sábado, 31 de janeiro de 2015

Presente a Iemanjá

02 de fevereiro de 1977. Passávamos dias numa praia na Ilha de Itaparica, no Recôncavo Baiano, defronte a Salvador. Em redor de Itaparica existem dezenas de praias e vilas, além da cidade de Itaparica. Estávamos numa casa nas imediações de Manguinhos, vila próxima a Mar Grande, onde João Baptista Reimão Neto, um amigo de São Paulo, me convidara a trabalhar na revisão de um livro que concluía; e permanecêramos durante duas semanas no local. Naquela tarde de 02 de fevereiro, Dia de Iemanjá, alguns habitantes da localidade ligados ao candomblé prepararam presente ao orixá e nos convidaram a ir de saveiro com eles até o meio da Bahia de Todos os Santos, e depositar em águas profundas a sagrada oferenda.


Sempre munido da máquina fotográfica, me alojei num dos lados da embarcação superlotada de gente trajando indumentárias próprias, onde se destacavam vestidos brancos rendados, torsos e outros adereços da cultura afro-brasileira, isto entre milhares de ramalhetes de flores brancas do mais agradável perfume, enquanto ouvíamos batuque de tambores e os cânticos dedicados à Rainha do Mar. 

Seguimos mar adentro em tarde nublada, fria, levados pelas velas a correr sobre as ondas agitadas do oceano. Águas batiam firmes no corpo da embarcação em nível não mais do que quatro dedos para chegar ao interior onde nos achávamos sentados de costas apoiadas nas bordas do barco pesqueiro a deslizar o leito encapelado e profundo das águas.

Lembro bem a emoção que me percorreu todo tempo, sustentada no ritmo dos instrumentos que se confundia com o palpitar aflito do coração embalado no misticismo daquele instante raro de beleza, no fervor da missão conduzida por babalorixá sob as influências do santo, enquanto respirávamos cheiro inebriante das plantas que também compunham o presente lá em seguida entregue a quem de direito com os ritos do ofício.

Guardei comigo a singularidade ora descrita, que busquei descrever de melhor modo, porém certo das limitações em revelar o suficiente da plasticidade e do mistério da cena inesquecível. 

O exame de consciência

Nas razões de escrever, além de gostar de formar os blocos de palavras com significado, ritmo e melodia, há também vontade interna de produzir algo que resulte na melhoria de alguém nalgum lugar, ainda que distante, e bem depois, no tempo. Por isso, se acha um móvel útil nas funções da escrita, transmitir experiências que venham servir de estudo à caminhada de quem leia.

Neste propósito, quero agora avaliar o quanto, no decorrer das circunstâncias, deparei situações pouco satisfatórias notando as atitudes equivocadas do passado que refletiram naquilo que vivo, dando oportunidade suficiente de compreende onde cada um possui o direito de colher só o que houver antes plantado, sejam os espinhos ou as flores. Em consequência, a força da Justiça fornece os meios de comandar a existência independente dos interesses imediatos da simpatia ou dos jogos de poder.

Busco, assim, exercitar conhecimento valioso, porém nem sempre adotado devido aos esquemas do egoísmo sujeitos a dificultar diálogo mais produtivo junto das forças espirituais que trabalham na fronteira entre a matéria e a espiritualidade, nas condições da reencarnação.

Com o transcorrer dos anos, só mais recentemente venho trabalhando o sentido perceber o trabalho que ocasionei aos meus pais e os desgastes advindos das contrariedades que acarretei, e ainda acarreto, a pessoas próximas, afetos não correspondidos, confianças traídas, palavras jogadas fora, impulsos descontrolados, caprichos, etc.

Nisso chegam fortes no pensamento as palavras bíblicas do Evangelho (de Mateus), quando Jesus considerou que, ao depositar as oferendas no altar e rever compromissos e malquerenças ainda existentes na própria história individual, lembrar que teu irmão tem algo contra ti, deixa a tua oferenda diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão. Só então, vai apresentar a tua oferenda.

Essa autoanálise clareará os olhos da consciência, ampliando possibilidades de o amor, na oração, tocar o coração da gente, pura ciência espiritual e exercício de sabedoria.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Elogio da contradição

Em que pesem essas insistências de menino teimoso de querer olhar o mundo e as circunstâncias com boa vontade, otimismo e alegria, permanecem pelo ar conclusões de que a certeza é fruta rara de que tudo marcha inevitavelmente a um fim útil. Ainda assim, os contraditórios merecem nossa afeição, sem favor nenhum. Eles também compõem o quadro harmonioso das certezas por vezes incertas, dentro das avaliações humanas, quando todos somos vozes ativas. 

Há de levar em frente o fugidio que nos escapa entre os dedos da persistência, pois enigma valente observa os que transitam nos meio dos passantes. Trastejar seria fatal. Os olhos acesos da esfinge feroz, do senhor Tempo, analisam de modo clínico cada traço da dança de quem pisa o palco, e nisso amola os dentes infalíveis da cronologia, parindo e devorando seus próprios filhos, o Cronos da antiga mitologia grega.

As criaturas vivem um, dois tempos, no máximo três, e regressam aos mistérios do invisível, aos braços carinhosos da mãe Eternidade, atentos no antes e esperanças depositadas no depois. 

Entretanto, bem desse jeito, chegam às interpretações e ao sentido de existir. Nos primeiros registros, vieram mitologias. Os povos contavam de imaginação mistérios, criando as religiões primitivas. Até que um dia esse uso reuniu as concepções existentes na forma das filosofias. Outro treno de histórias e hoje se trabalha à luz da ciência racional, contudo só no tatear das pedras nas muralhas de uma definitiva compreensão.

Ninguém aguentaria toda a luz da Consciência de vez, por isso tamanha necessidade dos degraus do conhecimento. Passo a passo, e subimos os pousos elevados da montanha, quando divisaremos o vale inteiro da pura verdade absoluta. 

Enquanto isto, preservar a energia original significará norma de sabedoria, razão de calma essencial que representa saúde e força de tocar o projeto exclusivo que somos nós, seres inteligentes da Criação. Nada de excessos no desespero, na desistência, ou medos pecaminosos por causa de precisar muito da perfeição do Amor que vem logo ali a caminho.  

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Era da inocência

Inícios da década de 70. Sempre que possível, buscava ouvir a Rádio Sociedade da Bahia, nos fins de tarde começo de noite, aspirando aos ares de Salvador, para onde seguiria logo mais, transferido no Banco do Brasil para a Agência Centro daquela capital. O gosto pelas coisas baianas fincara pés dentro de mim desde 1959, quando meu pai viajara a negócios à Boa Terra e pretendera me levar consigo, sem, no entanto, realizar a sua disposição, o que me deixara com água na boca para conhecer de perto as novidades que nos trouxera de lá apenas em palavras e poucos artesanatos do Mercado Modelo.

Depois, vim lendo Jorge Amado e seus livros inolvidáveis, apegos de um tempo. Gabriela, cravo e canela. Os pastores da noite. Mar morto. Os velhos marinheiros. E, no movimento tropicalista, o impacto de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Tomzé, à frente da vanguarda artística nacional. Além de tudo, a beleza da tradição histórica da primeira capital, sua arquitetura e belas paisagens litorâneas estonteantes.

Bom, num desses programas de fim de tarde, na Sociedade da Bahia, ainda em Brejo Santo, ouvira algumas músicas do disco Raulzito e os Panteras, nada menos do que o primeiro trabalho de Raul Seixas, mito da música brasileira durante décadas, ídolo psicodélico que fora nesta parte do mundo.

O grande Raul começava uma carreira de sucesso que marcaria o universo cultural de nossa gente. Era seu primeiro disco, gravado com Os Panteras, grupo que liderava nas noites de Salvador. Jovem principiante, sem grilos ou mergulhos pelo mundo traiçoeiro das drogas pesadas, que adiante o levariam ao desaparecimento. Não só a ele, mas a outros valores principais das artes, tanto no País, quanto no exterior, cicatrizando de cruzes a beira das estradas de um tempo e ferindo de dor os corações aquecidos de nossa dourada mocidade. 

John Lennon já gritava bem alto que o sonho acabara. Algo buscávamos nas entocas e não mais acharíamos o charme dos primeiros amores. Haviam se recolhido as pontes dos castelos de cartas. Das brisas suaves das doces melodias ouvíramos, depois, tão só o rugido fantasmagórico de harpias e dragões trovejando os ares amarelecidos das mudanças severas que garrotearam o clima platinado de antigamente. Os sons exatos e penetrantes de Jimi Hendrix enovelaram a cólica da resseca no brado agudo sensual de Janis Joplin, Elis Regina. Enquanto isso, líderes foram assassinados diante das câmeras em plena luz do dia (Robert Kennedy, Malcom X, Che Guevara, Luther King, o próprio John Lennon).

Então, hostilidade exacerbada, cruenta, carcomeu o casco do navio em chamas. As portas abertas se fecharam de vez e os hippies sairiam tontos pelo mundo, à procura do nascer do sol, de que ainda esperam o furo da luminosidade.

O fervor da oração

Reconhecer que há vida neste interior da gente, motivo de buscar contato com o desconhecido através da oração. Mergulhar as águas profundas da alma e avançar subterrâneos dadivosos e geleiras imensas no íntimo do coração, onde habita o senso místico da Razão, espaço multiforme da verdadeira consciência. Sumir aqui dentro de nós e se desconhecer nos padrões externos da vaidade humana. Usufruir a existência que mora no escaninho essencial do sentimento, malhas infinitesimais das verdades puras, fruto das origens do Ser.

Nessas ocasiões especiais sem data e sem agenda, a concentração aceita existir qual dom maior de todos e abraçar o princípio da permanência de ser depositário da justiça. Pegar a nossa mão e nos conduzir aos pastos da Presença, altar onde depositamos apreensões e dúvidas, sagrada fonte da Luz nos mistérios e possibilidades. Entregar dores, mágoas, medos, e perdoar o quanto que se demorou nas decisões a favor do Bem.

Após vagar noites escuras, tortuosas, entre pedras e espinhos, lá um dia a gente chega nos braços carinhosos da grandeza absoluta, nossa Mãe, nosso Pai, destino das jornadas dos milênios e desafios. Nessa hora, há um render sem fim... Uma renúncia dos verbos antigos, praticados no transcorrer de abismos e galáxias, resultado das inúmeras agonias que significaram professores e alunos da escola abençoada de dúvidas e esperas. 

Dias claros da oração que nascem intensos nas bênçãos do reconhecimento e na gratidão de estar aqui e ser o que somos, processo em elaboração do segredo maravilhoso de continuar o desenho genial da Criação, sentido de aceitar e viver, amando, participando da elaboração Indizível do instante perene e definitivo.

Assim, pois, depositar às mãos do Eterno o desejo firme do inevitável, expansão da Consciência através de Si mesmo, sacrário esplendoroso dos dotes da Existência plena.  

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Exército industrial de reserva

Em países enormes e superpopulosos quais China e Índia o momento atual deixa margem a graves avaliações quanto a desejar dias melhores neste chão. A partir desta afirmação, há um raciocínio a desenvolver no que diz respeito à quantidade dos habitantes desempregados, o nível de jovens acima de 20 anos que não estudam e não trabalham, ausência de postos de trabalho, grau de violência, economia em declínio, esgotamento dos recursos naturais, poluição, etc. 

Nessas fases da história, sujeita a aparecer conflitos armados, o crime organizado demonstrar maior agressividade e a corrupção se tornar endêmica no Estado, vistas situações semelhantes a momentos outros, quando aumenta a luta pelo poder ao ponto do declínio dos valores morais e da instabilidade social passar a refletir antigos padrões bárbaros de civilização. 

O que bem poderia significar o exército humano de reserva no crescimento das nações denota, assim, ausência de lideranças autênticas, num salve-se quem puder de comprometer as bases do equilíbrio político-social. Perante os conceitos marxistas de economia, os desempregados representam esse exército de cidadãos à mercê das circunstâncias do sistema capitalista.

Nas palavras do próprio Karl Marx: O desemprego em massa constitui o exército industrial de reserva, quanto maior ele é melhor para o capitalista que poderá assim afirmar ao proletário no caso deste fazer greve, que pode contratar outra pessoa a um custo menor fazendo o mesmo trabalho. Daí que o exército industrial de reserva seja tão importante para o capitalismo.

Nesta época histórica quando as práticas dos regimes somam interpretações científicas da economia política de todas as épocas, numa única dominação do famigerado neoliberalismo, o abandono dessas massas humanas à sorte esclarece o motivo de muitos dos desmandos verificados no mundo inteiro, sejam as guerras localizadas, o tráfico de drogas, a hegemonia da indústria armamentista, jogos, vícios vários, prostituição e caos urbano, todos eles fatores em progressão que representam o produto das ações coletivas desencontradas tanto hoje quanto em épocas remotas a carecer de consciência crítica e solidariedade humana no sentido amplo destas palavras.

Transformações

Hoje achei de recordar quando, em l959, fui a Recife pela primeira vez. Crato, Campina Grande, passando pelo açude de Coremas, e chegamos à capital pernambucana, num salto tecnológico secular, levando-se em conta os benefícios da energia elétrica, que avançava célere sobre o Nordeste. Adeus às tochas e lampiões do passado. 

A civilização desvendara os encravados sertanejos, modificando tudo, desde paisagem e costumes dos habitantes, ao Sol que agora nascia dentre torres metálicas, campanários exóticos onde se penduraram as redes dos cabos prateados, interrompendo pássaros, reflorestando carrascos e massapês.

Os tentáculos do progresso zumbiam nos leitos secos de grotões desolados, algo parecido com a chegada do trem-de-ferro, no início do século, trazendo promessas de alteração do ambiente, para possibilitar, segundo as crenças, uma qualidade melhor de vida.

Lembro-me disso quando reencontro as mesmas torres nos filmes japoneses que os meninos gostam de ver num dos canais da televisão, cenas que se repetem todo dia, produções parecidas com embalagens de supermercado, de sabores químicos - para consumo brando, num pesadelo que podia ainda ser revisto; voragem moderna versus simplicidade original.

A era massificadora se estabeleceu através desses fios, resultado das muitas conquistas humanas. Poderosos repartiram despojos, sob razões de lucro, transferindo percalços em favor da perpetuação no poder (desculpa esfarrapada para justificar a ausência de critérios éticos).

Isso nos motiva transcrever, neste ponto, pedaço de um artigo da revista Planeta (março de l992) sobre os índios hopis do Novo México, Estados Unidos:

- As grandes potências do mundo devem entender que, se querem escapar da destruição iminente - palavras de Martin Gashweseoma, o líder espiritual daquela nação indígena. - Tudo que fizeram de errado com os povos antigos (...) deve ser corrigido. 

A demora da avestruz com a cabeça na areia pode lhe ter afetado os miolos. E o que ocorreu, então, se reflete nas coisas que vem de gerar. As armas e os eletrodomésticos se sofisticaram, porém inúteis ou inconvenientes, no crivo do tudo ou nada dessa luta constante.

Para Gashweseoma, chegou à hora da purificação, quando os terrícolas deverão escolher uma entre duas saídas - seguir no mesmo passo equivocado em que vêm, até à destruição, ou mudar de propósitos e se conduzir numa perspectiva renovadora.

O esforço exclusivista dos menos escrupulosos ocasionou retrocesso evolutivo. No princípio, chegava a parecer diferente. As naves espaciais, difundidas pela propaganda, fizeram brinquedo de lata dos destinos africanos, latino-americanos, asiáticos, sem que ninguém pudesse questionar o sistema neofeudal estabelecido na Terra contemporânea.

Espécie de vaidade prevaleceu entre patrões e seus escriturários, enquanto longa marcha de forçados transportava matérias-primas e produtos acabados, que nada mais tentador do que se comparar à construção das grandes pirâmides, destinadas a sarcófagos reais, marca do cruel egoísmo reeditado no tempo, milênios adiante.

E se lembrar de que René Descartes, já no século XVII, centrava suas preocupações nos assuntos internos; que poderíamos haver seguido outros caminhos; que há uma pequena glândula no cérebro na qual a alma exerce as suas funções de modo mais particular do que nas outras partes. Eis detalhe importante para se examinar, ainda que depois.

A oportunidade das eras ficou para trás, recoberta de limo e infinitos tropeços, qual botija enterrada em lugar inacessível. Restam-nos, todavia, os individuais propósitos dessas revelações íntimas, o Espírito eterno, que persistirá mesmo quando tudo for embora e as oferendas coletivas virarem ilusão. Este momento (sim, o momento) é hoje.

Favela

Diversos personagens deixam suas histórias cheias de verve pitoresca na vida dos lugares, que as propagam mundo afora, estabelecendo rico manancial de tradições populares. O temperamento de cada núcleo social permanece registrado nessas características dos habitantes, nos modos deles responderem aos desafios, situações, oportunidades.

Contaremos, neste texto, duas tiradas espirituosas de Manoel Favela, figura típica de Crato, meio urbano onde cumpriu, na segunda metade do século anterior, o papel de homem simples, gente do povo, devotado à música através da secular Banda Municipal, assíduo frequentador das rodas alegres nas noites boêmias, possuidor do senso aguçado de humor inigualável, restando, na memória do tempo, momentos raros de sábia convivência.

Bem cedo, certa manhã, enquanto mordia com gosto um desses pães quentinhos, saborosos, recém-saídos do forno das padarias, se viu perante as  exigências de uma amiga, que lhe disse em tom reprovativo:

- Mas, Favela, você comendo pão no meio da rua?!

O músico nem pensou direito e, à queima-roupa, sentencioso respondeu:

- A senhora quer bem que eu vá alugar uma casa só para comer esse pão?!

A propósito, segundo me contou Mazim, noutra ocasião, também ao encontrar antiga conhecida, Favela se sujeitou a ouvir um tanto de coisas a respeito da influência dos corpos celestes no dia a dia das pessoas, o que há pouco ela descobrira entusiasmada.

Nesse papo, a mulher, estendeu o quanto pôde aquele conversa no encontro com o amigo. Falava na Lua e suas diferentes fases. Explicava os efeitos magnéticos do astro nos partos, marés, colheitas; na determinação do sexo das crianças; no equilíbrio emocional; fluxo das mulheres; corte de madeira; na força do clima, chuvas, estações; etc. 

Depois, olhando para o céu escurecendo no final da tarde, recortado as formas sinuosas da Serra do Araripe, que viajava nas nuvens quarto estreito de lua, perguntou:

- Favela, sabe me dizer se essa lua é nova?

Perdidos nos pensamentos de outras preocupações, colhido na interrogação, sem identificar de todo o que acabava de escutar, Favela calculou na idéia o jeito melhor de não decepcionar, e se saiu com essa:

- Comadre, nova, essa lua? Uh! Pelo que sei, não é muito nova, não, pois desde menino que avisto ela no céu. A não ser que a senhora ache que sou novo. Vai precisar de boa vontade, mas... – depois, tranquilo, seguiu em frente.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Jacó lutou com um anjo

No vau de Jaboque, trecho de passagem do rio Jordão, na Palestina, diz o livro bíblico de Gênesis que Jacó, ao fugir de seu irmão Esaú, indo à busca de um pouso certo para a família, e desejando sobremodo evitar confronto de armas (Então Jacó temeu muito e angustiou-se; e repartiu o povo que com ele estava, e as ovelhas, e as vacas, e os camelos, em dois bandos.), entrou, porém, numa luta corporal com guerreiro inesperado que lhe apareceu tão logo passara os derradeiros acompanhantes, mulheres, servos e filhos.


Naquela noite, até quando das fimbrias do horizonte nascesse o Sol, Jacó estabeleceu desforço físico de proporções inimagináveis com o desconhecido que se lhe interpusera no caminho. Só aos primeiros clarões do dia esse adversário aceitaria a impossibilidade de vencer o filho de Isaque, no entanto resolveu tocou a coxa de Jacó, estabelecendo pronto deslocamento do nervo da junção.

E disse: Deixa-me ir, porque já a alva subiu. Porém ele disse: Não te deixarei ir, se não me abençoares. E disse-lhe: Qual é o teu nome? E ele disse: Jacó. Então disse: Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens, e prevaleceste.

Ao saber disto, o judeu pediria ao anjo que o abençoasse e lhe dissesse o nome. Por que perguntas pelo meu nome? E abençoou-o ali.

Peniel foi, assim, da parte de Jacó, batizado o lugar, pois, segundo ele, naquele canto avistara Deus face a face, e nele sua alma fora salva. Aos primeiros raios do Sol, restava exausto e manquejava de uma perna a qual, na junção da coxa, recebera estocada na peleja da noite.

Na Bíblia, se lê: Por isso os filhos de Israel não comem o nervo encolhido, que está sobre a juntura da coxa, até o dia de hoje; porquanto tocara a juntura da coxa de Jacó no nervo encolhido. Gênesis 32,32.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Caminhos do coração

E falar um pouco da possibilidade humana de chegar ao território do bem por meio de si mesmo, porém sem o uso absoluto da razão. Passos que andem por dentro de nós através das vivências do sentimento vivo do amor no imo de Si, trilho aberto à busca incessante de uma experiência divina.
Onde evitemos contaminar só dos interesses físicos a existência deste chão, e abrirmos ao infinito a visibilidade em fuga da miséria, que sujeita à paixão inútil permanecer no lugar da fraqueza invés de caminhar com firmeza os planos dos mistérios da Eternidade.

Tocar adiante o destino, longe da intranquilidade do desespero que parecer querer dominar o mundo, porta aberta da incompreensão também das pessoas humanas como finalidade do percurso vivo da Consciência. Uma espécie de peregrinação rumo à transcendência, fora do medo de se perder na travessia desconhecida das histórias pessoais.

Assim esta paz do coração que ilumina o horizonte dos dias e permite brotar dentro da individualidade o sentimento aceso da construção de seres novos elaborados no íntimo da virtude.
Falar com alegria de tudo quanto contaram até hoje da infinidade desse Pai Maior que observa os instantes da positividade ainda que, por vezes, pareçam solidão os vastos campos da mortalidade dos seres. Aceitar cheios de calma os valores trazidos por Jesus em forma de palavras ordenadas e descobrir de nós próprios, andando diante dEle, a luz que nos indica as certezas à frente. Abrir braços e chegá-Lo ao coração em festa fruto das chamas animadoras da Esperança.

Enquanto isto que, nas ações efetivas, representem a sequência das relações com a saúde da natureza, e nelas outras criaturas que pratiquem fiéis o dever do exemplo que alerta e sacode a sociedade onde sejamos irmãos e não competidores, pais e não padrastos, quando viver significará perpetuação da felicidade nos termos gerais e numa festa coletiva.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Miguel Lobo

Quando cursava o segundo grau no Colégio Diocesano, em Crato, primeira metade dos anos 60, fui seu colega. Jovem de baixa estatura, troncudo, rosto largo, cabeça grande e arredondada, sertanejo típico de riso fácil, era portador de inteligência fulgurante. Ex-aluno do Seminário São José, trazia consigo acendrado gosto por literatura e redação, o que nos aproximou e, juntos, na quarta série, produzimos um jornal mural na disciplina de português, ministrada pelo Padre Newton Gurgel, o Nossa Opinião, logo adiante transformado em jornal mimeografado, quando presidi o Grêmio Farias Brito, do mesmo colégio.

Miguel Lobo marcou época no mundo estudantil cratense daquele tempo. Discursava como poucos, eloquente, carismático, correto no uso de palavras e argumentos, seguro e expressivo, qualidades que acabariam por levá-lo à presidência da União dos Estudantes do Crato – UEC, na eleição de 1965. Nessa fase, as campanhas para a Diretoria da UEC abalavam céus e terras. Os postulantes visitavam os colégios e grupos escolares, de sala em sala, mobilizando cidade e população, qual trabalhassem política municipal de efeitos coletivos maiores.

Aquela eleição de 1965 envolveria duas fortes chapas. De um lado, como Presidente, Miguel Lobo. Do outro, para o mesmo cargo, Arão Alencar, na qual também figurei como candidato a Secretário, Mitermaia de Olinda, a Orador Oficial, e Arnaldo Alencar, a Tesoureiro, além dos demais cargos.

No desenrolar da campanha, acirraram-se os ânimos a níveis descontrolados, ocasionando, inclusive, animosidade séria entre os grupos opositores que resultariam em agressões físicas, sendo uma das vítimas o próprio Miguel, alvo que fora de absurdo espancamento perpetrado nas imediações do canal do Rio Grangeiro, quando retornava para casa, em horas noturnas. 

As consequências disso afetaram em cheio o resultado das urnas e a chapa que liderava saiu vitoriosa do pleito, vindo, com sucesso, desempenhar o mandato à frente de nosso principal e atuante órgão estudantil.

Dois anos depois, em 1967, Miguel Lobo deixara o Colégio Diocesano para concluir o curso médio no Colégio Estadual Wilson Gonçalves, e dele não mais soube notícias.

Em dias recentes, indaguei a seu respeito de pessoa vinculada aos Inhamuns, região de onde se originara, e soube apenas vagas informações, que deram conta de haver abandonado o estudo para assistir os familiares, ora vivendo longe de compromissos sociais, numa existência modesta, fora de tudo.

Tranquilo, brilhante, Miguel Lobo destaca-se, pois, nos tantos bons valores humanos que conheço neste mundo rico de personalidades notáveis, a preencher lugar especial na memória do meu período de adolescência vivido no Cariri. 

Vida de cachorro grande

Invocado o cachorro lá de casa que tem pose de valentão, a quem resolvi lhe fazer regime de comer apenas uma vez por dia, tanto bom de manter o peso, gordo que parece um elefante novo, brilhante reluzente. Mas mesmo assim chegado a uma preguiça que é um negócio sério. Também vive só na intenção de comer e dormir, tirando poucos momentos de latir com os passarinhos que dividem com ele a caquera do alimento, ou ficam pulando pelo meio do terreno à procura do que fazer, jogando conversa fora nos cânticos melodiosos, vida de artista essa vida de passarinho. 

Isso de demorar a comer desse exemplar de canino me relembra história que minha mãe contava quando a gente era criança. Dizia que a mãe da preguiça antes de servir a refeição perguntava à filha: - Preguiça, tá com fome? – E ela dengosa respondia: - Sim, mãe, ‘tou com muuiiita fome. 

- Quer comer -, continuava no diálogo. 

- Quero, quero -, lentamente respondia.

- Pois vá buscar o prato no armário.

- Ah, mãe, tão longe... Quero mais não.

Vejo naquilo agora nas atitudes do cachorro que crio preso durante o dia e à noite dorme solto. De queijo apoiado nas patas dianteiras o dia inteiro, filosofando que é uma beleza, de olhos no tempo, ali amarrado acompanhando o movimento dos outros bichos enquanto esquece a panela aberta com a ração exposta. Vêm tartarugas, estiram o pescoço, e comem. Os pássaros sobem na borda, e comem. As lagartixas, ligeiras, comem. Até os ratos, de noite, deram de furar o saco, deixarem suas marcas. E ele, o responsável, nada. Demora o dia todo no maior desinteresse, a me trazer de volta a velha história da mãe da preguiça. 

No entanto serve de algum motivo, de lembrar alguns da espécie que somos nós, que desfilam dias e dias porque veem outros viverem.  Deixam o barco correr solto à espera do maná cair do céu, gostam do bom e do melhor, sem, contudo, nem de longe querer enfiar
prego numa barra de sabão. Observam as nuvens passar no firmamento e ficam à procura de achar na imaginação o pão que garanta o nascer dos dias seguintes. Ah, vidas essas às vezes parecidas com vida de gente acomodada.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Intercessão valiosa

Das inúmeras ocorrências verificadas no decurso da Confederação do Equador, no Ceará, idos de 1824, episódio impressionante narrou Esperidião de Queiroz Lima, no livro Tempos heroicos, que narramos aos que ainda não leram a referida publicação.

Trata-se da execução de um dos sentenciados pelo tribunal militar conhecido por Comissão Matuta, no mês de outubro daquele ano, instalado para punir as hostes rebeldes. Julgados e condenados, cinco líderes republicanos seriam fuzilados no pátio da Cadeia Pública de Icó. Um desses, Antônio de Oliveira Pluma, autodenominado Pau Brasil, conforme sua assinatura no manifesto do movimento, insatisfeito com o resultado a que se via submetido, reagiu em altos brados, protestando misericórdia de quem ali se achava.

Recusara mesmo permanecer de pé, mas, sendo assim, forçaram-no em cordas a se sentar numa cadeira, onde, com olhos vendados, ainda pedia que o deixassem viver. 

De nada lhe valeram as rogativas, pois logo em seguida o pelotão recebeu a ordem de preparação:

- Apontar! 

E, ante os disparos iminentes, o pânico pareceu querer tomar a alma do condenado em face da morte inevitável, sob o monto de todo o idealismo que até ali dominara os atos de sua razão da existência. Outra vez, um gesto cresceu de sua voz, explodindo mais alto em reclamações de amparo, lançadas aos planos superiores:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

Nisto foi secundado pelo toque de comando: - Fogo!

Cessada a fumaceira, as balas achavam-se cravadas no muro onde o revolucionário permanecera incólume, sacudindo de espanto os presentes. Seguiu-se nova carga de munição. Restabeleceu-se a ordem preparatória, e se fez no ar outro grito de socorro:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

- Fogo! - comandou a ordem marcial.

Resultado: o alvo manteve-se intacto. Os tiros voltaram a ferir tão só e apenas o muro, para desânimo da escolta. Em meio do inesperado, tonto, pálido, o comandante reclamava prática melhor de tiro a seus homens, visando manter os praças no cumprimento do dever, tratando de retomar as determinações da próxima tentativa, que foi precedida pelo mesmo grito do condenado, tão pungente quando sincero:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

Os disparos se deram, de acordo com a obediência. Desta vez Pluma fora atingido por algumas balas, mas continuava vivo, segundo narra em seu livro Queiroz Lima. 

Soldados de pronto se movimentavam para um quarto fogo. Nesse instante, a população presente, tocada de simpatia pelo confederado, se ergueu coesa e exigiu o direito do réu ser libertado, qual merecesse o valimento dos céus. Em seguida, essas pessoas levaram-no consigo, alheado e preso à cadeira do martírio, até à Igreja do Senhor do Bonfim, distante cerca de 200m do ponto onde a cena ocorrera, entre preces e benditos fervorosos.

Há registros do ano de 184l que dão conta de que o sobrevivente veio a ser titular da Promotoria Pública da comarca de Baturité, no Ceará, o que bem comprova sua resistência aos ferimentos naquele dia recebidos, na tentativa de execução de que fora objeto e sobrevivera, no município de Icó, dezessete anos depois.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Diagnóstico preciso

Nunca, jamais, qual agora, as pessoas se conhecem tanto. Aonde se virar e nos vemos face ao espelho do mundo, nos objetos e nas pessoas, em velocidade inimaginável, de tudo quanto é maneira, sem descanso, nas páginas dos dias, sobremodo perante as telas espalhadas no quarteirão inteiro. Sem refresco no juízo, dormimos e acordamos ao som dos equipamentos eletrônicos e da sede sensacional das notícias a preencher o universo de mentes ansiosas das novidades recentes. A indústria da informação, os denominados meios de comunicação de massa, qual a bolsa de valores dos destinos, não têm férias nem intervalo de almoço. São as guerras da vez, os atentados, acidentes mil, imprevisões climáticas, medidas radicais dos governantes, escândalos oficiais ou privados, estatísticas atualizadas, prisões, investigações em andamento, novas doenças, novas curas; o que de manhã seria interessante, de tarde envelheceu e de noite virou a retrospectiva amarelada do tardio esquecimento. Uma máquina trituradora de esperanças. 

Na fome desse ineditismo, marcha humanidade trôpega, feroz, ardilosa, impaciente, aos suspiros e dramas das páginas principais dos blocos de notícias que viraram a festa coletiva da pouca transformação, depois de quanto tempo de peleja nas vastidões históricas. Há como que uma radiografia internacional da espécie que diverge pouco da veracidade precisa da ciência que dominou o plano mental dos momentos do futuro. O ser que somos pela primeira vez é conhecido diante das câmeras do saber humano a ponto de existir pouquíssima chance de considerá-lo um desconhecido, aquele desconhecido de antigamente. Hoje a gente já se conhece a ponto de precisar sem sombra de dúvidas quem somos e discrepar quase nada de um conceito preciso da verdade total. Os equipamentos permitem isso através da evolução tecnológica e de exatidão matemática. 

A comentar assim, fica bem clara a importância do instante presente, da certeza correta do autoconhecimento, de promover sérias correções no rumo que se tomou. Melhor ocasião nunca, jamais, qual agora, existe de as pessoas se conhecerem tanto... Não dá mais para onde empreender fuga, pois as paredes ruíram todas, e estamos sós e nus.

O sofisma político

Em certa ocasião, envolvido pelas tempestades políticas que teve de atravessar, Abraham Lincoln foi abordado por senador adversário, que queria impingir ponto de vista descabido quanto a matéria em discussão:

- Senador, vamos supor que uma vaca tenha cinco patas. Em sendo assim, indago de V. Exa., quantas patas tem uma vaca?

- Quatro - respondeu de pronto o estadista americano, acrescentando: - Pois não é por se supor que uma vaca tem cinco patas que ela passe a ter.

Situações análogas marcam o cotidiano de quem frequenta a escola da política em todos os países. Muitos querem que a Verdade possua a cara de sua verdade, esquecendo que, apesar de iguais termos, o primeiro se escreve com letra maiúscula e não pode ser mistificado ao sabor das conveniências individuais.

Uma disposição mórbida de viciar contas em proveito interno deve ser considerada mediocridade, não interesses perniciosos nos bastidores sustentando a maioria dessas atitudes, que depõem contra os valores da Ética, espaço onde se reclamam suas presenças.

Militantes políticos, de ordinário, no lado subdesenvolvido deste mundo, buscam a caminhada pública para defender causas pessoais ou de blocos fechados. Seriam como que bons para si e para os seus, enquanto relegam a terceiro plano faixa substancial da comunidade que vota na esperança de modificar o estado de coisas.

Dessa forma, urnas transpostas através de recompensas imediatas, no que se utilizam de capitais a ser recuperados após a vitória, estruturas reacionárias lançam âncora nos mares do serviço público e substituem os figurantes antigos. 

Em dita ocasião, tudo passa a ser considerado instrumento de uso íntimo, desde a canalização das verbas para áreas particulares até o jogo de palavras e gritos, na montagem das propostas arrevesadas em defesa de atos esdrúxulos e manipulação de opiniões, fazendo passar por bons os péssimos e por maus os opositores, endossados pelos órgãos da comunidade de informação a peso de ouro (pode existir coisa mais imoral do que propaganda de administração pública? Para que divulgar o que se tem a obrigação de fazer?).

Neste universo das leis humanas, o justo anda cabreiro de pagar pelo infrator. Manchas se alastram no mata-borrão social e a bela arte do diálogo desvirtuou em demagogia ou subterfúgio, período quando sociedades estacionam, ou degeneram, sufocando ânsias de progresso.

Eis o diagnóstico de quadro preocupante, espantalho que atordoa gerações inteiras de lideranças novas. Como tratamento urgente, os exemplos bons merecem aplausos, para fomentar métodos limpos de corrigendas e recuperar a sobrevida.

Atenção fixa nos que vestem as malhas do poder e se dizem salvadores, porquanto posam de cordeiros mansos bem sucedidos e jamais avisam que aparências enganam.


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O senhor do impossível

Mergulhar em algumas avaliações místicas justamente em um tempo quando resta mundo esquecido de valores antes fundamentais, se é que um dia foram fundamentais, nesse pesar das eras. Lembrar os raciocínios de Deus a que neles se detiveram filósofos sós nas páginas amareladas dos velhos livros quase abandonados no decorrer das práticas cotidianas deste mundo insano. Hoje, falar em Jesus, Buda, Lao-tsé, Kierkegaard, Platão, Orígenes, remexe as fibras machistas dos tambores acelerados  e os padrões da era nuclear de deuses entontecidos e estéreis, ícones de acrílico e fibra de vidro, rolados e impressos nos painéis gigantes da terceira dimensão, vazios de conteúdo real.

Às raias do absurdo, indiferentes, jogaram os dramas da espécie, comédia insólita dos porões vazios da máquina embrutecida e esfumaçada na embriaguez de farras. Há gigantes em tudo, nas vitrines e nos paraísos artificiais da massa melancólica, que vaga absorta e de olhos pegajosas.

Enquanto isto, a única saída verdadeira é precisamente onde não há saída no juízo humano. Senão, para que precisaríamos de Deus? As pessoas só se dirigem a Deus para obter o impossível. Para o possível, os homens bastam, afirma o filósofo russo León Chestov.

Nunca, tal nestas datas momentâneas dos princípios de século XXI, houve tamanha ausência dos instrumentos morais que permitissem aos humanos adotar um sentido justo às suas existências tangidas pela engrenagem do magno sistema dominante. Quais lesmas de aquário, eles descem, sórdidos, acomodados, as escadarias de pedra dos altares do sagrado e se deixam imolar feitos mercadoria nos salões engalanados da ilusão artificial, racional.

As almas, no entanto, ansiosas de virtudes e banhadas nas lágrimas da solidão dos grupos, buscam meios de recordar o trilho abandonado nas selvas da Natureza, e erguem aos Céus preces esquecidas. Eis Deus: devemos remeter-nos a Ele, ainda que não corresponda a nenhuma de nossas categorias racionais, insiste Chestov.

Aos raios dourados da Esperança, Razão em seus frágeis argumentos agora demonstra o pouco do que trazia na caixa das fantasias, presa também de nenhuma possibilidade além da matéria em fria decomposição.

Eis Deus, o absurdo que renasce das cinzas no coração dos vales de antigamente.

Poder infinito do Amor

Jesus, o Bem, significa o Amor vivo de tudo, a dominar o mundo diante da história da raça humana. Quando veio na sua manifestação avassaladora, iluminou toda a Terra, concedendo chances definitivas à Humanidade de aceitar as possibilidades que existem de trilhar os caminhos da perfeição em suas ações, porta aberta aos campos da real felicidade. 

Isto persiste a tocar o coração das gentes todo tempo, desde então. Pois antes luzes representavam o exercício da razão fria do pensamento, os princípios da lógica que desconhecem os passos da potencialidade espiritual. E ao visitar os seres humanos, o Mestre Divino demonstrou com palavras e gestos o tanto de riqueza que contém o sentimento da Verdade, o Amor desenvolvido nas mínimas expressões.

A sua existência indica meios de revelar em Si o conteúdo da Esperança e da Fé, instrumentos de salvação, nas sequências repetitivas deste chão de lágrimas, pela prática fiel da amizade sincera, valor essencial de continuar a jornada rumo ao Eterno. 

Ele falou utilizando parábolas, contos simples de fácil compreensão, indicando como interpretar as oportunidades do exercício deste poder ainda ignorado de amar, no entanto só aceito quando interessa diretamente as vaidades imediatas. Demonstrou o mistério profundo da conquista do merecimento, que nos fará pessoas melhores, inclusive aperfeiçoando o que permite viver em paz e ser amigos uns dos outros, livres de cobranças estéreis e da hipocrisia. Uns auxiliando os outros nas situações que pedirem apoio e desenvolvimento coletivo. Plantar e colher o que é bom, neste universo de almas em movimento e estudos, escola de tempos novos e renovados sonhos.

Jesus de Nazaré, o espírito superior do exemplo e da Verdade, que revela a potencialidade que habita os ânimos de colher frutos da História através dos modos da inteligência plena e de uma consciência superior.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Fidelidade doutrinária

Dentre as argumentações de Allan Kardec a propósito da verdade espírita como instrumento divino de redenção, uma há que, por si, suficiente seria à defesa da tese: a concordância dos ensinos, na mesma ocasião em todos os lugares onde eram recolhidos através do fenômeno mediúnico.

Quando as guarnições do Espírito da Verdade se lançaram a campo, nos diversos centros, distantes ou próximos, sobretudo na Europa, médiuns foram acionados e o confronto das comunicações coincidiu em seus postulados essenciais.

Os temas abordados deixaram entrever, com clareza, conceitos reencarnatórios, de mundos habitados, escala dos espíritos, leis morais, dentre outros, sem contradições que comprometessem a brisa nova que percorria a crosta terrestre.

Depois, o trabalho veio se materializar com a participação firme de Kardec, o bom senso encarnado, no dizer de Camille Flammarion. Em O Livro dos Espíritos se localizam as estruturas basilares da filosofia transformadora, em l.0l9 perguntas, feitas pelo Codificador, numa visão científica da necessidade humana de conhecer os segredos universais e respondidas pelos espíritos a serviço da Terceira Revelação.

Em tudo, e por tudo, há coerência lógica. Os membros da Sociedade de Ciências de Paris, no ano de l857, na ocasião do lançamento de tal obra, foram unânimes em asseverar que ali estavam respondidas todas as perguntas que qualquer estudioso, de sã consciência, faria sobre a vida após a morte.

Esse patrimônio, hoje, supre as interrogações que se arrastaram durante tantos séculos, herança benfazeja daqueles que têm o merecimento de alcançar. Portanto, digno do respeito das coisas sublimes, alívio dos aflitos, alimento dos famintos, bálsamo dos feridos e código do Amor de Deus, a informação espiritista deve ser, desta forma, apreendida e praticada, para mostrar toda a sua pujança transformadora.

Pois se trata de edifício doutrinário que não contém reparos, nem os comporta, uma vez apagar as dúvidas com fachos luminosos de transparência sem precedente na história dos humanos.

Felizes dos seres que galgarem a compreensão da Doutrina dos Espíritos, estabelecendo vidas em suas pautas de Luz. Quando assim se der com a Humanidade inteira, a Terra será morada de uma raça espiritual superior, e Jesus-Cristo voltará a viver no meio de nós.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Discurso breve

E se abandonar às palavras, assim como, irresponsavelmente, os porcos vocacionados se jogariam a fétidas lamas dos chiqueiros dos invernos extremos; e os burros a pedras esfumaçadas e quentes das bagaceiras, logo depois que largaram, ainda suados e trôpegos, cangalhas fedorentas nas quais nutriram a glória durante todo o dia inteiro, no caminho exaustivo do corte ao engenho, transportando as canas de moagem eterna. Uma disposição total e absoluta das puras evidências e circunstâncias. Um parto sem a dor inconveniente das razões, de jogar lá fora todos os fardos e entraves das limitações humanas que totalizaram as misérias da alma e encheram de rabugice o porão das pretensões do que comportaria o viveiro das fantasias.

Nesse passo constante de frases, vêm as primeiras respostas do vento, o aviso de retorno à simplicidade original perdida na civilização do universo aparente das diárias ilusões. Chamar a si o mérito dessa culpa que corrói as entranhas da multidão desenfreada, na busca da sobrevivência a qualquer preço. Uma fome geral de poder no complexo dos impérios mundiais, que só constrange quase a caravana inteira, troco do ouro encardido disputado da própria terra comum, sem dó nem piedade, na febre do desespero.

Chegar pedindo o que sabe ninguém tem a oferecer; chegar impondo caridade a quem nunca dela conheceu das mãos poderosas dos gigantes do Norte. Introduzir agulhas finas em veias secas ocidentais, espoliadas, numa salva de prata revestida com pedras dos melhores diamantes africanos sujos de sangue.

Bom, estas palavras refletem apenas inscrições nas paredes artificiais da fama. Uns trapos de notícias a percorrer imensamente os ares internacionais, no sabor das mudanças impostas aos governos das propagandas hostis. Isso de ouvir nos céus os telegramas das agências, à procura de sentido em vastas academias de homens ricos a dominar o Planeta envilecido, marca, com forte palidez, a ordem econômica constituída de pessoas a enganarem a si mesmas, quando os reis nus da história desfilam nos carros abertos pelas avenidas principais. 

Querer o que, depois de guerras monumentais, se transmitiu em formato de lealdade, bondade, à hora do repasto das feras, na praça principal, aos olhos frios dos chefes de tribos e inertes personagens, comandados a custo das assembléias de um só. Já tivemos vários sonhos de união, quando o lobo pastará vizinho do cordeiro, nas luzes de amizade permanente. Quando cores simbolizarão valores e sentimentos bons de criaturas reunidas para celebrar fertilidade e o direito harmonioso das espécies, sem elites superiores.

O discurso autêntico dos corações enamorados em cerimônia de núpcias, que convida o rebanho ao cio das almas que alimentam a multiplicação dos pães sem privilégio, longes das caretas das barrigas vazias e dos braços crônicos do desânimo. A palavra das verdades eternas de justiça, amor e paz, espalhadas neste vasto laboratório das felicidades estabelecidas, na visão democrática das massas, território ideal de plantar a boa semente viva da certeza.  

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Limpar o coração

Abrir a gaiola daqueles pássaros ali prisioneiros nas horas de ausência dos gestos agradáveis e que deixaram de seguir seus trilhos no voo da continuidade, energias retidas de objetos que jamais haveriam de invadir corações leves, no entanto que assim o fizeram e agiram por conta só dos caprichos e do personalismo das dificuldades em conter instintos de dominação e sentimentos contrariados. Lavar com gosto o teto da visão na alma, purificar os instantes do passado e flutuar ao ritmo das canções de esperança e fé. Polir pálpebras do amor enquanto sintoma de pureza a nascer, crescer e preservar a espécie das saudades desnecessárias.

Por vezes hálito forte das tardes sertanejas pede com veemência isto de varrer as varandas do Universo disso, da poeira cósmica que dormiu nos lugares impróprios sobre pecados inventados pela rebeldia, preguiça moral que têm os momentos de parecer criar raízes dentro do espaço já estrito da pessoa, e fica ali remexendo de teimosa intrusa. Porém que aguarda atitude reverente da sabedoria quando as dores principiam incomodar e reclamam aquilo de abrir a grade das gaiolas do recalque e despachar corpos estranhos aonde jamais haverão de voltar.

Essa procura de iniciativa parece comprimir muitos indivíduos nas fieiras intermináveis da contrariedade vagando esse mundo, fase especializada em pedir bênçãos dos Céus rumo da Paz. Contudo tal anseio interessa com prioridade pessoas que sofram esses achaques e amargurem fechamento de rancores no interior da máquina sadia de sentir e viver com harmonia. Urgente providência, pois, limpar o coração, que representa sobremodo grandeza e inteligência espiritual perante os dias, que correm céleres no sentido das soluções definitivas do desejo humano de quem representa qual sujeito os desejos da felicidade.

Numa espécie de convite ocasional, segue isso de limpar o campo do território na cama da tranquilidade e aguardar bons filmes projetados na tela dos bons resultados. Palavras que saem dos dedos e escorrem na forma das horas, a preencher o firmamento de oração fervorosa de limpeza.

Os elementais e a ecologia

Depois de quebrarem o pote, que a água sumiu terra adentro, os que enxergam mais longe principiam a clamar pelo respeito à Natureza, pois as matas não têm preço (e as vendem por quase nada sem donos serem), que o ar deve permanecer limpo, limpeza dos rios que viraram esgotos, que a maré pode crescer e engolir a terra. Um berro de apreensão se espalha das notícias da tevê. Identificaram até que a camada de ozônio, protetora de nossa atmosfera, vem de apresentar brechas irremediáveis, comprometendo a sobrevivência da vida no planeta.

Os elementais, entes hoje invisíveis ao homem, sempre cuidaram melhor deste paraíso, zelando pela sua beleza, como artesãos inspirados nos tantos ramos da Criação. Foram eles os primeiros ecologistas (palavra tão na moda e ao mesmo tempo tão fora de moda) e poucos se lembram deles, nas manifestações românticas de ruas e praças, nesses atuais países ricos, fumacentos. Nenhuma faixa, nenhum cartaz, nenhum hino de louvor. Os colonizadores arrasaram minérios e raças tradicionais, malversando as provisões do futuro. 

Os homens se transformaram nos piores predadores da boa saúde planetária. Exemplos de civilização coerente no trato das coisas naturais ainda agora não se acham, no decorrer das eras. Contam os livros que há pouco menos de trezentos anos um macaco podia, se pretendesse, viajar de Portugal à Dinamarca sem pisar no chão, tocando apenas na folhagem das árvores vistosas, numa Europa recamada de lindas florestas, os bem cuidados campos do Senhor.

Esses elementais, seres encantados de que se têm notícias no folclore e nos contos de fadas, são responsáveis diretos pelas condições básicas da existência na face da Terra. Zelam pelo vento, plantas, rios, mares, oceanos, bosques, flores, montanhas, lagos, pelo fogo, pela água, pelas sementes; pelos fenômenos mais diversos do sistema universal; os gnomos, os silfos, as salamandras, as ninfas, as nereidas, os elfos, duendes; inúmeros registros deles se acham nas lendas dos povos; todos formam o grande exército de amor, na preservação do Equilíbrio Universal.

Quem sabe se um dia não deixaremos de falar desses assuntos de crise e tudo correrá, de novo, com antes já foi, no seio harmonioso do Silêncio e da Paz, onde viveremos conforme indicar o Poder Superior, humanos e divinos, dentro de sonho bom e espiritual?

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A andorinha e o elefante

As histórias tornaram-se recorrentes, a exemplo desta lenda hindu. Ouvem-se (leem-se) daqui, dali, dacolá, os contos tradicionais que passam de mão em mão, transmitidos quais sementes replantadas de frutos saborosos, na multiplicação efetiva das coisas boas. A narração que ora urdiremos possui esse valor característico, razão de suas tantas divulgações, tornando-a patrimônio coletivo noutros lugares além da cultura indiana donde provém:

Certa vez, incêndio de proporções monumentais grassava na mais distante das florestas do reino. O fogo lambia, com ventos rápidos, árvores seculares imensas, a espantar o silêncio e calcinar verdes vegetações. Labaredas de proporções descomunais seguiam as trilhas das ramagens vivas pelas folhas secas acumuladas no tempo. Estalidos. Berros. Desolação. E as lonjuras do manto indefeso distorciam-se na aflição dos bichos alucinados, sem pouso, sem norte, quais lentes de horror, presas frágeis, para escapar da fogueira instalada no mundo selvagem antes apenas calmo, contínuo.

Meio exótico de cenas febris, o império da miserável destruição parecia querer a todos dominar, crivando de cinza e dor as coisas fugidias, tão neutralizadas pelas tintas azuis, derramadas do teto infinito do céu, na tarde circunstante.     

Enquanto isso, uma andorinha voava que voava, indo e voltando no igual percurso das asas incansáveis, a obedecer velocidades trepidantes. Descia em mergulhos pontiagudos ao fundo lago e se molhava demorado, sobrevoando, em seguida, vezes e vezes. Nessas voltas, chegava bem no prumo do fogaréu, sacudia as penas em esforço descomunal para qualquer animalzinho minúsculo. Ao secar, reencetava a mesma jornada rumo das águas, de nova a encharcar o corpo franzino que repetia...  

Nesse ínterim, de longe, instalado na ravina confortável das imediações, elefante adulto, pré-histórico, reparara na atividade frenética da pequena ave e suas repetidas viagens. Então, aproxima-se corpulento, e refletido pergunta:

- Por que tanto empenho, dona Andorinha? Por quê? Diga só! – insiste o gigantesco animal. - Para nada o que fazes, pois vi, noutras ocasiões, iniciativas semelhantes. A senhora sabe, tanto quanto eu, que essas míseras gotículas do seu trabalho inútil jamais irão conseguir apagar tanta fornalha; por isso, as matas tornam-se impróprias, perdidas.

- Sei, sim, camarada Elefante. Sei, sei – quieta respondeu a andorinha. – Porém não me conformo diante das limitadas condições. Ajo de acordo com minha dimensão reduzida. Faço a parte que me cabe. Cada um dos senhores bichos que trate urgente de, também, fazer a sua parte. Daí, decerto, um dia melhorarão as condições e diminuiremos os incêndios desse tipo. Venha, vamos juntos, vamos!...

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A jumenta de Balaão

Na madrugada bem cedo, ele arriou o animal. Via-se pressionado pelos emissários do rei dos moabitas, Balaque, filho de Sefor, que lhe reconhecera a força profética para amaldiçoar os israelitas espalhados, vagando sem rumo entre as nações do deserto.  Claro que Balaão nunca desejara agir daquele modo, porquanto estimava o povo de Israel, sabendo-o abençoado por Deus. Contudo também desejava permanecer vivo nessa história.

Há pouco, de noite, escutara na consciência que seguisse, no entanto para falar, sim, as palavras que Deus mandasse.

Quando a caminho acompanhado de dois servos surge-lhes na frente um anjo do Senhor armado de reluzente espada, só visto pela jumenta, que por isso arrastava seu dono noutra direção, acuada que ficara ante a inesperada visagem. De nada serviu mudar de lugar, pois o anjo correu e, outra vez, interceptou-lhe a montaria, que agora forçava as pernas de Balaão de encontro aos arbustos de uva quando prosseguia bloqueada pela imagem que avistava.

Sem compreender aquilo, aborrecido, insistente, o profeta espancava e constrangia as ancas do pobre animal, querendo-o, a qualquer custo, de volta ao trecho da jornada. Alternativa não restou; a jumenta dobrou-se exausta sob o peso do homem furioso, que mais ainda lhe vergastava, a ponto de ela chegar a falar:

- Que é que ti fiz, Balaão, para merecer tanto castigo?

- Perdeste o respeito comigo - revidou surpreso o cavaleiro, após aplicar sucessivas camadas de cipó na jumenta. - Possuísse aqui instrumento de corte e te mataria agora mesmo. - Não sou eu tua montaria há quanto tempo? Que outras desfeitas te fiz até hoje? - seguiu questionando o animal exausto. Nesse momento, Balaão, envergonhado, de cara no chão, notou a visão do anjo de espada em punho a lhe dizer:

- Por três vezes marcou esse bicho, enquanto eu bloqueio sua estrada para que não contraries a minha vontade. Houvesses continuado e serias eliminado por desobediência, em vez de a jumenta por ti ameaçada e que salvou tua vida recusando passar contra mim.

Ainda querendo retornar, em sinal de arrependimento, porém, sob a determinação do anjo Balaão prosseguiu a viagem. Cumpriria uma missão bem contrária à que lhe impunha o rei:

- Vai com esses homens, mas falarás o que eu disser.

Tal modo aconteceu naqueles primórdios da história de Israel, de acordo com o livro bíblico de Números (22, 20-35).

Algumas considerações de 2014

Ano eleitoral de novo presidente, novos governadores, senadores e deputados. Eleição pareia, por poucos pontos de distância no segundo turno de presidente e de alguns governadores, dentre os quais o cearense. A presidente se reelegeu por conta dos votos de Norte e Nordeste, em detrimento dos do Sul e do Sudeste, ora detentores do poder da informação, da indústria e do comércio. Espécie de Brasil com isso se revelou às vistas, já do conhecimento da história, Brasil de baixo e Brasil de cima, como dizer de Patativa do Assaré.

Bom, mas a unidade nacional não se abalou com isso, por conta do decantado dinamismo da política. Uns descem, outros sobem, ao sabor da maré e do vento. No entanto os tempos são bem outros, à conta da tendência natural do aperfeiçoamento das instituições. E a velha política hoje sofre os rigores da Lei e sua aplicação mais efetiva, causada com a pulverização do poder que já começa devagarinho a chegar aos órgãos oficiais da investigação e aos meios de comunicação, em grau de intensidade histórica que devassa e prende até gente enriquecida, a ponto de figurões importantes de antes irem parar nos presídios, nunca visto no Novo Mundo.

Quanto aos esportes, a decantada seleção brasileira, a Pátria de chuteiras na expressão dos cronistas, deu vexame diante da Alemanha, em plena Copa do Mundo realizada aqui no solo brasileiro, de placar a esquecer, esquecer não só o placar, mas talvez próprio futebol, no País o esporte das multidões. Esperemos, porém, seja diferente esse desencanto, pois mexeria com as tardes do domingo e algumas noites da semana face o brilho intenso da televisão e dos estádios, paixão nacional.

Bom, face dessas poucas considerações do ano que esvai, há que considerar o modo endêmico de uso das maquinetas criadas para telefone, no entanto transformadas em objetos de mil e umas, às vezes que serve ainda aos propósitos iniciais de comunicação. Agora, fotografa, filma, joga, escreve, manda mensagem, etc. e muitas finalidades, ícone dos tempos atuais, instrumento de preencher ausências e solidão que viraram os celulares.

E a era da tatuagem transformou sobretudo jovens, contudo lembrando a primeira geração do grafismo no corpo dos anos 60 pelo mundo inteiro. Deixa reviver o livro, depois transformado em filme, O homem ilustrado (Uma sombra passou por aqui), de Ray Bradbury. As pessoas sentem a necessidade urgente de marcar presença no tempo que desliza suave nas costas no Universo, enquanto formam e desmancham os traços da realidade ao fôlego intermitente do fole de ferreiro da constante Eternidade.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

As portas do abismo

O ser humano vive para responder a desafios, sendo esses ainda mais variados nos dias atuais, desde doenças transmitidas nas relações íntimas até as desigualdades sociais, expressas nos lances da violência urbana que predominam, sobretudo nas maiores cidades, sem, no entanto, isentar dos crimes bárbaros menores comunidades, em parte originários na ausência de formação moral, nos índices de crescente agressividade e na utilização indiscriminada de substâncias bloqueadoras da racionalidade, os tais entorpecentes avassaladores.

Neste ponto histórico da raça humana, exageros se apresentam com tamanha dominação que muitos se deixam abandonar ao impacto desses desafios, quais meros escravos das destruições em série; o crack, a cocaína, a maconha, a nicotina e o álcool.

O senso crítico bem que pode prevenir a vacilação comprometedora. Já desde a infância que os jovens devem dispor de estrutura para superar o sugadouro em que se transformou a vida mundana, tendo no comando das instituições do entretenimento os meios de comunicação de massa, por vezes inconscientes do seu poder destruidor, espécie de tóxico permitido à luz do dia, com força inimaginável, instrumentos do desequilíbrio, outro tipo de droga quase sempre usada de modo equivocado para vender o sensacionalismo e tolerada acima de qualquer suspeita.

Assim, dizíamos, os jovens têm de descobrir desde cedo como criar a firmeza de atravessar o largo pântano do Planeta em chamas, independente da opinião de terceiros, pois a peleja é, na verdade, uma missão individual fora do juízo alheio dos demais, considerando-se saúde mental como a peça chave desse equilíbrio naquilo que irá cumprir, no rumo da realização pessoal.

Quando sabem como agir, fruta rara, os moços exercitam a superioridade no embalo de todos esses fatores adversos. Põem-se a par do valor das coisas simples, dentre elas a lucidez de construir um sonho novo dentro do coração, a esperança dos tempos futuros.

O jovem, contudo, nem sempre possui as condições de vencer o mar tormentoso das tentações, porém deve fazê-lo, custe o que custar de sacrifício e vaidades, em favor da própria sobrevivência, porque assim trará consigo respostas plenas à Humanidade. Avalie com carinho essa perspectiva de manter a sobriedade no decorre da vida e verá como as reservas obtidas serão suficientes para vencer todos os obstáculos. Só então perceberá o quanto de sabedoria existe nos infindáveis mistérios da natureza interior das criaturas humanas.                            

domingo, 11 de janeiro de 2015

Bem dentro de si

Agora e aqui neste lugar de mundo que as palavras podem descrever, no entanto pouco visitado por mim mesmo, há pássaros cantando de manhã ao sol, trinos distantes da música livre do silêncio pelo ar, som das esferas em movimento contínuo, vagando ajustadas ao eixo do Infinito. Sentidos alertas observam horas que passam céleres diante dos elementos empilhados rígidos à volta da paisagem espalhada na visão, durante o tempo que registra os pensamentos de um peito aflito de sentimentos indefinidos e tantas imperfeições flutuando pelo horizonte pleno de presenças da existência lá de fora da gente. Qual determinação que tem as forças desconhecidas, tange barco preenchido de tripulantes inúmeros no constante diálogo a determinar o roteiro dos destinos tantos imaginários, seres que cabem na palma de uma única mão, multidão inumerável, entretanto.


Há nuvens de vontade que pede o bem qual escolha obstinada de organização do sentido desse projeto inteiro de ser que sou. Bate no teto da alma afirmação soberana, em ritmo de tocar adiante desejos intensos de buscar o jeito sadio de sobreviver sem desmanchar o amor incansável das cenas dos dias magistralmente traçados aos existentes, pegos na sensibilidade e conduzindo ao templo da permanência, qual menino encaminha cego através das veredas imensas da floresta das certezas. Passos tocam o solo sagrado deste chão, firmamento da orientação, plantando consciência quando valores vão e vêm a todo momento, inesperado das dobras que indicam claridade forte de luz intensa. Gosto de receber essas normas e chegar ao lugar certo até nele permanecer definitivamente, na sombra de árvore monumental e raízes fincadas no âmbito da Verdade imortal.

Conter, sim, a fome fácil dos prazeres e reclamar a atenção de achar disciplina nas escolhas doridas e solitárias, contudo necessárias e justas, de um código de honra a cumprir nas ações da existência.

sábado, 10 de janeiro de 2015

A fuga de Lot

Depois de comunicar a Abraão e Sara o nascimento próximo de Isaac, que representaria a semente da geração do povo judeu, eles três partiram a caminho de Sodoma, onde se avistariam com Lot, sobrinho de Abraão que lá vivia.

Antes, porém, ficaram um pouco mais a conversar quanto aos detalhes da missão que adiante iriam cumprir. Disseram a Abraão que Sodoma e Gomorra chegaram no limite da tolerância da Lei, em face dos desmandos praticados através das misérias da carne.

Os viajantes seguiriam para comprovar no local a triste realidade e deflagrariam em seguida as extremas providências de exterminar aquelas duas cidades da face da Terra, hecatombe depois registrada pelos povos da Antiguidade.

Sabedor do grave prenúncio, o patriarca ainda quis argumentar que a medida prejudicaria também os justos que porventura vivessem no seio daquela gente. Daí estabeleceram cogitações dos quantos virtuosos merecessem clemência do Poder.

- Cinquenta? Quarenta? Trinta? Vinte? Dez? – saíram enumerando.

- Caso houvesse ao menos cinco justos, em respeito a esses tais preservar-se-iam as duas cidades – disseram os mensageiros, enquanto cuidavam de prosseguir na caminhada.

Dos três homens, só dois entraram em Sodoma e se depararam com Lot à porta de sua casa, que, ao vê-los, prostrou-se de rosto no chão e lhes ofereceu hospedagem. No entanto queriam observar a cidade, por isso recusaram o convite. Todavia, diante dos insistentes rogos de Lot, aceitaram pernoitar na sua residência. 

Quando os habitantes da cidade souberam da chegada dos forasteiros, logo, numa atitude hostil, cercaram a casa. Reclamavam de querer abusar do corpo deles, tamanha promiscuidade dominava os costumes do lugar abominável.

À menor intenção invadir o recinto, e querendo neutralizar a horda brutal, Lot ofereceu as próprias filhas com isso querendo neutralizar a fúria dos bárbaros. 

Inexistia qualquer chance de conter a fúria animal do que armavam. Nisso, ao erguer as mãos, os dois hóspedes detiveram o grupo dos agressores de imediato tornados cegos, que, tontos e sem rumo, abandonaram o local.    

As virtudes de Lot e seus familiares vieram a possibilitar que na madrugada do dia seguinte abandonassem a cidade na direção da pequena vila de Segor, aonde permaneceriam pouco tempo até se instalar nas montanhas das cercanias.

Única instrução que receberam dos dois visitantes, que no decorrer da fuga, em nenhuma hipótese, olhassem para trás querendo ver os escombros da cidade que abandonavam.  

Então, com a partida do grupo, o Senhor despejou dos céus chamas da justiça mais extrema e transformou as duas cidades num turbilhão de pó, cinza e enxofre, encobrindo-as sob tormentosa nuvem de fumaça escura.

Nem ao menos cinco justos habitavam aquelas paragens, se cogita.

Aflitos e desalinhados, silenciosos, apenas Lot e as duas filhas que possuía largavam o passado nas estradas, porquanto, no contraste das sombras primeiras sombras da noite, ao longe, fria estátua de sal resumia tudo o que restara da desobediência da esposa e mãe, a refletir derradeiros claros do sol posto no íntimo do horizonte.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Dominar os baixos instintos

Portas abertas ao sol da manhã esplendorosa deixam a luz do dia chegar com mais força ao coração da gente e clarear a vontade do melhor nos relacionamentos, função avançada de comparecer ao pomo do desejo de um dia ser melhor do que fomos, caminhada incessante do processo evolutivo. Impulsos de paz no íntimo da pessoa que transporta a níveis superiores constantes na floresta da arte, elevando possibilidades de sonhar com séculos menos tensos da história da humanidade desde a existência individual, dever e solução de tantos e enormes problemas criados durante a jornada deste chão de experiência.


Três ou quatro palavras bem positivas valem mais do que milhões de projetos materiais sujeitos a produzir a maldade que já tem hora perecer o dominar dos noticiários, nas tocas da ambição. Pensamentos simples em forma de calma e tranquilidade da aurora das tardes de janeiro, auspícios das construções coletivos em mundos de paz. Andar assim de olhos abertos do quanto poder há nas aspirações humanas esquecidas dos dramas em forma de mágoas ou sofrimentos. Elevar metas de obter sucesso mediante renovação de princípios e valores, alimentar verdades de união entre as raças e distâncias. 

Bom, é isto de dominar instintos agressivos e escolher amar com vontade sóbria, modelo de necessidade urgente logo e sempre, sentido de recriar a civilização através das moléculas da espécie que somos nesse instante solene à nossa disposição que perde atitude e respeito de seres inteligentes.

Os meses passam, seguidos de compromissos por vezes inconscientes de populações primitivas que precisam andar rápido nas planícies abertas da maturidade liberta da imperfeição. Agora será, por isso, diferente desde que haja as fórmulas aplicadas de meios sadios, liberdade nas luzes do amor.

Querer, portanto, vitórias mil das previsões na felicidade às portas dos tempos novos.