoa na baixa, sol que racha – lembravam os habitantes do lugar, na sabedoria temporã.

O cabelo das vovozinhas que rumavam à missa da cinco, na Igreja de São Vicente, parecia com a alvura das asas que deslizavam céleres sobre as carnaubeiras da praça em volta do Cristo Redentor, vida mormacenta, imortal, de espíritos prenhes de eternidade, após o momento único da feliz salvação.

Quando escoa o tempo, primo-irmão da matéria, também se dissolve a energia, fonte eterna do depois. O gesto espontâneo de escrever supre as atitudes funcionais para atender aos compromissos do instante presente. Vem a sede, busca-se a água. No frio, o cobertor. Na fome, o alimento. Jeito que tem jeito, como resposta de perguntas nos impulsos da necessidade. Livre de coração, erguer os olhos dos afazeres e circunscrever o fugidio, formular instantâneos abertos daquilo que contorna, qual bolha infinita, cercando de eterno as correntes alternadas e contínuas do movimento que esfarela o objeto. Daí, recolher, que nem frutos de ideias, palavras, tópicos transferidos ao papel, por vezes lidos por outros seres humanos.

sábado, 26 de dezembro de 2015

Nem tanto esotérico assim

Aonde se virar e escutar falar de crise, enxergar em que resultou isso espalhar que as notícias ruins servem de parâmetro da existência de hoje. Olhar o tempo e sofrer da síndrome de que a natureza parou e o homem venceu na corrida destrutiva da poluição com requintes de burrice. Andar nas ruas desconfiado de todos, olhos presos nos alarmes e telefones sem sinal. Isso de perda de tempo em tudo por tudo, qual funcionário atrasado nos compromissos para com a empresa. Aguardar grudado as últimas notícias à espera do final dos tempos e contar os pontos a apresentar nos tribunais da Eternidade. Quadros dantescos nas horas dessas dagoras, no entanto de encher qualquer saco de quem quer paciência de viver, esperanças de criar uma família unida, formar filhos com visão de sucesso, trabalhar e ser feliz. Ninguém, ninguém, de senso sadio aguentará só pensar assim, andar de pés doidos por causa da pouca imaginação, pessimismo crônico dos que divulgam material recolhido nas bocas sujas e jogam no coxo das tradições contemporâneas. 

Houve desleixo das nações e seus pobres comandos, decerto houve; e consequências virão no rastro das horas; é a justiça natural dos elementos, produto de resultados nos sistemas existentes. Porém fazer disso profissão merece avaliação imediata, pois o trilho permanece à frente da composição, direito de continuar e tange o rebanho nas manhãs seguintes. 

Ainda que pesem as corrupções e os políticos nefastos que chegaram no poder graças ao voto dos inconscientes, que a indústria das armas fabrique para destruir vidas e seja a que mais movimenta capitais, que a violência serva de profissão a tantos alienados de cidades grandes e sujas, explosões de incompetência da humanidade em crescimento, ainda que assim se apresentem os noticiosos da mídia sensacionalista, ainda assim existem os dados positivos, as conquistas da civilização, os instrumentos musicais, os artistas geniais, as mães afetuosas e zelosas dos filhos, o sorriso enorme das crianças alegres, o prazer impagável da brisa gostosa nos dias quentes, as viagens inesquecíveis, os livros saborosos, eternos, os filmes inteligentes, o carinho dos que gostam da gente e nunca se esquecem dos verdadeiros amigos, os infinitos sonhos bons de preservar o lado bom da vida, de viver com arte um exercício valioso de fé e confiança; que bom que seja diferente, para melhor, e existir dentro da realidade maior e verdadeira.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Esquinas do silêncio

O Tempo, sinônimo de existência de tudo que existe nas vagas e partículas do espaço, feito guardião das luzes que vez em quando brilham nas almas e nas pessoas, as transforma em artesões da felicidade absoluta de que somos parceiros exclusivos. Ele pousa de modo suave na face única da realidade. Reconhece pouco a pouco o terreno. Avista os antes e os depois. Soma e diminui, divide e multiplica os sentimentos que arrastam as multidões. A todos permite esses instrumentos de resolver o quanto precisam em termos de selecionar o resultado das equações movimento. Nisso somos criadores da qualidade pura dos momentos. Evitamos as dores e promulgamos resultados favoráveis de ver o mundo, sempre sob o olhar atencioso do Tempo. 


Ele, Tempo, concede meios de fabricar as horas das criaturas, matéria prima das produções individuais. Ninguém deixa de merecer o que evitar ou dificultar. Olha-se o panorama ao estilo de solucionar as oportunidades disponíveis. Jogar fora os bons sabores sujeita machucar o astral das pessoas. Má vontade significaria tal resposta que virá ou não virá, a cada um conforme o que merece. Artífices hábeis jamais danificam a peça que trabalhem, porquanto caberá a si o ônus de conhecer o tanto de manusear horas, recursos e a chance ímpar da ocasião, do agora elaborar o instante, na valsa nobre da autenticidade pessoal. 

Ninguém, pois, alegará ausência de condições na construção das esquinas de paz que mora o íntimo quando atira nas calçadas a fama e o direito de reverter quadros e situações todo tempo, no infinito da Lei entregue em suas mãos de minerador da vida. 

Fugir de esse poder infinito apenas representa pouca habilidade no desejo, dando de cara nas muralhas intransponíveis do destino, horas mortas nas próprias correntes de valor a si depositadas pelo carinho da Liberdade, personagem primo e irmão da Sorte, o ser amacia o gosto de encontrar harmonia. Poucos, nenhum que seja, fugirá aos caprichos daquilo que estabelecer nas atitudes face de eles oferecidas nas curvas do provável. Senhores de si e do direito sobre o que criar, vamos no barco dos fiéis do agora mesmo imaginar, porquanto o autor de tudo assim permite de poder.

O senhor do impossível

Mergulhar em algumas avaliações místicas justamente em um tempo quando resta mundo esquecido de valores antes fundamentais, se é que um dia foram fundamentais, nesse pesar das eras. Lembrar os raciocínios de Deus a que neles se detiveram filósofos sós nas páginas amareladas dos velhos livros quase abandonados no decorrer das práticas cotidianas deste mundo insano. Hoje, falar em Jesus, Buda, Lao-tsé, Kierkegaard, Platão, Orígenes, remexe as fibras machistas dos tambores acelerados  e os padrões da era nuclear de deuses entontecidos e estéreis, ícones de acrílico e fibra de vidro, rolados e impressos nos painéis gigantes da terceira dimensão, vazios de conteúdo real.
Às raias do absurdo, indiferentes, jogaram os dramas da espécie, comédia insólita dos porões vazios da máquina embrutecida e esfumaçada na embriaguez de farras. Há gigantes em tudo, nas vitrines e nos paraísos artificiais da massa melancólica, que vaga absorta e de olhos pegajosas.

Enquanto isto, a única saída verdadeira é precisamente onde não há saída no juízo humano. Senão, para que precisaríamos de Deus? As pessoas só se dirigem a Deus para obter o impossível. Para o possível, os homens bastam, afirma o filósofo russo León Chestov.

Nunca, tal nestas datas momentâneas dos princípios de século XXI, houve tamanha ausência dos instrumentos morais que permitissem aos humanos adotar um sentido justo às suas existências tangidas pela engrenagem do magno sistema dominante. Quais lesmas de aquário, eles descem, sórdidos, acomodados, as escadarias de pedra dos altares do sagrado e se deixam imolar feitos mercadoria nos salões engalanados da ilusão artificial, racional.

As almas, no entanto, ansiosas de virtudes e banhadas nas lágrimas da solidão dos grupos, buscam meios de recordar o trilho abandonado nas selvas da Natureza, e erguem aos Céus preces esquecidas. Eis Deus: devemos remeter-nos a Ele, ainda que não corresponda a nenhuma de nossas categorias racionais, insiste Chestov.

Aos raios dourados da Esperança, Razão em seus frágeis argumentos agora demonstra o pouco do que trazia na caixa das fantasias, presa também de nenhuma possibilidade além da matéria em fria decomposição.


Eis Deus, o absurdo que renasce das cinzas no coração dos vales de antigamente.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

As cicatrizes do destino

Isso de querer incutir nos demais soldados do Império religiões de antigamente mexe nas fibras internas da consciência de companheiros do combate a ponto de deixa-los tontos, por vezes até meio distantes da real felicidade a ponto de correr riscos enormes no seio do lamaçal em que trincheiras agora recente se tornaram após os temporais deste quarto de lua. Querer, no entanto, mantê-los afastados das outras possibilidades matemáticas de encontrar o Deus que vive aceso no íntimo coração das pessoas significa alimentar a força alienadora da ilusão e expô-los aos percalços de todas as outras luas que virão pela frente. Portanto, o compromisso de revelar as verdades maiores só nesta época, depois dos milhões de luas que sumirão nos horizontes, guardadas debaixo das sete capas de camadas geológicas, claro que mais nada representa do que perversa conspiração face aos impulsos da acomodação do sistema envelhecido e inútil. 

Preciso, pois, dizer das ordens da verdade, trazer aos passageiros do vagão desgovernado a bela história do dever circunstancial de receber vivo ainda o sentimento cá no seio do coração qual alimento imprescindível, a descoberta de Si Mesmo, que funciona de contraveneno vacina preciosa de dominar os instintos e chegar ao portal do Amor, transmutar matéria em espírito, a sombra na luz, o laboratório da bem humana salvação. 

Horas soltas no infinito das compreensões varreram o ritmo dos ponteiros de segundo. Pulsações apenas mecânicas desfizeram desse modo os propósitos envilecidos de andar nas trilhas sem aproveitar a oportunidade rara de comungar dos bons propósitos. Daí, o território dessa fronteira deixar marcas profundas na pele das almas, feitas tatuagens inextinguíveis em formato de dor, mapas do labirinto das eras dos animais que escavacavam as terras do sem fim na busca de saborearam o néctar do mar alto, lá longe nas fímbrias deste sol que ora a todos ilumina. Forma maneira de quem avaliou a tempo as mudanças da rota do destino, as súplicas daquele passado remoto vieram morar de alento o largo Universo, e converteram seres em palavras de poder onde houvesse querer e possibilidades...

domingo, 20 de dezembro de 2015

Paisagem natalina

Um amigo de Salvador, Rômulo Serrano Filho, pintor de quatro costados, excelente marinista, admirado e reconhecido na Boa Terra, atravessara graves problemas na saúde, só escapando por pouco de regressar mais cedo ao mundo invisível, o que décadas depois faria, deixando vazio de saudade na família e nos amigos. Durante a fase difícil do tratamento, hospitalizado por meses, ele, católico de tradição familiar, assumiria o compromisso, em sendo salvo, a todo 01 de setembro, dia de São Francisco de Assis, de pintar uma tela com a figura do santo. Enquanto vivo, sempre cumpriria a promessa. Quiséssemos achar Serrano esboçando o quadro do Santo de Assis, o visitássemos nesse dia. Passados mais de trinta anos da época quando morei na Bahia, hoje bem que quisera saber aonde foram parar o acervo deixado por Serrano. Sei de algumas notícias dos seus familiares, de Dona Lucíola, a esposa extremada, filha de cearenses, e dos filhos, através do escritor Guarani Araripe, poeta e cronista que, inclusive, lançou livro em Crato, no Instituto Cultural do Cariri, ano passado.

Bom, mas circunscrevi tais lembranças na intenção de reviver o impulso que me vem a todo Natal de marcar esta inesquecível data deixando escritas algumas palavras do quanto o período-calendário sensibiliza a Humanidade, tocando fibras mais íntimas do coração da gente. Acontecimento determinante também na história de outros povos, o nascimento de Jesus em Belém proporciona esperanças no momento da transformação das pessoas em criaturas melhores do ponto de vista espiritual.

A força do Divino Mestre possui, assim, tamanha grandeza eterna que modifica até a paisagem dos meses no ano, abre alento de paz nos costumes sociais, amplia horizontes da sociedade em termos de atitudes e práticas justas, ocasionando oportunidade ímpar de refletir e aspirar fases de amor no seio do Planeta onde habitamos.

Feliz Natal e Ano Novo de prosperidade quero aqui desejar a todos os que leem estas palavras!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Dois irmãos e um caminho

Dois brigam quando dois querem. Em havendo disposição de paz em um dos lados, há paciência, há perdão. Dominar esse instinto agressivo importa nos resultados de harmonia de que tanto carece este chão das almas. 

Assim, nós dois que somos todos a trabalhar o afeto pomo-nos a seguir ainda feitos feras, enquanto um morde, o outro se magoa e sofre, abafa, reprime, revolta, impõe justificativas na agressividade contida, no entanto amargurada, espécie de roupa suja guardada lá dentro nos refolhos da comum inutilidade. Eles dois, nós dois, estrada a fora tangemos duas feras, uma que lança farpas em cima da carne seca, no vulgar desespero de sofrer, contrapeso que arrasta de mesma carroça de sucatas que, agarradas, somos aqui no Planeta. Dois perdidos e a noite suja de Plínio Marcos do passado. 

Feras largadas ao velho picadeiro das contradições, roçadeiras amoladas nas pedras toscas do desgosto, impõem contradições, amigos em forma de lados agudos, num, o sujeito da razão; no outro, as costas moídas de chicotadas e dos escravos jogados nas sarjetas. Isto em relação a quase tudo, senão tudo, burros de cargas que transportam as malas da ignorância, que buscam escola nas malhas do sofrimento.

Poderemos crescer unidos, a história contará novidades ainda longe de preencher o espaço de horas tontas, na peleja do pesadelo ilusório da divisão das classes. 

Esses dois irmãos, talvez até amigos, e no caminho viverão prudentes os objetivos da ordem mundial que anseiam desde que mundo é mundo. Próximos uns dos outros, outros irmãos que seremos em um só sem distância regulamentar de conservar objetos quais proprietários definitivos, e de próprio nada temos. A matéria que transportamos apenas servirá de empréstimo da Natureza, a quem devolveremos lá certo dia, cedo ou tarde, à luz do Tempo inabalável. 

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Prefácio do livro de Lucélia Brito

Este livro com que Raimunda Lucélia Roque de Brito brinda sua geração a nos oferecer boas reflexões quanto valores da família na vitória maior sobre os obstáculos naturais da existência.

Nos menores detalhes, ela, filha, irmã, mãe, esposa e mulher, se debruça, com estilo fluente, na história de sua vida; estrutura nas palavras os momentos inesquecíveis das provações que enfrentou; narra com maestria os sentimentos que envolveram dias e dias de amargor; descreve as estratégias que ela e os irmãos praticaram, na sabedoria original dos que tiveram determinação e buscaram firmes o sonho da felicidade.

Trabalho rico em superação e confiança nos valores essenciais da fraternidade, do respeito e persistência férrea no caminho, algo digno da melhor literatura do sucesso. Exercício de recordações de quem obteve êxito no projeto a que se propôs.

Houve época quando imaginava que só autores clássicos representavam o pensamento humano através das letras. A prática de leitor assíduo, contudo, vem indicando o poder de todos que elaboram histórias e guardam a fidelidade no dizer as trilhas do tempo, testemunhas autênticas de vivências inigualáveis, pródigas em conteúdos e naturalidade.

O presente livro significa bem mais do que o itinerário particular de certa pessoa, porquanto representa, sobretudo, a coragem de continuar quando as dificuldades pareciam destruir quaisquer possibilidades no seguir adiante. Emocionantes quadros de rara beleza, fé e sensibilidade, obra que amplia níveis de compreensões perante incertezas vistas nos dias cinzentos. Incentivo a tocar em frente, mesmo nas fases críticas, sem maiores meios de acreditar, no entanto de olhos fixos nos prenúncios da vitória só reservada aos que merecem do esforço a resignação da espera e o usufruto do triunfo.

Que valioso encontrar texto tão especial de coração aberto de quem experimentou intempéries aparentemente intransponíveis e as venceu, além de realizar o desejo de constituir, no travo das lutas, o doce prazer das voltas por cima, tanto na ordem familiar, nos estudos, profissões, saúde, filhos; a autora e seus irmãos, companheiros valentes das realizações desse sonho, ora significa a todos nós exemplo do poder da determinação.

Essa garra de Lucélia Brito toca, por isso, as fibras da alma e alimenta a disposição de sempre construir projetos de esperança, lição apropriada aos que gostam de ler o que é bom e recolher pérolas no mar das experiências vitalizadoras.

José Emerson Monteiro Lacerda

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

A águia do mestre

Ele fugia desesperadamente. Bem perto dali, no seu encalço, vinha sedenta a guarda do sultão, que o perseguia na intenção de resgatar joias preciosas que retirara do tesouro do reinado. Através daquelas montanhas distantes as buscas pareciam chegar ao fim, pois adiante dos caminhos restavam tão só as bordas de abismos intransponíveis.


O infeliz meliante já notara as agruras inevitáveis da aproximação dos soldados, quando avistou, debaixo de árvore das imediações, na posição de lótus, um devoto recolhido em meditação silenciosa. Nem houve muito a pensar; dele se aproximou e, rompendo o culto do religioso, aflito indagou:

- Qual a águia de seu mestre, caro discípulo?

Entre surpreso e atencioso, o noviço respondeu:

- Que eu me lance daquele precipício sem titubear. E só assim cumprirei as exigências definitivas do meu superior para que obtenha a iluminação.

- Quer, então, permutar essa águia do seu mestre pelo que aqui contém esse pequeno tesouro de ricas peças e valor inestimável? - o visitante rápido tratava, com isso, de oferecer ao jovem, que ainda buscava reunir, sem sucesso no entanto, as forças de atender ao desafio recebido na sagrada devoção.

- Aceito, sim – admitiu.  

E antes quase nada de os guardas lançarem mãos do assaltante e fora das suas vistas, este joga ao noviço o fardo que consigo transportava. Em seguida, disparado, corre na direção do alto da montanha, lançando-se impetuosamente no vazio do mais profundo precipício.  

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Ao nascer do Sol

Chegar aqui à porta da caverna e olhar a realidade face a face. Abrir as cortinas do arrebol transportando às mãos o despertar impaciente. Sair ileso do escuro das feras da noite que sucumbira ao princípio ativo da imortalidade. Passos macios das festas no coração, que bailam eternos bem na almas destinada a permanecer rumo do dia nascer.


Molhado nos rios dos sonhos reais, assim regressa o filho de Si mesmo já perene das eternas verdades. Fixa seus movimentos e desenhos imaginários nas primeiras sensações da vontade ali presente com toda força, testemunho dos montes e das árvores. Recolhe fragmentos esparsos e se deita na relva do pensamento, barco dos aventureiros da sorte. Inicia os trabalhos de Hércules diante dos sentidos. Transforma as pedras em pão, instintos nos amores, tochas em clareza e querer.

Essas máquinas de transcendência, os humanos, logo cedo descem ao mercado na busca dos outros humanos. Levam consigo o pomo das oportunidades de reverter em matéria orgânica a esterilidade que ainda somos e deixaremos de ser lá certa vez, porém dotados de visão parcial graças a luz do Astro bem maior das galáxias. Pisa de alegria o território dos dramas e faz instrumento particular ser autor da Criação no interior da felicidade que lhe revolve a essência do que pode a qualquer momento. Iluminar de calma o fervor dos elementos, e entregue a existência ao laboratório da fertilidade. 

Salvar o mundo pelo gosto de amar as criaturas e o seguir a história de que é parte integrante, missão maior antes de todas, sacralizar o desígnio individual através dos meios que possui. Tornar ouro vivo, líquido, absoluto, a pequenez de mulas de carga, e transportar ao coração sais minerais da realização de Deus na própria eternidade ora clara na manhã que envolve o Universo da luz definitiva das horas.

Suavidade, carinho, perfume, santidade, palavras e poder...  

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Aves, as flores de asa

Olhar acima. Abaixo. Dos lados. Só infinito das águas puras a conter esses moluscos de gentes a navegar o diário dos sonhos, às vezes vãos, outras libertos, predadores, brincalhões no seio dos destinos da multidão, valentes, teimosos, fanáticos, irresponsáveis, responsáveis, irreverentes, reverentes, mas apenas pequenos batráquios na sanha das vidraças que contém o imenso aquário de raio infinito. Por dentro e por fora, jogadores na roleta da sorte alheia e própria; ou fixos nos pontos imaginários da ilusão. Isso da realidade ser assim em toda direção e restando as fatias dos detalhes ao dispor das criaturas humanas fere de morte o conceito da inexistência. Marcas deixadas no piso das eras determinam a força de compreender a presença de um Poder acima de quantos quiseram passar fora dos valores maiores, o que demonstra o tanto da perfeição no rio das horas onde habitamos mergulhados, todo tempo. Artífices do Infinito absoluto aqui nós somos. Aonde o cavalo da tecnologia permitir, aonde o couro aguentar nesse mar dos impérios da permissão do Maestro ausente na visão, presente majestoso e inevitável no horizonte inarredável. Redes e ondas perseguem os escravos de si próprios, os heróis das histórias escuras, dos dramas parciais e das comédias de aprendizado vendidas a preços módicos no íntimo das pessoas. Só isto, silêncio de solidão sadia abarca o firmamento. Liberdade na medida do que caiba aos indivíduos. Balança exata, pura correção, que determina o direito de um e de todos. Juízos matemáticos. Ninguém foge ou fugirá ao destino daquilo que plantar. Quer chova ou faça sol, o crivo da razão percorre de barco as águas distribuindo justiça milimétrica. A responsabilidade exige, pois, atitude. O reservatório, a Eternidade, bem significa o tamanho da compreensão dos animais que nadam soltos e esperam presas da esperança as moléculas de realização, aves que voam sobre a Terra e olham o fundo abismo da Felicidade, seres em profusão de luz e amor, abelhas leves à busca do mel da plena Paz na Consciência.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Esse tempo de amar

Quantos presos aos apegos vazios desse chão... Tantos entregues à velocidade das superfícies cinzentas, esquecidos que um propósito maior de eternidades sobrevoa voo livre os planos da imensidão. Contudo o tempo persiste bem no âmago das consciências, tinta acondicionada sob os tecidos da Salvação. E quão raros admitem algo além das aparências, escafandristas da felicidade pulsante. Espécie de águias solitárias, distendem asas no sonho real do imaginário, e com isso percorrem a distância transcendental entre o eu e Si mesmo, aprendizes nos córregos da certeza, furor acima de qualquer suspeita.

Daí vem o silêncio, que guarda consigo a precisão das angústias e acalma desejos surdos dançando na flor da alma, e amor fortalece a sobrevivência dos projetos divinos de que somos e muitos nem isso ainda compreendem. 

O Universo, no entanto, neutraliza os equívocos e oferece consistência necessária a continuar determinações infalíveis da Lei dentro do que todos habitam feitos condição inevitável de compor o quadro multicolorido das manhãs ensolaradas. 

Somos sementes, sim, flores e frutos da árvore dos destinos. O querer apenas noticia a forma das notícias vagas daquilo que vem nos braços do minuto que avança traço a traço, através da carne da gente. Um pouco disso a preencher de infinitos átomos a profusão dos olhos, na esperança do que fizermos do que hoje trabalhamos. 

Meras e valiosas partículas do incessante movimento, tais seres errantes no acerto das existências, cá iremos tanger o rebanho das pessoas individuais, porém coletivos blocos de realizações humanas em múltiplos corações acesas chamas de luta e vitória.

Amar, sobretudo amar, a isso se destina o faiscar das horas sob o senso do Poder acima de todos eles. Nunca, jamais, agora e sempre o calendário dos dicionários em busca de paz. Há milênios de verdades definitivas aguardando, pois, atitudes de quem respirar esse clima de suprema claridade no sentimento dessa festa, nalgum dia. 

sábado, 5 de dezembro de 2015

Cariri em alto astral

Sem essa de pessimismo, que os tempos são bem outros e as coisas tenderam a melhorar também nesta parte do território nacional, no que pesem as adversidades e administrações deficitárias. Muito se tem dito em termos de que os índices complicaram as médias e não se consegue vislumbrar perspectivas. No entanto chegamos a outro momento dessa história nordestina. Muito de reais valores existem a considerar quais pontos importantes de progresso na região caririense.

O desenvolvimento marca fases distintas, desde o princípio da colonização. No começo, havia pouco interesse em fixar o homem ao lugar, porque as pretensões portuguesas e espanholas se voltavam à depredação das riquezas que acharam aqui, a preço zero. Com o passar do tempo, no entanto, sobretudo no século XX, as políticas adquiriram outras conotações. Após a Revolução de 30, o Nordeste despertou para o seu real papel histórico.

No Cariri, nos dias atuais, há motivos de se acreditar numa outra realidade sociológica, dentro dos mesmos motivos de que núcleos interioranos, espalhados pelo Nordeste, ganharam impulso inquestionável de autossustentação, quais Feira de Santana, Petrolina e Juazeiro da Bahia, Garanhuns, Vitória da Conquista, Arapiraca, Campina Grande, Caruaru, Arcoverde, Imperatriz, Montes Claros, Araripina, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, dentre outros. Esse fenômeno, deste modo, supera a fase do homem caranguejo, definida por cientista Josué de Castro ao classificar a insistência dos habitantes das Américas em permanecer no litoral, de onde seria mais fácil retornar ao Velho Mundo.

Disso conclui-se a observar os indícios positivos, sob os mais variados ângulos. Se não providenciamos ainda uma agricultura adaptada ao tempo e ao campo regional, alguma indústria aqui se desenvolveu com ganas de sucesso, qual o pólo calçadista, ourivesaria, confecções, extração mineral, cerâmica, mecânica, etc. O comércio avança, sobremodo na cidade juazeirense, reativado em períodos certos pelas romarias constantes. Os serviços se expandem através da educação, no surgimento acelerado de novas escolas de níveis médio e superior, concedendo instrução à juventude das cidades, em um círculo de 200 km, dos estados fronteiriços. A Universidade Regional do Cariri torna-se uma fonte inesgotável de formação, matriculando para mais de 6 mil alunos em doze diferentes cursos de graduação.  

Itens consideráveis podem vir à tona, quando avaliarmos tais estimativas. O Cariri de hoje, com relação ao de 50 anos atrás oferece justificativa do avanço consignado em termos. 

A personalidade da sua gente ganha, a cada dia, mais firmeza. Possui uma cultura autóctone que se impõe noutros centros quais valores de rara possibilidade, tanto no País quanto no exterior.  

Portanto, nada de alimentar ondas de pessimismo quanto ao deslanche das nossas vocações antropológicas. Cotemos diversificados setores e encetemos esforços a fim de realizar trabalho determinado em prol dos objetivos aonde queremos chegar. Precisamos saber aplicar as energias de que dispomos para criar clima favorável ao crescimento de novas ideias e empreender as iniciativas políticas, econômicas, financeiras, tecnológicas e culturais ao dispor da gente altiva desta parte do globo e viver a plenos pulmões a beleza da região tão promissora que herdamos para viver feliz.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Chega de ansiedade

Nas outras dependências criadas dos distintos criadores de mitos, os humanos também praticam o excesso de apego que lhes prega nas cruzes da face velha do Planeta, sem querer largar o osso e partir rumo de novas práticas do desconhecido Universo. Já são tantos aparelhos de fixação do homem ao solo das manias, que a indústria tecnológica trabalha mais do que todas as outras desse mundo artificial. Vemos não raro o movimento dos finais de expediente e pessoas apressadas de chegar em casa a fim de ver novelas, filmes gravados, responder e-mails, telefones, que isso tudo virou bicho de cria. Enquanto a mídia restringe notícias àquilo que retrata o maior apelo sensacional, as guerras, os desmandos públicos administrativos, as tragédias ecológicas, fracassos empresariais, epidemias, assassínios, extermínios, prisões, etc., porque gera divisas e inexiste espaço a temas construtivos. O alimento da raça ora se prende à desgraça alheia, sujeito chegar no terreiro de casa e inundar o panorama. Virou, mexeu, morre um ídolo, prato cheio das divulgações que preenchem o tampo das memórias e logo ficam atrás, na ânsia incontida dos repórteres caçar presas atuais nos campos da luta, nas encruzilhadas e destinos. Idos de 60 e tínhamos em Crato jogral que declamava poemas do Modernismo brasileiro. Vinícius de Morais. Cassiano Ricardo. Manoel Bandeira. Carlos Drummond de Andrade. Raul Bopp. Menotti del Picchia. Jáder de Carvalho. Dentre outros nomes da literatura nacional. A característica do grupo era texto de Bertolt Brecht: É um tempo de guerra, é um tempo sem sol. Sem sol, sem sol, tem dó. Sem sol, sem sol, tem dó. A gente entrava cantando e declamando os versos do poeta alemão; só depois iniciava os poemas. Hoje lembro isso quando chego, nalgumas horas, a pensar que a gente ainda vive aquele mesmo tempo de guerra e sem sol. À busca de achar sentimento na experiência desgastada do povo, os equipamentos determinam seja assim. Rever os quadros nefastos e mudar as tintas, as telas, os meios de comunicação, o conteúdo dessas máquinas tão avançadas e que ainda servem de argumento do atraso dos habitantes da Terra. Mas nisso revejo os dizeres da multidão silenciosa, de nunca é tarde para um dia ser feliz.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

O buda de ouro

Vezes acontecem de ler algo e sentir vontade de que haver mais gente por perto que também pudesse usufruir daquela oportunidade, na reação de querer contar a mais pessoas o que chega ao nosso conhecimento. Vem forte a intenção de passar adiante, isto com as nossas palavras o que se acabou de ler. Creio vir disso as comunidades narrativas dos contadores de histórias, dos livros, dos filmes. E é isto que agora faço com este conto oriental que acabei de ler:


Uma devota providenciara a confecção de nova imagem de Buda em madeira de lei que revestiu de ouro com extremo zelo. Depois de pronta a relíquia, trouxe-a somou ao santuário da família onde havia outras imagens do grande místico. Dali, sempre quando prestava culto ao acender incenso observou que as emanações da fumaça circulavam em torno das demais peças, servindo sem discriminação a todos os budas do altar. Contrariada, no entanto, a senhora desenvolveu por meio de chaminé especial que o incenso apenas contemplasse seu buda dourado, a imagem de predileção. 

Transcorridos meses e meses das oferendas, qual surpresa resultaria do cuidado exclusivo, só o buda aquinhoado na dedicação particular da devota restaria enegrecido e menos destacado entre todos eles. De tanto a dona envolver sua bela aparência nos novelos da fumaça, produziu fuligem suficiente ao completo escurecimento da estátua motivo inicial das maiores adorações.

Essa história que traz à tona o quanto excessos deste mundo sujeitam ocasionar, onde muitos correm na procura de destaque e pontos de vista pessoais, a querer ofuscar quem merece chances iguais. O próprio tempo resolve o impasse desses dramas, face à justeza dos acontecimentos. Quanto maior a subida, maiores quedas em consequência.  Quem tudo quer, tudo perde. A quem muito é dado mais será pedido, medida justa dos compromissos e das responsabilidades de que seja investido. 

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Procissão em Cusco

Princípio bem frio de noite e regressávamos ao hotel depois doutros passeios aos sítios arqueológicos incas das imediações da cidade, quando o trânsito corria lento, quase parando, devido a uma procissão que deslizava suavemente pelas ruas principais de Cusco. 

Descemos do ônibus a algumas quadras, trazendo as bagagens utilizadas no dia. Bem defronte do hotel prosseguia a procissão. Quanto louvor à Santíssima Virgem ali presenciei, em contraste à cultura de antigamente do lugar conquistado a duras penas. 

Viéramos a pouco de ruinas do passado pré-colombiano e nos deparávamos agora com a tradição europeia da colonização em culto veemente às tradições do Velho Mundo ali transpostas pelos séculos de predomínio. Revivescência da Europa distante, revelava o espírito das eras na face mestiça a conduzir andores ao lado de sacerdotes católicos em ibéricas feições. 

O ritmo cadenciado da banda militar, seus metais, sopros, couros, em passos harmônicos tangia o séquito sincopado, ao perfume de incensos de turíbulos sacudidos às mãos de coroinhas vestidos à moda da Igreja dos tempos clássicos. Moços estudantes de ternos iguais, a portar escudos de educandário no bolso, agasalho necessário à temperatura quase a zero grau. Ícones, castiçais, batinas, paramentos, flores, movimentos, cânticos sombrios, vozes soturnas, veemente dedicação aos segredos universais da fé. Pura leveza de arte eclesiástica original imbuia de reverência àqueles valores rituais das primeiras consciências do que seja a religião romana; e sozinho, diante da porta do hotel, permaneci por longo tempo, inebriado de embelezamento.

Beleza, pura beleza mística, tocava as regiões internas da alma, lembranças dos inícios das noites do interior brasileiro, longe, na dedicação religiosa da Ave Maria tão surpreendente lá depois da Cordilheira dos Andes, profundidades dos pagos peruanos e seio original do Império do Sol. 

O fervor intenso daquelas pessoas em filas ordenadas fazia imaginar presenças de poder no Deus daquela gente, tons de imortalidade, sentimentos, enquanto demorei só o tanto suficiente a deixar as que também me envolvesse até chegar de volta aqui e narrar em poucas palavras a emoção de um dos  detalhes inesquecíveis dos quantos fora toda a longa viagem.