quarta-feira, 29 de abril de 2015

O dever da alegria

Andar pela cidade, olhar e ouvir falar do clima, da carestia, das filas quilométricas, barulho, violência e outras apreensões, traz à lume esperanças gastas de tempos idos, quando a epopeia humana machucava os lugares, parecidos com os que hoje existem, mas antigamente. Sempre será o que sempre foi se assim nos parece, porquanto personagens e dramas se encontrarão no palco empoeirado de semanas, meses, anos, nas florestas ou nas praças, nas ruas. Civilização vem, impera e passa pelos corações das criaturas. Vão de volta pelos corredores, e chegam novos contingentes de guerreiros e santos.

Nisso, diante do cenário de horas e séculos, surgem mães, crianças de colo, pais jovens, risos leves, festas, música, sonhos, noutros quadros da natureza que nos tocam os sentimentos, dosando lousas por vezes escuras de lápides ou salas de aula. 


A insistência maior toca dizer que o dever da gente é sustentar a alegria, apesar dos pesares, a todo custo. Trabalhar a insistência das transformações nos destinos, pois crises houve na voragem que aqui tocamos, caravana independente do pessimismo de quantos. 

Se há palavras de ordem que precisam expandir a revolução permanente dos seres, devem contar melhores dias que aguardam as gerações. Manter firme a vontade de ver novas estradas abertas aos acontecimentos, fora o sensacionalismo perverso que, nalgumas ocasiões, parecem querer transbordar o rio da paz, na alma das famílias. 

Ninguém consciente negará as limitações da espécie, porém a criatividade predominará face aos extremos da desventura. Na aventura dos povos, escrita a ferro e fogo no chão deste Planeta, tramas cruzaram os mares e aqui rumamos aos objetivos do que, na verdade, podemos ser um dia. Entregar o direito de ser feliz, jamais. Apoiar causas de dor e repressão, destruição e maldade, nunca. Apenas o bem prevalecerá, visto contar a existência definitiva do Amor. 

Discurso que vem ao teto da imaginação significa isto, o sentido único de realizar planos de sucesso na viagem dos minutos. Senso de realidade que prevaleça, pois, ordenando o que somos em forma de semeadores do futuro, luzes a favor da fraternidade e das novas possibilidades que valem a pena viver e auxiliar tantos que necessitam de nós a qualquer momento. Tempos passam e a Eternidade continuará vigorosa bem na alma das pessoas. 

terça-feira, 28 de abril de 2015

Homenagem ao desenhista Audifax Rios

Dia 26 de abril de 2015 foi quando desapareceu Audifax Rios, desenhista cearense de marcantes traços, ilustrador emérito de inúmeras publicações de nossos escritores em jornais, revistas, livros, numa produção inesgotável e admirada por muitos. 

Audifax nasceu em Santana do Acaraú em 17 de abril de 1946, filho dos escrivães Antônio Sales Rios e Rita Moreira Rios. Cursou o primário no Educandário Santana, o ginasial no Ginásio Santanense e o científico no Colégio João Pontes, em Fortaleza, onde ingressou na TV Ceará, em 1965, como cenógrafo. 

Colaborou nos jornais Unitário e Correio do Ceará com textos e ilustrações, desde cedo demonstrando a originalidade do seu talento, indo logo trabalhar em diversas agências de propaganda como diretor de arte. 

Em três gestões consecutivas, desempenhou as funções de Secretário de Cultura de sua terra natal, seguindo, nesse meio tempo, o exercício do jornalismo, na qualidade de correspondente do jornal O Povo, órgão em que manteve durante longo tempo uma crônica semanal. 

Ilustrador de reconhecida competência, foi parceiro, dentre outros, de Dideus Sales, quando assinou desenhos em livros e discos. Outras participações: na revista Gente de Ação, Canto da Iracema e editou o número zero do almanaque DeUmTudo. Na área das artes plásticas: exposições, coletivas e individuais, destacando-se duas deles sobre a Guerra de Canudos (Canudos não se rendeu e Espinhos de Belo Monte), realizadas no Ceará e na Bahia, e Louvação do Jangadeiro, em Brest, França. Expôs também no Vaticano durante as comemorações do jubileu de ouro das Irmãs Filhas de Sant’Anna. Publicou diversos livros, entre eles a trilogia Memória do Encantamento (Os búfalos de CampanárioMigalhas para as serpentes e Voe comigo quando desmorrer). Editou, ainda, folhetos de cordel e livros infantis. Criou aberturas para os filmes de Rosemberg Cariry: O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto e A saga do guerreiro alumioso. Concebeu selo postal para a ECT sobre o centenário do fim da Guerra de Canudos, como também cartão telefônico (Telebrás) sobre o mesmo assunto. Era membro da Academia de Associação Cearense de Imprensa e secretário (Chiqueirador) do Clube do Bonde e membro honorário da Confraria Chapéu de Couro.

Audifix Rios manteve estreitos laços com o Cariri, apreciador de nossa cultura, onde preservou sinceras amizades. Nesta ocasião, em nome do Instituto Cultural do Cariri e do Memorial da Imagem e do Som do Cariri, aqui registramos o acontecimento de sua morte física, enquanto apresentamos aos familiares e amigos do artista sentimentos de apoio e solidariedade.




Força da vontade

O poder da constância nos propósitos canaliza a direção, com disciplina e afinco, e ordena isso que chamamos força da vontade, capacidade que os animais desempenham por vezes como melhor sapiência do que a gente. Observar os bichos na cata das presas demonstra o quanto de dedicação permite a natureza que eles encontrem diante da sobrevivência o suficiente a encher a barriga antes de chegar às furnas da noite. Pé ante pé, utilizando instrumentos ainda pouco reconhecidos pelos humanos, saem à busca do sustento. Enquanto nós só aos poucos aprendemos utilizar o valor que possuímos em termos de organização pessoal dos recursos cerebrais, critério dos irmãos das outras espécies que alia pensamento e instinto; sentimento e pensamento, em nós.


A ineficiência da concentração dos pensamentos e atitudes gera desordem no caos, vezes raras a exercitar a energia da vontade do lado contrário, no desenvolvimento das próprias ações. Querer e não querer ao mesmo tempo demonstra essa imprudência de pouco desejo naquilo que se pretende. Pisar dentro e fora, correr em círculos, dificuldades nas intenções, nas decisões, nas escolhas, modos diversos da fraqueza que empobrece o ânimo tantas e quantas ocasiões.

Diante da potencialidade que dorme no seio da existência, razão das transformações vividas cada instante nos ramos da ciência e da sociedade, alimenta civilizações com esse condão que repousa lá no fundo de nosso peito, em pleno direito das nossas convulsões, motivo da esperança nas possibilidades futuras da raça que ainda não passa de graveto no mistério do desejo. Saber trabalhar quanto dispõe a inteligência e querer reunidos em bloco indivisível significa, por isso, a renovação de tudo, contudo.

Quando a imaginação revelar aos seres humanos a praia da consciência e sintonizar o pomo dos mares bravios da lucidez em melhorar a todos nós, visão dos mais sábios e cientes virá do sol das coletividades, realização de sonhos verdadeiros, morada de amor eterno da paz e da felicidade.

Dizem os filósofos que perfeição só existe no mundo das ideias (Platão), berço dessa maturidade em germinação. Os indivíduos, pois, representam pequenos átomos do plano fabuloso que apenas dormita no coração de cada um, fase latente dos projetos definitivos. Matriz do mais que perfeito, o tal processo em fertilização na vontade, eis a força imortal da construção de tudo.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Do ofício de escrever

O desafio maior de quem escreve é a distância imediata entre os que produzem os textos e quem, num plano eventual, depois os leem, porquanto a solidão da escrita não permite respostas prontas daqueles leitores hipotéticos. Daí, o gesto virar mania esquisita, dessas inexplicáveis a que se acham sujeitos indivíduos desses tempos de pessoas afastadas, no labirinto social do mundo moderno.


Mas mesmo assim alguma coisa fala dentro da gente, possível de chegar aos outros, na civilização instrumental de letras, registrando, documentando, transportando nas palavras conceitos, experiências, histórias, geração a geração, reserva de constantes tipos. Consegue-se, após a invenção da industrial, preservar milênios de literatura. 

O que pensou alguém há milhares de anos mantém-se intacto pela maravilha da arte literária, a trazer progresso à humanidade inteira.

Enquanto que não se sabe de artistas viverem a fomentar guerras, fabricar armas, gerar discórdia. Artistas sonham. Amam. Artistas nutrem idéias, utopias, realidades tangíveis. Não lhes cabe produzir bombas, metralhadoras, aviões de combate, tanques, fome, divisões.

Na Grécia Antiga, já havia essa preocupação de desenvolver, pela estética dos textos teatrais, o senso de observação, a consciência espiritual, verdadeira, sensível, treinamento de habilidade às coisas míticas, invisíveis, e com isso permitir a compreensão das luzes do coração. 

Hoje, ao seu tempo, a literatura propicia trabalhar a ciência rumo ao potencial da infinita criação, transformarmo-nos em seres válidos, amigos, irmãos entre os humanos, a fim de construir sociedade nova, justa, sem ganância ou competição exacerbada, livre dos atuais derramamentos inúteis de sangue.

Tudo isso, pois, perpassa o senso do estético e faz-nos disponíveis às constantes mudanças de inspiração. E sentar e transferir valores dignos, naturais, democráticos, de que é possível partilhar o amor, dando testemunho da solidariedade no que pesem as lutas insanas do cotidiano. A arte qual mágica de sonhos realizáveis, pela força vital, ao pleno dispor da Natureza, abertos ao pleno vigor do grande público, em profusão de cores, sons e harmonia.

O homem jamais justificará, pois, alienações face ao desprezo do mundo, museus sem paredes, no dizer de Marshall Mcluhan. Para onde se voltar, depreende materiais originais, suficientes ao processo amplo do conhecimento, na medida certa dos tantos graus de consciência, ritmo consistente da evolução por meio da cultura alfabetizada.  

domingo, 26 de abril de 2015

Um ideal possível

Observar os cenários atuais, tanto do ponto de vista local quanto mundial, faz ver que atravessamos, na história humana, período de intensa gravidade. Dizemos isso ao notar as atitudes materialistas nos negócios e países, em políticas de dominação de seres humanos relegados a plano secundário na ordem das coisas quais massas de manobra para produzir e consumir bens e gerar lucros, submetidos aos poderosos, em todos os quadrantes. 

São modelos que privilegiam capitais em detrimento das práticas sociais, onde Estados detêm setores econômicos prioritários, os quais, de um dia para outro, se transformam em patrimônios particulares por força da política mal versada. Dessas e de outras mudanças extremas advêm conseqüências que empenam toda a sociedade.

Na verdade, os sintomas correspondem, na banda crítica, ao que se previra nos planos econômicos trabalhados no sentido que realizam. Entretanto aqueles esperados frutos continuam distantes, esperanças dos sonhados melhores dias. E nesses tempos cinzentos o que aparecem são os milhões a reclamar de uma lideranças compatíveis aos anseios de real desenvolvimento. 

Eis, por isso, o quadro onde se denota percentuais elevados de pessoas a viver abaixo da linha de pobreza, sem dispor do mínimo em termos de moradia, saúde, educação, segurança, profissionalização, dignidade. A própria sociedade precisa rever os métodos de ação, buscar coragem moral e vontade política que desmanchem os equívocos do passado e do presente, na escolha de novos dias, o que também passa pela união das classes através da consciência de que todos somos irmãos vivendo na mesma casa. 

Abalados, desapareceram muitos daqueles impérios; mas persistem os princípios universais ainda não concretizados na prática. Guardemos no íntimo a resposta às dores sociais, no senso do viver justo, na busca da mentalidade honesta. 

Crescemos em número; agora cresçamos em qualidade, perfeição que passa longe do simplório conforto material das posses, da influência e do prestígio; do poder das armas, das conquistas coloniais menores. Justiça social, eis o outro nome da propalada Solidariedade.              

sábado, 25 de abril de 2015

Curas musicais

Certa vez, na década de 80, encontrei Luiz Gonzaga numa loja de móveis, em Crato, quando pude escutá-lo falar algumas coisas sobre o poder de curar que tem a música, guardando, dessa ocasião, as duas histórias que agora escrevo.

Transcorriam os anos de ouro da Rádio Nacional do Rio, a cujo cast pertenceram os maiores talentos da  música brasileira daquela época; dentre eles se inseria Gonzaga. Aos domingos, havia programa noturno da mais ampla audiência. Numa dessas ocasiões, o nordestino foi procurado por Netinho, trompetista que fazia parte da orquestra da emissora, a lhe dizer que estava com um filho enfermo, vítima de problema grave, o qual a medicina não conseguira diagnosticar. Por ser o garoto fã incondicional do Rei do Baião, queria o pai fazer-lhe uma surpresa e convidava o músico a visitar sua residência. 

De pronto, Luiz aceitou o convite, oferecendo, inclusive, seu automóvel como transporte para, tão logo concluíssem o trabalho noturno, seguirem até o bairro afastado onde residia a família do colega, assim, ocorrendo. 

Chegados à casa, o cantor, munido da famosa sanfona, se dirigiu aos aposentos da criança, que feliz pode ouvir as  músicas de sua preferência interpretadas pelo próprio ídolo.

Quase em seguida, para espanto de quem presenciava a cena, o menino, antes tomado por intensa febre que lhe prendia ao leito, esboçou imediata recuperação e, já na despedida, levantou-se, indo à porta, de todo refeito do mal que se vira acometido.

Ocorrência semelhante também se dera, de acordo com as palavras de Luiz Gonzaga, numa visita que ele e dona Helena fizeram a amigos, na cidade fluminense de Macaé. 

Tratava-se de casal de origem sírio-libanesa, estando o esposo a passar momentos difíceis por causa de doença incurável que lhe roubara o entusiasmo de viver. Informado da ocorrência, pouco antes do show que faria na cidade, Lua decidiu ver o amigo, indo a sua procura, mesmo sabendo que seria mínima a demora, dada a programação prevista. 

Depois de efetivada a deferência, seguiu em busca do compromisso, onde um grande público lotava a praça principal, esperando os acordes inesquecíveis do menestrel.           

Da hora em que saíra da casa do amigo até aquele instante não se passara muito tempo. Achava-se nas primeiras músicas da apresentação, entoava o Baião da Penha, quando percebeu algumas pessoas abrirem caminho no meio da multidão, oferecendo espaço a um automóvel que rumava na direção do palco. Nele vinha, junto da esposa, o dito senhor que Luiz Gonzaga há pouco visitara; aproximando-se, foram alçados ao palanque, onde permaneceram no decorrer da grande festa. Depois disso, conforme o relato daquele que protagonizou o ocorrido, desapareceram de todo e para sempre os sintomas da enfermidade e o amigo pode sadio viver ainda muitos anos.

Amigos caçadores

Eram amigos assim reconhecidos por todos. Aonde um fosse, o outro acompanhava dentro da maior sem- cerimônia. Até namorada conseguiam uma perto da do outro, facilitando a viagem. Isso coisa de causar pasmo como podia ocorre nesses tempos de tanta desunião.

Nos projetos, passeios, caçadas, no que fosse lá seguiam eles. Essa aventura que vamos contar verificou-se entre os tais amigos, e desta forma aconteceu: Uma onça pintada vinha dominando as cercanias, exterminando rebanhos inteiros de criação qual flagelo devastador. Certo dia, os proprietários reunidos trataram das providências. Convocaram os caçadores da redondeza, ofertando meios de trabalho e boa gratificação a quem desse cabo do medonho felino. Sem dúvidas que os dois amigos encabeçavam a lista de justiceiros.

Numa madrugada escura de inverno, buscaram, com outros, a mata fechada onde pululavam marcas da nefasta presença; antes do sol subir, iam na dianteira, por cima do rastros quentes vivos notados logo no começo da trilha que tomaram. Daí seguiram firmes no encalço da gata, por cima de lajedos, folharia, garranchos, animados ao esperado confronto.     

Quem procura acha, diz o povo, e toparam com a presa, numa clareira espaçosa, ponto ideal em que o perigo faz evidência. Não se pode determinar qual dos dois o mais ligeiro ao instante de fugir, contudo, na surpresa, foi esse quem conseguiu trepar na única árvore das proximidades, deixando atrás espingarda, cartucheira, bornal, cantil, alpercatas, chapéu e o companheiro; saíra-se mais rápido que sabugo de milho seco em boca de moageira. Um arraso de vexame.

A fera achou fácil fácil perseguir o que ficara embaixo. A esse coube esperar pela sorte, coisa exclusiva de fazer; entregou o corpo ao chão, colado, teso, e aquietou de tudo, retendo a respiração. 

Veio a onça e escutou de perto, bem de cima, rodeou a marmota, calculou o estrago, tomou chegada e fuçou-lhe o pescoço e a cabeça, na altura dos ouvidos; o caçador achava-se muito mais morto do que vivo. Três minutos eternos se seguiram até que o animal resolvesse ir embora sem causar danos.

Passado o pior, desceu da árvore o que nela subira. Ainda batia a poeira das calças, quando lhe deu querer saber do companheiro o que a pintada ao ouvido lhe dissera, talvez a pretexto de quebrar o gelo que restava da ocorrência. E o outro não esperou maiores chances para expelir seu desencanto:

- Ela me preveniu que antes de sair nessas empresas arriscadas eu aprendesse a escolher melhor com quem me acompanhar -, e, desse modo esclarecendo, partiu sozinho a fim de completar o serviço.             

Conversa de engenho

As sombras longas do fim de tarde casavam bem com o clima morno que se estabeleceu no beco entre a casa grande e o engenho, onde, acocorados, os homens da moagem ouviam atentos as narrativas do cigano Lourenço a propósito de seus sonhos e andanças pelo mundo, embalados na zoeira festiva da meninada a correr em volta, agitação natural de quem aceita as coisas e nelas se integra.

Fez-se no ar apito estridente do locomove ao término da jornada, liberava no eito a turma dos cortadores de cana, enquanto os ouvintes estiravam na distância o sentimento para buscar a vegetação do outro lado da represa o voo suave das garças silenciosas, salpicando de brancas reticências o azul metálico da tarde em declínio, por cima de troncos calcinados das carnaubeiras; palmas tremeluzentes e ruidosas. O vento, por seu turno, escamava as ondas e distorcia a imagem das nuvens no leito do açude velho.

Palavras e aves do entardecer raspavam de leve os chapéus de palha dos caboclos, retorcidos pelo sol e manchados de suor, noturna sensação de abismo que entorpeceu os ânimos, alguns a esfregar os olhos no canto dos dedos, qual querendo despertar de sono pesado e guardar com esforço o que ouviam.

Lourenço pôs-se de pé; catou as cordas dos burros e bateu-lhes nas ancas, tangendo-os ladeira abaixo na direção do reservatório. Meio caladão, tinha desses instantes de ficar sem saber explicar direito o porquê de se chegar naqueles assuntos graves, novidades antigas do interesse de quase ninguém e necessidade eterna dos mortos e vivos. Saber para onde se vai depois, quando acabar isso daqui.

O focinho dos animais, na calma das águas, ia desenhando movimento de ondas sucessivas, chamando a atenção do viajante para o sentido que tomavam, indo quebrar nas margens de pedra e argila ou se faziam mais extensas e rumavam para longe, no leito das águas profundas, oscilando a babugem esverdeada e as moitas de mofumbo adiantadas no lodo, quebrando o repouso das rachanãs e galinhas-d’água.

- ... Muitas oportunidades individuais - repetiu baixinho as derradeiras palavras de há pouco, querendo gravar, qual saíssem de outra boca que não a sua. 

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Aprender consigo mesmo

Ainda que houvesse a intenção de pensar diferente, todo conhecimento que chega passa pelo crivo da razão. Nisso se admite ser professor particular em qualquer situação.

O jeito de explorar as lições, no entanto, obriga a eleger variados mestres nos mais diversos campos da existência. Quantas e tantas vezes recusamos o ensino de companheiros de jornada, e isto porque o orgulho pesa mais do que o bom senso, na maioria das vezes. 

Em momentos quando pessoas menos cotadas nos impõem aulas de humildade, subimos nos cascos e revidamos, em gestos de furor e agressão. Pois receber conhecimento reclama simplicidade, bem longe dos gestos humanos comuns.

As chances de crescer, por seu turno, param de aflorar à frente dos passos de ser dono do nariz. Mas as histórias apontam deveres difíceis, trágicos, para quem se acha maior do que o tamanho e superior à proporção das circunstâncias. Porquanto a vida é um livro aberto, sujeito a determinações além dos caprichos adquiridos com o passar do tempo. 

Imagina-se ir construindo o futuro apenas raciocinando, deixando de lado os valores que não coincidem com interesses imediatos. De modo algum isso demonstra sabedoria. As ondas vêm agressivas e subjugam no chão os mortos comprometidos na ignorância dos que pretendem dominar o destino.

Aprender com os solavancos do caminho força a botar sempre as orelhas em pé, a barba de molho. Os colégios repassam saberes tradicionais, técnicos, adequados ao trabalho da sobrevivência. Contudo os mangues da história falam de outros aprendizados que cada indivíduo isolado é capaz de guardar, no decorrer das surpresas.

Jamais contar o número de oportunidades quando a dor ensinou a gemer, nas paradas deste mundo. Aprender na própria pele. O desengano da vista e furar os olhos. Abastecer no voo as naves do futuro. 

Por conta de tudo o que se cogitou no decorrer do tempo de séculos, as práticas da sociedade humana só permanecem à flor da água, livres e inesperadas, a produzir leis até então desconhecidas. 

A todo instante, coisas novas resultam esses aspectos desconhecidos, nas prateleiras, nos subúrbios perdidos da falta de assistência dos governantes vaidosos e das educações de gabinete. Todavia há de olhar de frente os saberes da rua, que merecerão espaço amplo nas barcas gordas do poder.

(Ilustração: Autorretrato de Michelangelo).

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Três fábulas

Quero falar a propósito de Loqman, consagrado autor de fábulas árabes, conhecido no Ocidente desde o século XVII, quando traduzido, na Europa, em 1615, por Erpenius.  Existem considerações de que algumas fábulas consideradas suas pertenceriam mesmo a Esopo. Enquanto algumas desse autor grego seriam dele, Loqman.

Eis a primeira, O leão e os dois bois: Lá numa jornada, dois bois se toparam com um leão faminto, que lhes agrediu sem dó nem piedade. Porém os bovinos demonstram força de sobrevivência, dotados de amolados dentes e outros equipamentos valiosos, no que levaram a melhor, vencendo o rei dos animais. Perdido, o leão propôs um pacto aos bois, que dali adiante exercitaria amizade em quaisquer circunstâncias. Tempos passados, no entanto, os bois, confiantes na seriedade do acordo, esqueceram de andar juntos noutras viagens. Resultado, em duas vacilações serviram de repasto ao leão.  Na avaliação do autor: Esta fábula no ensina que se duas cidades se entendem, elas podem sustentar valentemente a luta contra o inimigo. Se se desentenderem, sua sorte está marcada: sucumbem.

A segunda fábula dá conta de um veado que adoeceu e haja amigos vindos de todo canto a visitá-lo. Com presença da multidão dos visitantes, a vegetação que existia em torno da casa do enfermo tendeu a sumir com as refeições de tanta gente. Dada a solidariedade recebida dos amigos, sim, o animal restabeleceu a saúde, contudo, logo depois, ao buscar alimento nas imediações, nada restara para manter o seu sustento. Diz Loqman: Mais se tem parentes, mais se tem inquietudes.

E a terceira dessas fábulas, O leão decepcionado. Nela, ao buscar as sombras de uma caverna, um leão se viu surpreendido por lagarto ligeiro que subiu ao seu pescoço, e que, por mais quisesse, não avistava o bicho enganchado às costas. Olhava de todo lado e não via. Esboçava até algum pavor quando chega à caverna uma raposa, que ri da situação do rei e explica o que ocorrera.

- Eu não tenho medo de lagarto, mas o que me enfada é a sua insolência - o leão se justificou, - e o pouco respeito que ele me tem.

Esta fábula nos ensina que às vezes o desprezo faz sofrer mais do que a própria morte, afirma Loqman. 

terça-feira, 21 de abril de 2015

Meteoritos

Querer, sim, e visto querer, as dores cresceram de dentro para fora, numa vontade firme de descobrir, intenso e real, o amor entre os seres. Ela e ele atingiram o instante quando o coração não pode esperar melhor ocasião; só viver febricitante a expectativa de unir corpos felizes.

A barra da madrugada reunia neles essa aura luminosa, enquanto olhos ardentes lambiam, um no outro, furor descomunal de quem saboreia o sabor gostoso de pão quente à beira da estrada do sonho.

Os dois, aflitos no desejo intenso, entregaram na brisa as faces pelo quebra-vento todo aberto; sol a cingir-lhes de ouro os cabelos, junto de ondas fogosas a sacudir o mar da vontade. 

Longe, no horizonte infinito, a presença do Poder, nuvens brancas a repassar cenário diante do azul que emoldurava as imortalidades no calor dos corpos unidos através de amor sincero, puro.

...

Conta tradição dos muito antigos que vivêramos distantes, lá na constelação de Cocheiro - onde três planetas chegaram a estágios de tecnologia e destruíram suas civilizações numa guerra trágica. Visto inexistir coincidência, era a época própria da colheita, naqueles povos remotos. Desse conflito ocorreria profunda reviravolta, pois os tais planetas passaram a novos estágios de mundos evoluídos, e seus habitantes restaram submetidos por seleção obrigatória aos ditames da Justiça superior; os espíritos que obtiveram o Conhecimento maior herdaram aqueles mundos.

Os outros, exilados na sorte do merecimento, vieram trazidos a novas oportunidades neste lugar de nível moral ao que viver e perder, pois não souberam bem aproveitar, para aqui continuar sua evolução nas raças ária, egípcia, judia, asiática. 

A tradição guardada nas lendas afirma e acrescenta a história dos momentos vividos, agora no chão da Terra, em via de profundas transformações siderais, trânsito expiação e provas a mundo de regeneração.

...

Veloz a percorrer o espaço entre a casa, o paiol e a meia-noite, um risco no céu mostra a presença dos visitantes.

O inverno trouxera características diferentes; se apresentara com noites frias e agradáveis, promessa de sono tranquilo aos que mantivessem a paz na consciência vindos leves aos lençóis.

Um bólide pousa quieto, silencioso. Dele descem criaturas longe dos padrões do que chamamos humanos em termo de gente, todavia estabelecidos nas duas pernas, dois braços, tronco, cabeça, ritmo, equilíbrio e algumas notas mais pouco divergentes. Silenciosos pegaram os dois amantes pelo braço e os conduziram. Viagem solene iniciava, ocorrência superior. No íntimo, homem e mulher aguardavam a providência; às estrelas, plenos de amor, a semente do futuro.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Afetos

Algumas considerações quanto a essa vontade poderosa de dominar o outro e prevalecer todo tempo numa região invisível de sentimentos em atividade, espécie de achar-se dono do amor graças à conquista das simpatias, o domínio que acontece desde que o mundo é mundo e o homem é macho... Daquelas histórias do tempo das pedras, o manda à força e conquista na marra. Investiu, arrecadou, emplacou favorável, ganhou as graças e oficializou a relação. 

Um processo vida de amores, isso dos romances clássicos, dos reis e suas concubinas, que dominava a sociedade humana, a base da família, a exigência do respeito entre os casais, o zelo pelo prosseguimento da boa ordem social. Quando definidos os quadros da formação dos grupamentos, evitar cruzamento de linhas e invasão da privacidade alheia representou salto interplanetário entre as criaturas humanas. A barbárie de tomar o fôlego dos parceiros, nas guerras e tramas dolorosas, achou melhoria de definição já bem perto daqui no tempo, monoteísmo judaico, que chegou definindo os critérios. Até a lapidação sofriam as mulheres que desmerecessem os cônjuges, apesar do senso prático, eliminavam na pedrada as adúlteras.

Agora, noutra fase histórica, os costumes refletem a recoisificação da espécie, onde os corpos femininos resolveram largar nas vitrines a carne feito mercadoria a todo preços, desvalorizando a ética por meio de moral capenga, imposição de valores materialistas que distorcem sobremodo o jeito de agir das populações. 

Salve-se quem puder virou regra diante dos poderes da paixão libidinosa. As antigas conquistas de preservar o amor a dois tendem aos âmbitos religiosos, quando a moral corre os riscos dos tempos. Meios de comunicação impõem atitudes torpes a pretexto de lucrar no mercado consumidor.

O gosto de amar com platonismo, insistir na continuação dos relacionamentos através da preservação dos pactos originais da unidade e do sentimento puro, quais opiniões pessoais, exige sinceridade, limpeza de verdade no coração dos amantes. 

Formas mil de contingências, manter enquanto durar, aguardar novas oportunidades na roleta da sorte dos casamentos, das aproximações de individualidades, cinzas vagam aos céus da improvisação dos tempos nebulosos da gente dos humanos. 

domingo, 19 de abril de 2015

Saudades de si

Aquele eu que antes andara trocando pernas pelas calçadas deste mundo das horas a outro resolve lembrar suas estradas poeirentas, sumidas nos blocos cinza de carne e ferro guardados lá no céu da boca da razão, peito feito emaranhado de trastes velhos. Sede descomunal de saudades lhe invadiu a alma diante do momento metálico, pergunta extrema de saber aonde chegar algum dia destes, depois que laços da vida pedirem explicação de tantas irresponsabilidades com os corações alheios largados somente nas lembranças.

Ora então, e esse desejo insistente de encontrar as portas do momento e mergulhar mares a fora nos projetos de transformação. A marca forte da religião fervilhando o peito num pedido de explicação face à velocidade com o que a paisagem passou pelas telas da imaginação. O gosto saboroso de carinho persegue com isso a língua, procedimento químico de renovação das tecnologias. Perigos que voam nas ondas, folhas secas de árvores levadas ao furor da tempestade, olhos amolados de sonhos.

E a sucessão de quadros perfeitos perfura essa resistência de continuar pelas histórias persistentes, nos refolhos do amor de todos nós, olhos abertos ao transe imenso, espécie de esperança viva nos lençóis que nos aquecem. 

Os traços do eu que repete as necessidades do encontro consigo próprio todos os sinais bem claros do ser no íntimo da perfeição, ajustes inevitáveis da luz... Pequenos elementos aqui conversam nos ouvidos, paredes internas do organismo, e falam da coragem no ardor do sentimento, nas frases salgadas do quanto de bom resta conosco, tantos anos que sumiram e permanecem depositados no firmamento da tão nova consciência das pessoas com a elas mesmas.

Ninguém se perderá, pois, do âmbito eterno da felicidade, fagulhas luminosas de bons amigos e convicção de instantes harmoniosos, na ordem natural de tudo. Essa paz grita, portanto, com vontade nas entranhas da solidão que nos abraça e conduz ao sentido da inevitabilidade. Nisto, silenciosa, a boa música resume tamanha grandeza de realização do Ser.

(Ilustração: A incredulidade de São Tomé, de Caravaggio).

Festival de Inverno

Em julho de 1971, na companhia de Tiago Araripe, viajei para Salvador, ali permanecendo três dias. Cruzava pela primeira vez o Rio São Francisco rumo ao Sudeste. Da Bahia rumamos a Belo Horizonte e daí a Ouro Preto, onde permanecemos durante uma semana, época do Festival de Inverno, tradicional atividade de meio de ano voltada às artes e à cultura, reunindo gente de tudo quanto era lugar.

Levávamos carta de Figueiredo Filho a Antônio Pinheiro, cratense e diretor da Escola de Minas de Ouro Preto, que nos instalou numa das várias pousadas pertencentes à instituição, abrigo dos alunos no período letivo da escola.

Na antiga Vila Rica do herói de Tiradentes, nos reunimos com outros amigos de Crato, José Esmeraldo Gonçalves e Pedro Ernesto de Alencar, em plano de viagem adrede montado por Tiago.

A quem conhecia essa parte do Brasil apenas de livro, oportunidade melhor tornava-se rara. Tudo era novidade, nessa fase de intensas buscas existenciais ligadas a interesses políticos, psicodélicos, artísticos, no auge do movimento “hippie” de cunho mundial. O período Medici, no entanto, agia com força total, na fase mais repressiva dos governos militares.  

Enquanto isso, nós caminhávamos pelas ruas nubladas do Ciclo do Ouro, acesos na beleza inigualável do barroco mineiro, sua arquitetura colonial, capelas, igrejas, casario, altares ofuscantes de pedras preciosas, imagens, pinturas, monumentos externos. 

Ocorriam desencontros nas ações policiais pelas ruas e praças, impondo clima contraditório de medo entre os jovens que exibiam trajes coloridos, cabelos desgrenhados, batiam violões, pintavam, desenhavam, e viam-se proibidos de formar aglomerações ou realizar qualquer tipo de manifestação coletiva.

Nítidos paradoxos fervilhavam na quermesse de pessoas alegres, receptivas; causavam incertezas no ritmo festivos da aparente liberdade, quais lufadas de vento aziago no ar distante das serras friorentas.

Assim que chegamos, soubemos da prisão na cidade dos atores do Living Theatre, que, comandados por Julien Beck e Judith Malina, desenvolviam performances junto ao povo, espécie de vanguarda com proposta política engajada na realidade, em torno de idéias libertárias e contestatórias, os quais incomodaram o aparelho repressor, naquele momento preocupado sobremaneira com os desdobramentos do festival.

Logo em seguida, os vários artistas presos foram recambiados para Belo Horizonte, a fim responderem a inquérito por consumo de droga e atentado à imagem brasileira no exterior, sendo expulsos no dia 08 de setembro do mesmo ano; e, depois de um ano, absolvidos.

O festival de 1971 destacou na programação a figura do pintor de interiores das igrejas ouro-pretanas Manuel da Costa Athayde, gênio português motivo de cursos e mais cursos ministrados na ocasião, cujo trabalho somado ao do magistral Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa), entalhador e escultor do barroco luso-brasileiro, integra o destacado patrimônio da arte sacra no Brasil. 

Quando o termômetro atingia próximo da marca de 10oC, com possibilidades de menores temperaturas, deliberamos em qual direção seguir, entre Rio de Janeiro e Brasília. Numa das praças seculares do lugar, votamos os quatro membros do grupo e ganharam os que pretendiam conhecer o Rio, sendo que antes passaríamos por Congonhas do Campo, a fim de também visitar a bela cidade histórica que detém a obra principal do Aleijadinho, na Igreja de Bom Jesus de Matosinhos, acervo composto de 66 imagens esculpidas em madeira e os 12 profetas em tamanho natural, feitos em pedra-sabão, jóias raras do período colonial brasileiro. 

terça-feira, 14 de abril de 2015

Ele vive

(Não consegui visualizar sua mensagem Ele vive, mas deduzo que ELE é Jesus.

Ainda não fui eleito crente. Não consigo acreditar na vida eterna. Pelo menos, na minha. Os mistérios da fé não me foram revelados, ainda.

Gosto de guardar algumas observações sobre o assunto, feitas por santos e cientistas. O apóstolo Paulo disse: Se Cristo não foi ressuscitado, nós não temos nada para anunciar e vocês não têm nada para crer. (...) Se Cristo não foi ressuscitado, a fé que vocês têm é uma ilusão (...) Se Cristo não ressuscitou, os que morreram crendo nele estão perdidos.(...) Se a nossa esperança em Cristo só vale para esta vida, nós somos as pessoas mais infelizes deste mundo.  
E essa do grande Einstein, a ciência sem a religião é manca e a religião sem a ciência é cega.)


Boas e sinceras as suas palavras, o que bem refere o ânimo da busca. É que os mistérios da Natureza circulam por dentro de nós. O mundo externo só circunstâncias. Mas do que diz, há que haver uma revelação, independente tão apenas do nosso querer individual. Freud dissera que quando a necessidade de mudar é maior do que a necessidade de permanecer, isso significa a autoridade dos acontecimentos na determinação das nossas existências, no senso do mais que perfeito; e nós cuidamos de mudar, nos transformar.

O seu depoimento obtém êxito amplo no que respeita o desejo de que não é só assim inútil viver em um mundo que se acabe em nós. Voltaire argumentava que se Deus não existisse necessário seria que o criássemos. Pois vemos perfeição em tantas ocasiões e somente a gente de nada valer? No entanto há que haver o toque do Eterno, de acordo com a oportunidade exata do encontro com Ele, com Jesus em nós, pois aqui Ele vive e esperar que o aceitemos receber no coração. No texto que escrevi faz algum tempo, A Consciência é o próprio Ser em elaboração, quis abordar esse tema, assunto interno da própria pessoa (vide o blog www.monteiroemerson.blogspot,com).

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O risco das drogas

Dentre inúmeras transformações por que passou a espécie existe a facilidade com que hoje circulam a informação. Do dia para a noite, aquilo reservado a poucos lugares ganha ímpeto pela força da comunicação e vira artigo comum.

Hábitos demoraram séculos até circular o mundo. Meses, anos, séculos custavam quando chegaram técnicas industriais. Um exemplo, uso das drogas. A notícia mais antiga a respeito procede do Oriente, onde tribos da Ásia praticavam homicídios sob o efeito do haxixe, daí a raiz do termo assassino (aquele que usa haxixe, do árabe). 

Entendam-se como drogas substâncias ou produtos aplicados, ou administrados, que modifiquem o regular funcionamento do organismo. Algumas daquelas substâncias podem servir, em situações quando o corpo não funcionar a contento. Profissionais adotam profissionais seu uso nos chamados medicamentos, ou remédios, de atenuar dores ou a conter doenças.

Por outro lado, em muitas culturas espalhadas, há registros de uso indiscriminado de substâncias consideradas destrutivas do ponto de vista físico-psicossocial, ocasionando descompasso no seio das comunidades, destruindo a harmonia dos indivíduos, a boa ordem das famílias, razão de dramas sociais desagregadores e patológicos. 

Elas também sujeitam modificar o funcionamento do organismo, porém de forma descontrolada e imprevisível, o que causa danos e alterações, em especial ao cérebro. As drogas psicotrópicas provocam dependência, causando necessidade psíquica e/ou física, o que caracteriza vício.

No meio de agentes perniciosos se classificam o álcool, o tabaco, a maconha, a cocaína e tantos outros instrumentos de perdas e mazelas. Desde, sobremodo, os anos 60, por intermédio da comunicação industrial, que o mundo conhece hábitos antes de raro divulgados. Coube ao cinema, ao disco, à televisão, aos livros, ao rádio, revistas e jornais, meios modernos de informação, propagar as substâncias tóxicas no auge da cultura psicodélica.

De tudo, sobram agora incontestáveis lições que exigem respostas de toda a Humanidade. Jovens aprendem nos erros das outras gerações o cuidado de evitar atitudes danosas à saúde. As drogas destroem vidas e requerem esforços inestimáveis de cura. Números alarmantes falam disso diante do nível da criminalidade, e determinam firmeza dos povos a propósito, sendo que resta quase tudo a fazer na solução do grave tema, um drama coletivo ainda sem definição positiva. 

(Ilustração: Hieronymus Bosch).

Sob a pele das palavras

Pois existe um mundo que passa bem por debaixo das palavras, formado dos significados delas. Do jeito que há as ações e as intenções, do que é dito persiste algo oculto, nem sempre decodificado por quem ouve ou lê. Equivale a pensamento e sentimento. Máquinas fôssemos, as dos filmes de ficção, seriamos meros produtores de falas, e ponto final. Contudo percorre nas palavras o sentimento, que larga do universo de quem emite e chega a quem recebe, ocasionando o recebimento das mensagens.

Quando se lê ou escuta, ninguém mergulha o universo de que diz, mas, sim, o próprio universo. Ninguém lê ou escuta; se escuta ou lê a si mesmo, num eterno recriar das mensagens, por vezes advindas de milênios anteriores pelas asas da cultura.

Em certo momento das artes, André Breton trabalhou a linguagem da fala no que chamou de escrita automática, quando se deixou conduzir por mãos invisíveis naquilo que escrevia, desvelando o território do Surrealismo,

Eram os tempos das mesas girantes, prenúncios do espiritualismo moderno, bases do Espiritismo Cristão, codificado por Allan Kardec.

Nessa outra dimensão que perpassa as palavras reside o Inconsciente,  mundo pouco explorado da Natureza, abismos profundos da mais pura revelação de Tudo.

Por vezes a banalização das mensagens sujeita sufocar as gerações, qual observado nestes tempos mercantilizados dagora, quando massa informe de saturação do lixo industrial parece vencer o belo e o justo através da superficialidade e do mau gosto. Resta, no entanto, avaliar o poder infinito do mistério que mantém o domínio das existências todas. A sofisticação da civilização desses tempos pareceu conhecer além... o que não passava dos muros do jardim, porquanto cogita até da existência de onze dimensões, enquanto apenas chegamos à quarta dimensão, a que existe debaixo das palavras, já querendo com isso dominar a Eternidade sem antes haver dominando nem a si, esse vale amplo e misterioso.

domingo, 12 de abril de 2015

Releituras

Houve um tempo quando o inesperado complicava o meio do campo da angústia, que instinto selvagem parecia querer jogar fora a canga e destruir de qualquer jeito os quebra-mares dos sistemas de defesa, comodidades vaidosas atiravam tudo para o ar, e acendia dentro de mim fome cruel de romper os grilhões da organização pessoal, no sabor dos caprichos que aparecessem. Com isso, deixava escorrer fácil fácil o ditame das regularidades, invadia outras praias, feria suscetibilidades, a começar pela saúde interna do respeito guardado meses a fio, na malha do esforço de sofrer.

Não queria aceitar que mesmo no calor dos testes necessários habitasse o mistério do drama secular das permanências e conquistas cotidianas visando um tempo feliz. Perdia, a bem dizer, o sentido de tanto melhor das partes, porque desistia de pagar o preço da poupança da paz, naqueles momentos de chegar aos limites e merecer resultados positivos, lições que a vida traz, livre da discriminação de raça, credo, cor, sexo, idade, partido, time, filosofia, indo, nesse prumo, justificar lá adiante o querer sem a comprovação da seriedade, azeite doce da hora de receber o que se ganha, virava espécie de anarquismo crônico. Desistência e revolta. Mas, graças a Deus, isso também passou.

Já hoje, talvez isso que denominam experiência, descubro que inexiste vitória sem a luta. Noites insones, dúvidas, opiniões, renúncia. Bajulação perde a força no que tange ao valor real das sementes verdadeiras. Ninguém, de sã consciência, que aguarde pacote pronto do destino, usufrui da mera credulidade indecorosa, insuficiente, que alimentou. Pode até, nas horas vagas, parecer que ganhou um lance, porém o custo da corre solto atrás dos presságios.

Apresentou-se o desafio, logo de saída, fruto daquela árvore imensa; cresceu, no lodo e no tempo, em perguntas da justiça do merecimento. A cada um conforme o mérito, porquanto a Natureza trabalha nas bases matemáticas, soberanas, longe de peixadas sociais dos mundos tortos.

Quase uma mensagem cifrada indicou, ou plantou ontem, ou haverá de plantar agora, caso pretenda resultados sonhados no futuro. Há normas proporcionais, independentes do que funcionou ao passo da individualidade luxenta, das próprias barrigas avantajadas.

Depois de muito forcejar barras da inconsequência, nenhum vento leve conduz segredos universais só por conta dos belos olhos.

Há sempre batalhas antes da vitória. Luzes das doutrinas humanas mostram claros os primeiros acordes do dia, residência fiel da balança.

O acaso dos dados atirados ao longe indicam os passos antigos dos peregrinos. E suportar espinhos permite a maciez da rosa mais perfeita.

(Ilustração: A Liberdade guiando o Povo, de Eugène Delacroix).

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Crise de água doce

Inquestionável a importância da água nas nossas vidas, onde e quando estivermos vivendo na Terra. Dela se depende em tudo e por tudo. O ser humano pode sobreviver por volta de dois meses sem comer, mas sem água só resiste menos de uma semana. 

Dependentes da água, ainda que a consideremos coisa de mera rotina, dia após dia, a utilizamos de infinitas maneiras, corretas e incorretas, desde o uso na higiene pessoal até nas mais sofisticadas indústrias, para o cultivo,  asseio de alimentos, cozinha, transporte, agricultura, pecuária, etc. Precisamos mesmo dela; desse modo, com toda a sua importância, nos responsabilizamos pouco pelos recursos hídricos em nossa acomodação de hábitos nocivos, uma vez que são cada vez mais a desrespeitamos, quando muito de carecemos. Abusamos. Desperdiçamos. Poluímos descuidados da sua imprescindibilidade. 

Quando isso ocorre, países e governos se manifestam em largos discursos, em publicações, festas comunitárias, passeatas, palestras, conclaves, salva de tiros, coisas assim, para retornar depois ao estado anterior, guardando tudo isso no fosso das enciclopédias e estantes de sombrios museus adormecidos.

Haverá mil maneiras de qualificar o trato que damos ao líquido fonte da vida; melhorar nossas maneiras, de preservar os mananciais; regular o uso das águas do subsolo, assunto por demais crucial nesse tempo de inchaço de cidades; assegurar fornecimento próprio às populações menos aquinhoadas pela riqueza material; e estabelecer regras claras e praticadas, dentro de prazos imediatos, na conservação da natureza como um todo, e também das águas salgadas, nos oceanos e mares.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, menos de 1% da água doce do mundo, ou seja, 0,007% de toda a água, no Planeta, estão disponíveis, lugar em que tudo se relaciona com a água.

Em resumo, sejamos conscienciosos; não desperdicemos, não poluamos ou façamos uso inconveniente da água, e agiremos dentro dos princípios da ordem e da coerência necessárias à humanidade, o que não é pedir muito a quem deseja tanto viver no meio do conforto face aos desafios de supérfluas vaidades, características do ser vulnerável que somos nós.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O perfume e a flor

Em um reino distante, na voragem infinita de longínquas lendas, existiu belo casal, o Perfume e a Flor, que se gostavam como nunca antes duas criaturas puderam a tanto sentimento chegar. Eles nutriam entre si afeto inigualável. A satisfação maior de suas vidas ocorria no retorno ao lar de paz, quando cumpriam os ofícios das horas de obrigação e trabalho.

Sabiam como ninguém o gosto um do outro, laborando com alegria no melhor jeito de se agradarem. Felizes olhavam-se nos olhos e nutriam a doce harmonia de quem descobre a pessoa certa, ideal de viver perto, formando par perfeito, ainda que cercados das indefinições típicas a que se sujeitam aquelas pessoas solitárias, descrentes.

Ao par de amantes apenas uma coisa causava preocupação: O que seria deles na vez de sumirem deste mundo e desaparecer nas sombras desconhecidas, de largarem seus corpos bem ajustados e voltar ao transe dos séculos? Ainda ver-se-iam de novo? Quando? Onde? Como? Ou tudo terminaria no suspiro final da inexistência?

Aquilo marcava de névoa seus passos, fonte de angústias e apreensão, fantasmas teimosos, resistentes, insolentes.

Certa feita, durante um sonho, eles dois se encontraram dentro de imensa floresta de seculares arbustos, diante de santuário esplendoroso, envolto nas raízes e nos troncos musgosos de parte do mundo misterioso das plagas eterna, domínios do Amor. 

Naquela hora, perceberam que chegava a resposta das perguntas que lhes empanavam o futuro, e entregaram-se, de mãos unidas, ao prazer indizível da vista de Eros abençoando-os a dizer:

- O sonho de andar sempre junto é possível. A sinceridade que os domina produzirá esse milagre – ouviram a voz e se jogaram ao solo, lívidos de uma emoção profunda. 

Despertados, na manhã seguinte, as primeiras palavras que trocaram confirmavam a realidade do sonho da véspera com a deusa-mãe. 

Moravam afastados, em casinha humilde, próxima das plantações que os mantinham. Raras vezes avistavam as pessoas de pequena vila próxima.

Quando, então, chuvas se intensificaram de verdade, rios encheram, lagoas inundaram o vale e subiram nos montes. Viram poderes de acontecimentos impossíveis a tomarem conta de tudo, em forma de incontrolável destruição dos objetos palpáveis.

A casinhola, decerto, também não resistiria ao fenômeno incessante das chuvas torrenciais. Os raios do Sol de há muito sumiam sobre nuvens escuras.

Então, abraçaram-se frementes numa atitude derradeira; e agarrados permaneceram e soçobraram nas ondas lamacentas que engolfavam a superfície da Terra... 

Algumas semanas passaram na mais completa calma. O chão principiava a mostrar o rosto, quando, no mesmo lugar onde houvera a choupana do casal, os primeiros claros da Lua iluminaram uma flor perfumada, destacada no meio do bosque verdoso. 

Linda rosa vermelha espargia ao vento raro fragor, enquanto vulto suave reunia-se-lhe ao corpo na figura etérea do olfato. Eram os dois, agora ente único, transformados em visão e cheiro, imagem inefável reanimada ao encontro dos que dali se aproximassem para admirar a beleza e o perfume floridos.

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Solidão Futebol Clube

Na mesa do coração da gente, vêm servidos diversos quitutes de todo sabor, medida certa das idades que fervilham secas, inexperientes, nos poros suarentos da juventude que dispara rumo ao desconhecido...

Primeiro, nas portas iniciais da infância, doce inocência se apresenta aos demais, deixando entrever multidões famélicas, sequiosos projetos de rostos vivos, umedecidos de esperança, na forma de flores multicoloridas, pessoas, outros possíveis eus, em elaboração febril. Então, jardins festivos lhes perfumam as bocas de gostosas possibilidades. Frutos resinosos escorrem aurora nos lábios abertos aos quatro ventos, apresentando, pouco a pouco, travo de pomos amargos, motivo de náuseas temperadas de beijos amenos, ao desencontro do futuro incerto.

Depois, algumas aventuras vivenciadas no aberto das manhãs radiosas, ao calor das 9h, quando véus caem leves; suaves sinais de vibração intensa que sacode blocos metálicos de fibras íntimas, demonstrando movimentos de cordas profundas, contrariando por dentro leis requentadas de sobrevivência, prováveis a qualquer custo, das paixões originais. Amores desfeitos viram fantasmas ambulantes, surpresas ingratas, vagas monumentais que cobrem dias de ausência, praias de passos rasos, areias quentes, sonhos atrozes despertados, preocupações ainda por resistir, embates de traços lindos, exóticos espelhos ovalados em quartos de sonhos largados pelas camas desfeitas. 

Meio-dia, porém, quando as experiências azuis nutrem arquivos de tanta memória do pouco resultado concreto acumulado; e o estágio determina melhores estudos de nós mesmos, quer-se compreender sistemas externos de trabalhar sentimentos no peito dos amores independentes, fora de convencionais esquemas familiares. A sociedade, contudo, reclama tipos de procedimento que, quase sempre, tirados raros respeitáveis parceiros ajustados, reflete o senso comum de irresponsáveis amantes. Histórias milenares inundam as páginas dos folhetins, exemplos avessos que bem poderiam e não se perfizeram na realidade aberta das inundações friorentas das cheias antigas. 

Às 3h da tarde, passada a modorra, quem aprendeu, aprendeu... Houve chances disso. Alguns ainda persistem nas ranhuras errantes; coçam peles enrugadas, indiscretas, e refazem lances imaginários, admitindo falhas graves nas estratégias postas em campo. Alimentaram nutridas vitórias, cautelosos daqueles que os ouviam, pois ninguém conta vantagem de assunto desfeito no cotidiano amoroso de lugares próximos e distantes.  

Nesse tempo, carga frustrada machucando o lombo dos animais sensíveis; pensativos momentos bons viram pura saudade, o que poucos guardam de coisas ruins, no entanto.   

Fim de tarde, época contrita das bocas abertas, na velha fornalha de eras esquecidas, sopradas de leques agitados, asas mudas em brisas frias, no pescoço brilhante escorre suor encantado de damas, mostra transcendental e suas rendas de saias e bicos esmaecidos, entrevistos na dobra dos ventos revirados. Afã de conquistar tresmalhadas noites perdidas, casais transferem ao rio do tempo o ardor dos corações, em plumas avermelhadas, nos fragores poentes e doidas lições.

Quantas vezes restam a sós esses namorados fogosos, na descompressão de ritmos impacientes. Viram trastes inúteis que realçam as nuvens brancas de horas escuras, almas penadas, vadios corações, em meio aos suspiros soltos. Logo chegam os convivas animados e outro banquete começará no berço das mesas arrumadas em volta. 

Buda, a luz da Ásia

No século VI a.C., os pequenos reinados da Índia viviam em luta. Nesse período, na Ásia havia uma onda de mudanças nas ciências, artes e ideias. Por volta de 523 a.C., no reino de Kapilavastu, pequeno país da etnia dos Sákias, lá onde hoje existe o Nepal, nascia Sidarta Gautama, depois conhecido por Sakyamuni, o Sábio dos Sákias.

Seus pais se chamavam Rei Suddhodana e Rainha Maya. 

Numa viagem com destino ao palácio de verão, no bosque Lumbini, às margens de um rio, a rainha sentiu as dores do parto e sobre folhas de lótus deu à luz o menino Sidarta. Conta a lenda que nesse instante o tempo se inundou de perfume, choveram pétalas de flores do céu e ouviram cânticos celestiais de louvor e beleza. Sete dias depois, a Rainha Maya morreu, deixando ao marido a educação do filho.

Mais algum tempo e o soberano, agora casado com uma irmã de Maya, quis saber o que o Destino reservaria ao filho. Nas encostas do Himalaia, buscou um sábio, que disse que o príncipe ou tornar-se-ia poderoso monarca ou viria a ser um sublime religioso.

Suddhodana se indignou diante da segunda possibilidade. Daí cuidou de cercar o filho das pompas da corte. Farei dele seu sucessor. Jamais permitiria conhecesse os males do mundo, doenças, velhice, pobreza; os desgostos e as contradições que viessem estimular seus sentimentos religiosos. 

Para onde ele seguisse, emissários à frente disfarçavam todas as circunstâncias, evitando ao máximo que soubesse das fraquezas existentes nos lugares onde andasse.

Na idade adulta, escolheu a esposa, Yasodhara, sua bela prima. 

Certa vez, contudo, a segurança deixou de cumprir o papel de isolá-lo da realidade e ele, driblando o zelo do pai, fugiu solitário num passeio noturno, a se deparar com as tristezas da Terra. 

O impacto causou no jovem extrema reação. Viu de perto o sofrimento em que a vida carnal resume o caminho para a morte. Também encontrou um monge mendigo que explicou a escolha de buscar a libertação interior e exterior.

Sidarta era, então, pai de um menino, Rahula. Despediu-se da esposa, levou consigo um serviçal e à meia-noite, a cavalo, ele cruzou, os portões do palácio rumo ao desconhecido.

Muito distante, trocou as roupas nobres com as do servo, devolveu-lhe a montaria, mandou-o regressar e seguiu mendigando pelas estradas e vilas.

Largos anos transcorridos, Sidarta reveria os familiares quando se afirmara na trajetória de compreender a Verdade plena.

Primeiro quis conhecer os ensinos dos mestres. Juntou-se a cinco andarilhos e saiu a peregrinar. Realizou jejuns e sacrifícios, sob o costume dos povos orientais.

Após três anos dessas práticas, se viu à beira da penúria, magro e debilitado. Nesse momento, concluiu que a resposta se acha no meio e não nos extremos, razão que o levou a abandonar a experiência mortificadora, espantando os companheiros de busca que viram nele alguém desprovido de resistência. Uma donzela, no entanto, o alimentou até restabelecer a saúde.  

Refeito, se sentou à sombra de um Ficus religiosus, árvore frondosa do bosque conhecido por Buda Gaya, lugar de iluminação, e resolveu meditar.

Saíra de casa há seis anos. Aos 35 anos de idade, uma madrugada de lua cheia ao brilho da Estrela Matutina, Sidarta Gautama completou seu processo autorrevelador ao chegar à cessação absoluta do sofrimento pela concentração mental, o completo domínio do pensamento. 

Nessa hora percebeu que reunia em si as condições suficientes do que tanto almejara, porquanto nisto reside a descoberta verdadeira. Ainda tentado por dançarinas seminuas e por Mara, o rei dos demônios, Sidarta Gautama obteve o controle absoluto da Vontade, e galgou a Suprema Realização.  
    

domingo, 5 de abril de 2015

Bichos comem

Personagem das mais características, cuidou como poucos do planejamento urbanístico cratense, embelezando a cidade e propiciando muito das feições que hoje oferece, sobretudo nos logradouros centrais. Júlio Saraiva Leão, de família tradicional do município de Quixadá, porém nascido em Crato, onde viveram longos anos, da primeira para a segunda metade do século anterior. Homem dos sete instrumentos, ele se destacou em nobres profissões, de ourives a músico, fotógrafo, construtor, paisagista, etc.

Tipo espirituoso, Júlio Saraiva animava, com suas considerações inteligentes, às rodas nas noites da Praça Siqueira Campos, frequência obrigatória daqueles tempos, quando, no máximo, se ouvia rádio ou liam livros, jornais, revistas, cartas, telegramas, bulas de remédio e receitas de bolo, além das sessões de cinema, o que servia para tirar as pessoas dos invólucros cotidianos.


Foi o principal responsável pela reforma da Praça da Sé, no primeiro mandato do Prof. Pedro Felício Cavalcanti à frente da municipalidade, sendo de a ideia da fonte luminosa construída à época, modificada décadas adiante, tendo ao centro composição de uma cúpula invertida fixada sobre quatro arcos, a jorrar altos jatos d’água em três cores distintas, sensação do momento.

Quando demoliram a casa que pertencera a dona Rosinha Fernandes, construção secular e pitoresca, na área em que agora existe o Bradesco da Siqueira Campos, seu Júlio preservou dois artísticos leões de louça, peças tradicionais que ornavam o portão principal no jardim da residência, símbolos da aristocracia do Ciclo da Cana.   

No seu governo, o prefeito José Horácio Alves Pequeno designou-o para administrar os logradouros municipais. Sabia como poucos embelezar praças e jardins. Dentre as iniciativas que adotou, estabeleceu pequeno zoológico no Parque Municipal, agora Praça Alexandre Arraes, reunindo espécimes dos animais da Chapada do Araripe, dos brejos e das zonas circunvizinhas. Onças, veados, seriemas, cutias, cobras, tatus, juritis, sabiás, jacus, retirados do ambiente original, órfãos da silvestre liberdade. Recebiam ali tratamento digno, enquanto ofereciam à população oportunidades de conhecer os irmãozinhos da Natureza. Isso até quando não faltou verba para manutenção e os animais começaram a passar privação.

Nesse meio tempo, José Horácio avistou-se com Júlio Saraiva, trazendo à conversa outro assunto bem menos importante:

- Sim, Júlio, eu queria que você me oferecesse aqueles leões de louça - lembrou o Prefeito, num tom de insinuação, visando algo de mais interesse: - Quando poderei contar com eles?

- Zé Horácio, você não quer os bichos que comem, lá do Parque, pois os que não comem também não vou lhe dar - respondeu Júlio Saraiva, reafirmando a prosaica sinceridade de era detentor.          

sábado, 4 de abril de 2015

Depois de ontem e antes de amanhã

Voar nas asas do desejo imenso de acalmar os instintos da procura, transformar o si num encontro festivo com a mesma busca, bem nesse núcleo poderoso habita o mergulhador das selvas desse abismo descomunal. Qual quem escorrega pelos mundos subterrâneos da essência, desloca o centro das atenções aos mistérios profundos do Ser, nisso ampliando a possibilidade única de modificar o desejo imenso de acalmar o instinto no resultado da própria busca. Esvai devagar na pele macia das horas e desliza através da superfície de felicidades, semelhante a uma delas, fragmento imperecível de um tempo que jamais de novo sumira nas trevas do desconhecimento. Observa as marcas ali deixadas pelo furor da existência. Esquece tristeza, ansiedade, dramas humanos, ambições; amplia o espaço limitado daquele passado antigo no Infinito de tudo, perene agora para sempre no puro bom da natureza, que chega de vez, avança o território das limitações anteriores. Salta de duas dimensões quase completamente intransponíveis, contudo existentes e próximas, atitude do querer da decisão..

Num processo dessa plenitude, cortina abrirá janelas da alma e outra imensidão revelará o prazer para sempre da certeza, lá onde mora o Eu pleno, espécie de libertação e prova da calma do desejo que, de olhos acesos, aguardava frutos da esperança.

O lugar dos sonhos, na casa do Inconsciente cheio de todas as transformações dos metais em ouro, impera o encontro de tantos, na fronteira do si consigo, da Terra com a Luz, no seio íntimo das individualidades, lugar das provas e respostas.

O presente, portanto, espécie de nada, acalma e transporta a planos internos, guardados desde o início no equipamento da existência, aqui morada do desejo imenso das libertações definitivas. Achar o tesouro da Consciência, eis o resumo de toda busca nas várias necessidades humanas.