sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O elefante no escuro

Na Índia, uma parábola fala da experiência de quantos se propõem a conhecer a verdade. Trata-se de história divulgada no Ocidente pelos autores de livros populares sobre o modo de transmitir ensinos superiores. Esta prática exige um tanto de habilidade, porquanto cada um vive suas próprias ocasiões de aprender. Quando muito, adquirem versões subjetivas, convicções pessoais que tiram do grande todo, detalhes mínimos do que os sábios ensinam a seus discípulos.

Conta dita história que certa feita um rei apreciador das coisas do espírito reuniu três cegos e os solicitou que abordassem um elefante e, em seguida, explicassem do que se tratava. 

Um por um, os cegos se achegaram do animal e tocaram seu corpo em distantes regiões.


Depois, trazidos ao soberano, descreveram o que haviam conhecido através do sentido do tato, esforço este acompanhado de perto por outros súditos ali presentes.

O primeiro dos cegos descreveu que sentira pelas mãos ser enorme dotado de imensas orelhas, semelhante a tipo que poderia se deslocava no ar graças aqueles possantes instrumentos de locomoção.

Já o segundo cego, por sua vez, justificou que apalpara bicho de barriga avantajada, o que, devido ao peso do que acumulava, lhe impedia o deslocamento. Daí necessitar possuir patas comparáveis a troncos de árvores frondosas, com as quais permanecia preso ao solo, a se mover com dificuldade e risco para a segurança dos que viviam a sua volta.

Por fim, o terceiro cego considerou haver conhecido espécie rara capaz de reter o ar sugando-o através de orifícios situados na extremidade da tromba poderosa. Qual enguia gigante, o pavoroso monstro vivia de tudo examinar com o tal dispositivo, causando horror aos que encontrasse no caminho.

Como visto, o monarca ouviu nada além de ponderações de ordem singular. Porquanto, devido à limitação de suas vivências, os cegos apenas puderam abordar o objeto que apalparam sob os limites do que possuíam em suas noções anteriores.

O julgamento da cultura humana ocorre nas mesmas e restritas limitações pessoais. Ninguém que se preze negará esta sentença, fruto do estado precário em que ainda nos achamos. São avaliações significativas, destacando a importância de ser humilde no que tange a pontos de vista. Isto significa dizer, também, que a soma dos valores coletivos somados ampliam as chances de todos nós juntos um belo dia conhecer a Verdade absoluta na sua plenitude, por meio da fraternidade e união das individualidades.  

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O aquecimento global

Aqui se estuda um jeito próprio de tratar este assunto, sem o sensacionalismo que desvia atenções dos detalhes sociais por vezes esquecidos. Isto na intenção de trabalhar jeitos de preservar o mundo. Sonhar com mais oportunidade para questionar e continuar a viver com esperança. Acreditar acima de tudo nas ações que ocasionaram os bons resultados do inegável progresso obtido pelos seres humanos, na vida moderna de conforto e facilidades.

Entretanto, agora alguns países se mostram cautelosos em relação ao fenômeno que denominaram de aquecimento global, resultado a que chegou o trabalho do enriquecimento coletivo. De tanto explorar os materiais encontrados na face do Planeta, produziram esta crise de calor que já derrete as calotas polares, aumentam o nível dos mares, a ponto de dominar o horizonte e os jornais, e tocar as distantes regiões, alterando a temperatura e outros fenômenos até então independentes da mão humana.

Poderosos em termos históricos, armados e detentores da melhor das tecnologias, os Estados Unidos negaram firmar o Protocolo de Kyoto, pacto disciplinador das ações dos principais responsáveis pela geração de calor e emissão de gases, além de insistirem na posição de que assunto pouco lhes interessa e diz respeito.

Os responsáveis pelo estado de coisas da Terra, nos dias atuais, claro que é a humanidade toda. Ninguém queira argumentar que imaginava serem os recursos inesgotáveis, que não se chegaria aos extremos dos limites. Impávida, a Natureza silenciosa seguia seu itinerário. As queixas apareceram, no entanto, diante dos modos de reagir dos elementos naturais, a indicar preços elevados da fúria, na ausência de conhecimento com que foram tratados.

Outra vez, um desafio de soluções inadiáveis. Isso requer a revisão radical nos conceitos econômicos de desenvolvimento, produção e preservação ambiental, algo superior, talvez, à capacidade partidária das guerras de conquista e espoliação, exercitada nas buscas territoriais e dos mercados.

Sob este crivo de severidade há, em pauta, uma completa reconsideração dos conceitos predominantes da cultura, da felicidade material, o que exige longa e fria reflexão. Eis, por isso, um problema de dimensões planetárias, entregue a esta geração qual enigma de fina sensibilidade e rude sabedoria.  

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Os três cavalos

Em um apólogo do escritor cearense Gustavo Barroso, li que viajavam por estradas desconhecidas do Sertão três animais de montaria: um cavalo velho e dois fogosos potros.

Trotaram, trotaram, até chegar numa encruzilhada, bifurcação de estrada para eles indefinida.

Sem saberem qual a alternativa correta lhes beneficiaria nos objetivos da viagem, iniciaram demorada consideração quanto ao caminho a tomar dali adiante. Cada potro, por sua vez, no afã da juventude dos animais cheios de energia, optava por um dos lados, enquanto o cavalo velho, matreiro, reticente, guardava forças a momentos melhores e reconhecia pouca disposição de realizar aventura, e buscar comprovar a certeza da dúvida daquele impasse. Ele ali permaneceria no mesmo lugar, enquanto os dois ferrenhos oponentes provariam na prática a execução das suas teses, e que esperaria o retorno daquele que errasse, porquanto quem acerta só deixa a lembrança de haver, um dia, vivido entre nós.

Assim aconteceu: Depois de longas horas de espera, volta potro que tomara uma das pernas de estrada, a da esquerda, ou a da direita (sei lá!), hoje não lembro mais. Todo latanhado de espinho, suado, sujo de lama e ofegante disse o cabisbaixo animal:

- Ele estava com razão. Sigamos, pois, a outra linha da estrada.

O cavalo velho, então, convida-o paternalmente para repousar um pouco antes de prosseguirem a jornada; e sentenciou:

- Os que erram ensinam duas vezes. Uma, quando decidem agir sem ainda dominar de tudo a situação, negando acomodação e indecisões. Outra, ao responder pelas consequências de recomeçar a tarefa, agora de um jeito provado e exemplo aos demais que apenas observavam a experiência da coragem de quem alimenta cumprir o seu papel de vida. 

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Rescaldo das urnas

Quase nem se comenta mais dos acordos pela governabilidade, envolvendo partidos antes impossíveis de aliança, mas que hoje completam maleáveis quóruns, suficientes da tramitação de matérias essenciais. As formas de negociação da liderança petista ensinam lições inovadoras da política. Quem chegou a dar maior trabalho nos jogos de poder vinha dos próprios quadros partidários. Aqueles caciques históricos das legendas conservadoras se adaptaram com extrema facilidade às novas regras, a ponto de quase inexistir, no Brasil de hoje, frente de oposição considerável.

O estilo ortodoxo das origens do Partido dos Trabalhadores disseminou métodos de consenso jamais previstos, alojando cascas e nós no seio da máquina administrativa, o que representa hoje a soma dos resultados, inclusive nos votos da derradeira eleição.

No entanto, diante das comentadas boas habilidades do novo governo, resta perguntar pela efetividade daquilo que importa, ou seja, os resultados fiéis à grande expectativa da população antes sem voz, nem voto. E agora representada pelos seus pares.

Nisso tudo, indagações afloram no rumo de saber qual o jogo de cintura das ações presidenciais reformistas, naquele mundo burocrático de Brasília, feito de meio milhão de funcionários oficiais e representações estrangeiras, pedaço frio e distante da realidade nacional.

Até onde chegarão as reformas em termos palpáveis, para modernizar a sociedade com leis suficientes de conotação igualitária, justa e democrática? – pergunta que vem à tona antes e depois dos debates. 

Um país extenso clama por comando inspirado na sensatez e no cumprimento do dever das autoridades. Valores sociais hão de predominar, a fim de permitir plena marcha à gente esquecida, enjeitada no berço por interesses antes egoístas.

A rica árvore da Nação quer frutos limpos, em que o peso da honestidade prevaleça na alma dos que chegam aos cargos elevados no intuito de bem servir e não de serem servidos, livres de corrupção, negociatas, corporativismos perniciosos. Disso condições existem, paridas no eito do trabalho e no suor penoso dos pequenos, que sonham e nutrem esperanças e certezas.

Por seu lado, preparo, boas vontades, união sem subterfúgio, superam dívidas e problemas estruturais, conquanto trazem padrões sadios e elementos imprescindíveis a resultados permanentes.

De tal forma, transpostos embates congressuais, entrarão em campo os indicadores sociais que irão mostrar a cara nova; sem prazos específicos, que mostrem, porém, mudanças verdadeiras, sob um ordenamento coerente da máquina institucional.  Que cheguem, pois, as decantadas reformas!  

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O touro valente

Era uma vez, numa floresta longínqua, touro selvagem que se considerava o bicho mais valente da Terra, até que soube existir animal que lhe superava na força. Escutou dos outros bichos que o homem possuía coragem do tanto de superar os seus poderes de fera indomável, motivo pelo qual devia concordar em ser menor do que ele no reino da criação. 

Isso, entretanto, só aguçou mais ainda a curiosidade do touro, que tratou de empreender difícil jornada à civilização, na procura do bicho homem, com quem pretendia manter um encontro e provar quem seria, na verdade, o mais valente dos animais.

Depois de viajar muitos meses, aproximou-se da cidade dos homens, avistando um menino, a quem se dirigiu:

- És tu o famoso bicho homem, rei da valentia? - perguntou.

- Não, sou ainda não - respondeu-lhe o garoto. - Só daqui a pouco chegarei a ser homem. 

Adiante, o touro avistou um ancião encurvado pelo tempo, a quem fez idêntica pergunta.

- Não, não sou mais esse bicho tão valente - ouviu de resposta. - Um dia, que vai bem distante, pude assim me considerar, mas as energias ficaram para trás, na idade que hoje carrego.

Seguiu o touro na sua busca incansável, até se deparar com um caçador munido de ameaçadora espingarda, de quem foi logo indagando sobre o homem, como das vezes anteriores.

Poucas palavras trocaram e logo quis o touro provar dos dois qual seria o campeão, avançando contra o homem que, em legítima defesa, disparou carga grossa de chumbo no meio das fuças do bovino, remetendo-o aturdido de volta ao mundo de onde viera, em desesperada fuga.

Tempo depois, chegou ele ferido na floresta em que habitava, causando espanto nos outros bichos que quiseram saber o resultado de sua procura e se existia mesmo quem pudesse igualá-lo em valentia, no que tratou de explicar:

- O homem é o mais valente de todos os animais. Vejam vocês que apenas um espirro dele quase que me arrebentou a cara - dando-se por satisfeito com a experiência de comparar sua valentia.       

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Cuidado com a vaidade

Caravanas de motivos permitem, a todo o momento, que se previna da vaidade, porquanto essa erva daninha prolifera nos lugares menos oportunos, queiram ou não os vaidosos admitir. No livro bíblico de Eclesiastes, Rei Salomão prescreve taxativo: Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.

Quantas e tantas vezes, pessoas se sujeitam aos detalhes da existência, no sentido de valorizar justificativas que apenas preservam a vaidade, sobretudo, coisas que detêm a caminhada na direção do supremo bem, da saúde e da paz. 

Desde magnatas e suas máquinas geradoras de lucro aos mendigos andarilhos sem rumo certo e seus trastes, seres humanos carecem de artifícios, querendo a todo custo agarrar os ponteiros do relógio e reter a correnteza da vida.

Em sobejas ocasiões, a vertigem das horas impõe necessidades de auto-estima e, nesse fluir de ondas, há momentos baixos contrabalançados com momentos altos, depressão e euforia sucedem, porquanto assim funcionam os pagos da natureza, em sistemas primorosos. Dentro deles, pessoas inserem a consciência. Quais sensores especializados de pensamentos e sentimentos, registram cada sinal de rumo, nas suas ciosas individualidades. 

Nesse constante devir, raia estreita entre passado e futuro, habita o presente, sem, contudo, mostrar as certezas plenas quanto ao rumo claro da história.

Por isso, cão de guarda que vigia as portas do mistério, a vaidade impera e reclama sabedoria de quem busca dominar o mundo. Voa, nada, mergulha, namora, sonha, embriaga, transporta, elogia, alimenta, rouba, julga e mata. Todas as funções sociais e individuais trazem no bojo sua marca pegajosa, do tipo das caixas pretas dos aviões.

Há, todavia, uma vacina de combater a vaidade, o que se chama humildade. Só cada um possui dentro de si tal condão de vencê-la, desde que sobreviva ao crivo de suas garras ambiciosas.

Baixar a bola e saber dos limites e perigos da estrada refletirá no destino das ações pessoais. Criar defesas pela prática do conhecimento, abrir espaço nos pensamentos impacientes e vigiar sempre, eis a solução. Religiões falam na chance de defesa contra ardis e emboscadas do maligno. A vaidade, ao seu modo, insiste no assédio aos incautos, vez ser essa a função que lhe cabe no processo. Os mais vivos, entretanto, cuidam a qualquer custo de escapar do inimigo e acendem a luz do amor no seio do coração.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Blow-Up

Transcorriam os finais da década de 60 e o mundo vivia período atípico em forma de modificações nas idéias, a revirar o pensamento dos jovens, numa escalada que correspondia aos excessos da política americana para o Sudeste da Ásia, em países quais Vietnam, Laos, Cambodja e Tailândia, aonde guerras multiplicavam às reações estudantis nas principais universidades da Europa e das Américas.

Enquanto isso, artistas populares repercutiam seus instintos rebeldes contra o neocolonialismo das invasões russas na África, plena Guerra Fria, nos centros ricos do poder econômico, e Quente, no meio desses povos subdesenvolvidos.

A Geração Beat ganhara adeptos com experiências psicodélicas, adotando a maconha e o LSD nas diversas formas de manifestações e criando linguagens rebeldes nas estilos literários, musicais, coreográficos, cinematográficos, teatrais. A moda integrava outras visões e desnudava a mulher das roupas tradicionais, impondo cores intensas e cortes inesperados.

Algo acontecia saído da Grã Bretanha. The Beatles e The Rolling Stones levavam às plateias ao delírio. Cabelos grandes. Guitarras estridentes. Depois a morte feria  ídolos mártires de overdoses. Palcos feéricos. Altares de sacrifício. Amores. Paz. Largas interrogações.

Surgia o cinema de autor. Os festivais de protesto. Woodstock. Hippies nas estradas. O tropicalismo renovava a música popular brasileira. Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Tomzé, Maria Bethânia, Capinam, Torquato Neto, Rogério Duprat, Rogério Duarte, Os Mutantes e vários outros nomes, reviravam as estruturas tradicionais da arte nacional.

Coisas mil aconteciam, prenúncios intensos da Era de Aquarius, no dizer das tribos espalhadas nos acampamentos, praias e montanhas, shows das praças, repressões nas esquinas. Sonhos. Pesadelos. Cheiro de pólvora. Perfume de flores, fuzis e baionetas.

No quadro dessas lembranças indeléveis que escorrem das paredes cinzas, nas noites insones do passado, as imagens acesas de um filme, Blow-Up, em português, Depois daquele beijo, de Michelangelo Antonioni, que sacolejou as cabeças enfumaçadas. No elenco, Vanessa Redgrave, Sarah Miles, David Hammings, John Castle, Jane Birkin, em produção anglo-italiana de 1966.

A trama de suspense contava história de um fotógrafo de moda que registra, em parque londrino, cenas amorosas de casal desconhecido e na revelação das imagens testemunha um homicídio. Proposto a desvendar o delito, percorrer trilhas inesperadas e bizarras, quando nota o jeito indiferente da sociedade face aos valores essenciais à vida. Ninguém parece preocupado com as provas que  consegue, acabando envolvido no absurdo da realidade em volta. 

Ganhadora da Palma de Ouro, no Festival de Cannes, a película criava linguagem cinematográfica prenhe de simbolismo quase hermético e indicava momentos questionadores das atitudes no apego a ídolos pops e posições existenciais indiferentes que prevaleciam na época. O filme fez adaptação livre de um conto do argentino Julio Cortazar e exerceu forte influência também no campo da fotografia de moda.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Caminhos da natureza

Nesses tempos de pouca água nas torneiras e temperaturas ferventes no mundo aceso, mesmo quem antes nunca pensou em preservação da Natureza, corre o risco sério de parar pensando nas consequências dos tantos e tantos séculos de abandono a que relegaram as fontes da vida na Terra.

São muitos para destruir e poucos para plantar e construir, eis a verdade principal do nível de preocupação com florestas, mares, rios, ar e animais, todos fixados em descobrir meios de lucrar, no procedimento predatório herdado e multiplicado pelos senhores coloniais. 

Vive-se na atual geração o ponto extremo da transição entre o homem extrativo e homem sustentável em que o menor deslize poderá colocar em xeque a natural sobrevivência de todas as espécies.

As ações do Greenpeace, por exemplo, bem demonstram a conscientização desse grave momento, nas atitudes reprovativas do que os mercenários da hora promovem, nos mais diversos lugares.

Bem pensassem os líderes dos países e os acontecimentos, por certo, estariam noutros patamares. No entanto, seguem as políticas visando tão frutos madeireiros de fria destruição de florestas, estiolando solos milenares e sacrificando a fauna, em acelerada devastação inconsequente, posições inclusive do Brasil atual.

Existem órgãos estruturados a combater ditas ações, contudo a responsabilidade cabe a todos os segmentos da população, através dos esperançosos conselhos municipais de meio ambiente, de raro em raro funcionando a contento. A crise moral, que fere outras instituições, fere sobremodo as causas da natureza, justificando no lucro a fome de resultados, nas balanças de pagamento dos juros externos.

Tarefas titânicas conduzem esses órgãos responsáveis pelas fontes da vida em países atrasados, de mentalidade mais atrasada ainda. Muito se fez até agora, e mais resta dagora em diante. Ninguém se diga indiferente aos modos de manter a qualquer custo os nacos de mata virgem, água limpa e ar puro que restam em volta do globo, a pretexto de nada lhe dizer respeito. A coisa chega de jeito radical porque esqueceram de que o Planeta é ser vivo e merece cuidados imprescindíveis aos que respiram e obedecem às idênticas leis universais dos sistemas integrados.

Ainda existe tempo a providências ao gosto de todos para se começar no intuito de conter a voracidade predadora da humanidade que devorou as minas e o povo do continente africano, e cresce, neste princípio de milênio, as garras metálicas contra as terras latino-americanas, bola geopolítica do capitalismo faminto da vez. Só assim, pois, descobria-se que tudo com tudo tem a haver.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Bate-papo

- Oi.

- Oi.

- Como está? Sumiu.

- Bem. Sempre aqui de vez em quando.

- Sim

- Hoje meio calado.

- O q houve?

- Mais a escutar. As variações naturais da gente.

- Vc q semp fala...

- Tem o dia de escutar.

- Eu sei

- Mas tbm acho q algo n esta mto bem c vc.

- Vejo sempre o lado bom de tudo.

- Q bom q semp pensa assim.

- Qual diz S. Paulo, Tudo é lícito, mas nem tudo me convém. Isto é, busco selecionar meus sentimentos.

- Nos tempos q vivemos é mto difícil,alguém semp se alimentar d sentimentos assim. Vc é a diferença no meio d mtos.

- Um esforço e uma dedicação de acertar. Confiar na força do Bem. Isso não significa que a gente também esteja livre de sofrer. Só que saber tirar o proveito.

- E q esforço! Pq eu n consigo.

- É o preço da vitória, o esforço.

- Sim. P mim, vc já um vitorioso.

- Quer? Pois faça, aja no sentido de realizar com gosto.

- Eu n tenho esta capacidade.

- Aceitar o lado bom e trabalhar como um amigo dele, do lado bom.

- Cada dia te admiro mais.

- O primeiro passo é admitir isto, que se é fraco, a fim de buscar a força dentro de nós.

- Pois o meu eu, meu íntimo, está adormecido d mágoas, tristezas e dor!

- Isto representa abrir a porta do coração aos bons sentimentos. Trabalhar nosso próprio mundo, independente do que pensem ou digam, ou façam em volta.

Só em aceitar que esteja assim já é um bom começo. A gente só muda quanto aceita que há algo fora do lugar dentro da gente.

- Na teoria é facil, mas na pratica é uma dificuldade.

- E sem entregar nossas esperanças nas mãos das outras pessoas, que todos estão ligados mesmo é em si. Depois de tempos, começamos a lembrar dos outros. Depois, de tempos e tempos. Há uma luz no fim do túnel. Há uma luz dentro da dor.Guarde isso com zelo. É a certeza da realização, um dia.

- Sim.

- As emoções, sensações, prazeres, passam com imensa facilidade. esaparecem nas curvas do passado, e ficamos a ver o que vem depois. Quando um dia se esgota, a decepção sujeita mexer com a pessoa. Por isso, plantar no lugar que dá frutos. Isto Jesus denomina Reino de Deus. Achar o lugar certo que jamais se esgota, a luz do Amor maior.

- E o q ocorre comg.

- No seu lado há Jesus, converse com ele dentro de si, onde ele deverá permanecer.

- O q me dxa indignada é q ninguém tenta enxergar meu corac so o meu corpo. Olhos maliciosos d desejo.

- É humano isso. O lado ainda animal que sujeita dominar quem sabe até a gente mesma, nos excessos de cobiça. Será que somos diferentes do que são os outros? Esse grau de exigência pode ser orgulho, pretensão. Afinal, a carne existe e ainda estamos presos a ela no sentido de descobrir o seu mistério.

- Ninguém se aproxima d mim p conversar. Mas semp uma cantada.

- Quem pode dizer que já superou a fome de novidade, de gozos e prazeres?

- Vivo indignada.

- Tem se trabalhado nisso, em melhor se apresentar, e andar em lugares menos expostos a tais instintos?

- Até trabalhando.

- Diz o povo: Livra-te dos ares que te livrarei dos males.

- Vc já viu minhas fotos d corpo inteiro?

- Deixa estar, ninguém é juiz dos outros nos seus desejos. Nem mesmo o Mestre condenou a mulher adúltera no comportamento dela.

- Olhe lá meu álbum, por gentileza.

- Sim, vejo suas fotos. Mas o que busco nas pessoas é o lado interno da alma, para aprender com elas, com as suas características espirituais, que ensinam coisas novas. A carne é da carne. Deixem que os mortos enterrem seus mortos. A carne é coisa que ficará aqui no chão. Que faz que seja diferente do que os outros olham em si?

- Vou te contar uma coisa. Eu n uso short, nem saia curta. Nem vestido curto. Costumo usar só mais calças jeans. Já p evitar olhares, cantadas. Vc é capaz d enxerga minha alma, eu eu. Mas os outros não.

- E por que fala tanto nisso, de corpo, do que os outros olham em si? Crie novas condições. Renasça. Reveja seus conceitos de existência. Isso venho buscando fazer a cada dia. Às vezes com sucesso. O que traz calma e alento. Onde está o teu tesouro aí está teu coração, disse Jesus.

- Eu só estou falando nisto pq é algo q me incomoda mto.

- Desvie seus pensamentos de se incomodar, pois a gente não muda as pessoas. Muda, sim, a gente mesma, passo a passo, devagarinho.

- Ok. Vou ler.

- Bom, Falei foi muito, para quem queria era escutar até que atendeu bem. Abraço de Paz.

- Vc  semp fala! E mto bem. Cada dia passo a te admirar mais e mais. Hoj tem debate na Record.

Fim da conversa no bate-papo.

sábado, 18 de outubro de 2014

Autocrítica

Mas escrever tem dessas coisas. Ninguém se faça de besta a pensar que domina o ofício da escrita. Até quem sabe, cai nos barrancos, a pretender acertar; levado pela enxurrada, de vez em quando escreve bonito, contudo sujeita a revela pessimismo, niilismo, a prejuízo de quem lê ou escuta o que disser. O jogo da redação pede humildade e evitar desperdícios.

A gente chega ofuscado nessa máquina acesa e repousa o espírito a contar o que lhe desce no juízo. Há dias em que tudo parece fácil, imagens afloram na tela da memória, e tudo sai certinho. No entanto, outras horas fecha o tempo, branco total em tudo que é direção. E para não dar o braço a torcer, o autor ajunta raia miúda, e tome letra como vem.

O resultado, algumas vezes dá nisso que deu naquela crônica. Cochilo que implica ausência de oportunidade para ficar calado, pois, dizem os mais sabidos, palavra é de prata, e silêncio, de ouro. Num desses embarques, o instinto vence a pouca inspiração.

Por isso, que dizer mais? Que se deve cuidar melhor dos ouvidos e dos olhos dos que param nos textos, em consideração aos raros que escrevem, nessa época de movimento febril e pouco caso, quando jornais, revistas, transmitem, aos borbotões, pancadaria, escândalos e falsetas.

O que mais angustia o autor é a perspectiva do isolamento absoluto, nos cômodos escuros de mundos indiferentes, onde vive uma maioria acomodada. O rádio, ao seu modo, supre essa carência. Transmite independente de saber quem sintoniza suas programações. Nisso persiste como importante meio de comunicação, tambor tribal nas praças, desde as raças antigas. Já o jornal perde atualidade no momento de sair à rua. Cai no esquecimento, nos balcões de carne, nas mercearias e nos açougues. Charmosa, a revista, cheia de cores, duas, três semanas depois só volta nos museus ou bibliotecas, seguindo adiante com os registros da história.

Um dia, a tirania da autocrítica acorda só meio-dia, olhos inchados, postos no horizonte da cara, grogue, tonta de vertigem, na busca de um álibi para brincar de fazer comentário da própria cara. A propósito, há de considerar que tudo é perigoso e exige o preço, seja de fora, seja de dentro de cada um, motivo da crise de pouca lucidez por que passam os autores, nestes dias atuais.

O gesto espontâneo de escrever se parece com atitudes para atender exigências do momento. Vem a sede, busca-se água. O frio, cobertor. A fome, alimento. Assim como querer responder a perguntas, no intuito de satisfazer a pura necessidade. Livre de coação, busca erguer os olhos. Sobrevoar o presente e formular instantâneo daquilo que se contorna, qual no centro de bolha cercada de feixes invisíveis. Recolhe-se, que nem caramujo na lama, o fruto das idéias em palavras a pousar no papel, visíveis por vezes lidas por outros seres humanos.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Saudades da Perfeição

Os dias que são passados vão indo em fila para o sertão.  Guimarães Rosa – Grande Sertão: veredas.

Esse instituto do que se sente nas tardes mornas, espécie de furor de Verão, quando fibras da alma se frigem e nelas apertam minúsculos fragmentos do que somos, perguntamos muito, muitos assuntos, na dor dos que padecem perguntas sem respostas, às vezes até sem perguntas. Ali de quando pretendemos saber mais dos desconhecidos espalhados nas veredas da consciência, folhas vagam sobre os escombros desse passado adormecido que contorce, inflama e dói, no viver particular. Nessas ocasiões, crescem espaços dentro na gente que se desmancham lá bem adiante, na intensidade do ser, no gelo do tempo abrindo as frestas no meio de tantos e tantos ais, vazios do mistério do Universo.

Também tais saudades falam de angústia, insatisfação, fastio, melancolia, de madrugadas insones, territórios de amargura e sonhos, na imensa busca da existência, estados constantes da promessa insondável que nunca avisa e chega nas estações principais, momentos raros e vozes próximas. 

Na força, pois, do coração, no deserto das horas, impõe ocupações diversas, espécies de preenchimento provisório da marcha dos dias, caixas impossíveis que transportam o comboio aos pedaços, ansiedade e nuvens de constelações onde encenamos os caprichos individuais. 

Velhos complexos, qualidades exclusivas, inteiram o todo da pessoa, às vezes de bons bocados; noutras, de feras inúteis da agressividade. Inúmeros pequenos todos realizam a função inexistente da individualidade, camadas superpostas de nadas que resultam nos gritos insanos da razão e do pudor, meras formalidades a justificar sombras que passam no solo da dúvida debaixo dos pés.

Algo, assim, que fala do sentimento no poder de um maior de todos, leves réstias da Luz na forma de pares que hão de se encontrar nas paralelas do Infinito, amém.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Os cinemas do Crato

Texto reescrito devido a algumas modificações necessárias.

O derradeiro filme que vi num dos cinemas cratenses foi Dança com lobos, com Kevin Costner, no Cine Cassino, pertencente a Mário Correia, durante sessão noturna de meio de semana. Com isso, para mim se fechavam as cortinas dos históricos cinemas, nesta terra de cultura e educação. 

Ainda lembro com intensidade grandes filmes que vi no Cine Moderno, sessões das 16h dos sábados e domingos. As séries das 14h, no Cassino, no Moderno, superlotadas, gente em pé, corredores tomados, assobios, gritos, palmas, calor de sauna, suor de escorrer pelo pescoço, fachos dos projetores cruzando o escuro da sala, pessoas frenéticas em movimento constante quase a sessão toda, enormes fila na entrada, meninos vendendo revistas em quadrinhos, tabuleiros de bombons, carros de pipoca do lado de fora, ventiladores de coluna zoando alto, recepcionistas com uma lanterna indicavam as poltronas vazias aos retardatários e a sonorização característica para abrir as cortinas (zuuuuuuuum, num sinal elétrico demorado), em preparação ao espetáculo, etc. A reforma do Moderno pelo seu derradeiro proprietário, Macário de Brito Monteiro, sucessor do tio, Ormínio de Brito, foi acontecimento que marcou época e a história da cidade.

Depois, abriria suas portas em noite memorável o Cine Educadora. Outro teatro de inolvidáveis películas trazidas a público. Na sua inauguração, exibiu O carrasco dos mares, filme americano com Victor Mature (foto). Era uma sala confortável, cheia de janelas venezianas, de poltronas estufadas, espaçosa, um luxo só. 

Já sumira o Cine Rádio, da Rádio Araripe, na Rua Nélson Alencar, onde assistira O cangaceiro, sucesso mundial do diretor brasileiro Lima Barreto, junto com meus pais. Também até 14 anos, mas acompanhado conseguira entrar com o coração aos pulos. Uma semana antes da idade mínima ainda cheguei a ser barrado na entrada do Moderno, para minha contrariedade. O Comissariado de Menores, ao qual depois pertenceria, funcionava com presteza e eficiência, terror da garotada ansiosa pelos filmes proibidos, sempre os mais procurados.

Nesse meio tempo de salas de exibição maiores, uma experiência de cinemas menores aconteceu em paralelo. José Hélder França (o poeta Dedé França), na década de 60, chegara a iniciar, pelos bairros, rede alternativa que exibia filmes na bitola 16 mm, no entanto a proposta durou poucos meses. 

Lembro desses cinemas menores, um na esquina de cima do Colégio Diocesano (Rua Ratisbona), o Cine São Francisco, e outro no Bairro do Seminário, o Cine São José. Se a memória não me engana, houve também outro nas imediações da Igreja de São Miguel, na Rua da Cruz, ainda a ser confirmado pelos memorialistas. 

Em um dos armazéns existentes no final da Rua Santos Dumont, proximidade dos postos de Antônio Almino de Lima, quiseram, na primeira metade da década de 60, também montar um cinema em 16mm. Porém a tentativa frustrara nas primeiras sessões; a máquina emperrava após iniciada a projeção. Na primeira noite, recebemos saídas para a noite seguinte. Voltamos, eu e um operário de meu pai. De novo não passou da metade do filme. Retornamos na terceira e última noite. Pois, quando a máquina quebrou deu-se por perdido e até o dinheiro dos presentes eles devolveram.

Tenho notícias de outro cinema do Crato, que não cheguei a conhecer. Sei dele através dos escritos de Florisval Matos, o Cine Paraíso, que funcionou em prédio da Praça da Sé, no quarteirão onde ora existe a loja Hippie Chic e que antes abrigara a Cooperativa do Banco do Brasil e a Biblioteca Municipal.

Jackson Bola Bantim por sua vez nos informou que seu bisavô, Luiz Gonzaga de Oliveira (Gonzaguinha), nascido no Crato na segunda metade do século 19, fotógrafo, aqui acompanhou a visita de um grupo francês que exibia filmes pelo interior cearense. Interessado na nova arte, viajaria a cavalo até Fortaleza, lá adquiriu um projetor e fundou, no prédio n.º 25 da Rua Miguel Limaverde, o primeiro cinema cratense, denominado Lanterninha Mágica, isso bem nos primeiros anos do século XX.

Outros cinemas, segundo Huberto Cabral, que me fornecerá a lista completa de todos eles: Cine Operário e Cine Crato. Isto sem contar as exibições catequéticas feitas em praça pública pelo Padre Argemiro Rolim, do gosto dos apreciadores de películas de cunho religioso.  

Eis, portanto, ligeiro apanhado da história das salas de cinema no Crato, anotada nesta fase em que aguardamos o retorno de um estabelecimento que corresponderá, em nossa comunidade, ao progresso avançado da apreciada e resistente Sétima Arte no resto do mundo, pois no momento, para contrariedade dos muitos apreciadores, não há um único lugar de exibição de filmes em nossa cidade.

domingo, 12 de outubro de 2014

Felicidade sonhada

Sei que correria o risco de ser considerado mais um chato de plantão, pois dizem que chatas são aquelas pessoas que quando lhes perguntam como vão as coisas elas respondem: - Vão bem, mas chega aqui que vou contar. (E se demoram um tempão relatando um a um cada acontecimento vivido na lida constante e expectativas esperadas e não realizadas até o momento).

Pois, então, quando aparecem essas pessoas com suas intuições da vontade de escrever, lá vêm essas palavras insistentes de querer contar os tais acontecimentos, de falar nas esperanças de encontrar a felicidade, tema quase que semelhante de todos neste mundo. Encheria páginas e páginas, porém de planos e programas, algo equivalente à disposição de ensinar aquilo que ninguém ainda sabe por inteiro, contudo deseja ardentemente saber, assim parecido com ganhar na loteria dos sonhos, passear pelo planeta inteiro de sorriso nos lábios e dinheiro nos bolsos, e jamais regressar ao estado anterior de tantas dúvidas e desejos.

Felicidade, a pedra mesma com que Prometeu foi sentenciado levar ladeira acima e ao chegar ao topo sempre descer ao início da jornada e começar outra vez, tudo no castigo de pagar o preço por haver trazido aos mortais o fogo. O fogo, a tocha de alumiar a busca do conhecimento e achar a felicidade, na luta de viver com sabedoria. Ah, os mitos e quanta verdade oferecem de estudar possibilidades de ser feliz.

Nisso a gente andar pelo chão vasto dos pensamentos, livros e livros, mares de palavras e frases guardadas nos corredores de bibliotecas e corações, no entanto de barriga cheia, por vezes, de meras teorias filosóficas. 

Bom, já que se sabe dos limites de sonhar, às trezentas e poucas palavras do texto indicam a frase de Jesus quando afirma: As aves têm ninho, as raposas, covis. Mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça. Daí chegar à interpretação bem clara de que felicidade representa a plena realização do Ser, de acordo com níveis superiores das exigências das criaturas por meio de tudo o que há de interpretar, em toda parte, seja na Terra, no Céu e nos sonhos.  

sábado, 11 de outubro de 2014

Água universal

Isso traz à tona o uso correto da água, fator primordial à sobrevivência sadia, com ênfase nesses tempos obscuros de vibriões e coliformes que aterrorizam populações inteiras, sobrepondo-se, nas localidades pobres e periféricas, aos riscos da violência, do desemprego e da falta de moradia, nas metrópoles problemáticas urbanas indigestas da febre industrial.

Os governos melhores identificados com demandas públicas de urgência obrigam-se, no suprimento das previsões de longo prazo, a circunscrever a saúde e o bem-estar dos munícipes. 

Cidades do porte de Juazeiro do Norte, Crato, Sobral, Iguatu, Russas, Crateús, expõem necessidades infra-estruturais semelhantes às das capitais nordestinas de vinte anos atrás, consideradas, no entanto, estruturas de exigências médias, em termos de saneamento e abastecimento. Para efeito de resposta à explosão populacional, atitudes qual tratamento de água e abastecimento doméstico demonstram respostas compatíveis a graus de carências primaciais.

Outros fatores de valorização da vida quanto ao melhor trato das águas potáveis (percentagens mínimas do potencial hídrico mundial) indicam salutares e prioritários aportes de verbas em obras desse nível.

As manifestações das agências internacionais para o problema da água alertam ao fantasma da escassez. A população mundial estaria esgotando os recursos da Terra num ritmo que precisa ser refreado, na prevenção de um desastre global. Relatórios recentes da Organização das Nações Unidas indicam que a água potável está sendo usada e poluída a taxas catastróficas.

Desse modo, a notícia desses investimentos da empresa cearense de água em Juazeiro do Norte demonstra sintomas práticos favoráveis quanto a tendências coerentes.

As comunidades bem que devem procurar objetivos novos para os reais suprimentos de suas urgências, valendo-se da consciência crítica de lideranças mais esclarecidas, apontando campos adequados de aplicação dos recursos públicos. Eis o prumo natural das atitudes coletivas, em tempo de escassez de recursos. Áreas essenciais merecem, por isso, indicações preferenciais.

Há riscos de escassez do líquido mais precioso à vida no solo do Planeta. Conquanto se verifiquem extraordinárias descobertas e as mais surpreendentes invenções no decorrer da história, os meios adotados pelos organismos para sobreviver exigem valores limpos de ar, água e alimentos, elementos correspondentes às normas mínimas de sobrevivência impostas pela natureza original. Cabe, portanto, respeito aos valores coletivos na preservação da existência humana.

(Foto: Jackson Bola Bantim).

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Ao sabor de palavras soltas

Quando se escreve para satisfação pessoal o texto flui do modo mais espontâneo possível, livre da obrigação dos gabinetes de quem teria de cumprir um compromisso, dar de conta de recado profissional, aos rigores do dever e sob condições quiçá adversas, conquanto cumpra o mister de apresentar resultado nas palavras que voam livres pelo ar, escorrem nas paredes da memória feitas resina de pensamentos e sentimentos, à razão intermitente das horas. Caem aos borbotões, que levam tantas vezes ao instinto avassalador de alguns deixarem brotar a rodo páginas e muitas páginas, excessos talvez, qualquer compulsão desenfreada dos que falam para acalmar a ansiedade interna, neuroses, questionamentos matemáticos de dominar o absoluto, pássaros de peitos doridos, movidos a saudade fervilhante, zumbis assustados nas meias noites do sertão, furor dos vendavais da natureza indômita. Escrever. Produzir. Gerar frutos. Parir. Guardar em forma de expressão particular aquilo que recorre ao sair de dentro das cavernas da alma ao sabor das batidas de corações apaixonados pelo pulsar do tempo nas caminhadas eternas dos bichos assustados. Filosofar no assunto, nos assuntos demasiados, o custo apenas do infinito vicejar nas veias, sem, contudo, garantir chegar a pouso certo, definitivo. Temas que não gastariam, em todos os quadrantes, o lugar da nostalgia, alegria, felicidade, afeição, bem ao sabor da vontade acelerada nos gosto de falar, febril alento derradeiro dos condenados, ou concatenando frases de puro efeito formal, ou pipocar de gestos sem nexo, só no prumo das pontes necessárias ao prazer das criaturas humanas se acharem nos seus postos individuais, testemunhas privilegiadas e variadas chances do ato de viver, permutar inevitável de fichas nascidas no útero largo das entranhas existenciais. Frases. Blocos. Botões. Piões que giram na civilização formada ao preço de transformações constantes, moendas e trituração da paz em nações, desde que gente é gente e descobre o poder do verbo partilhado, no meio de praças e mercados. Flanar entre palavras e emoções. Voar perto ou longe das verdades exercitadas nos grupos sociais, ou mergulhar nas cinzas de passados remotos desconhecidos, histórias dormidas de gretas e penhascos distantes, reticências e parágrafos, relevos e tradições da geografia abstrata do ser em floração nos pousos das solitudes nobres exclusivas. Tocar temas atuais, transmitir receitas prontas de comportamentos, coisa fácil de promover quanto significa mandar alguém exercitar o que o bom senso indica, além até do exercício inicial particular dos autores da lição. As dissertações inacabadas dos livros da moda, viagens ao mar desconhecido da teoria acadêmica, enquanto a vida desliza leve solta consistente no íntimo de todos, professores e discípulos, ao fio das oportunidades do moinho. Contar histórias, atitude boa enquanto paciência de organizar os quadros, ritmos e melodia, no humor justo dos andamentos costumeiros da compreensão. E as descrições do palco, onde o transcorrer dos dramas e das comédias alimenta o firmamento aberto dos holofotes intermitentes e suas centenas de detalhes repartidos no convés das circunstâncias. Querer conhecer a base do dizer das palavras, trocar mistérios antes guardados para si. Passar adiante versões comuns, dotadas do brilho único do jamais, convites à atenção dos presságios e nuvens calmas, vindas no vento, trazidas ao poente pelo tempo. Luzes, lápides, canções. Saber assim, nestas épocas mecânicas de versos em profusão. Escarafunchar as gavetas dos papéis desarrumados e trazer ao sol das estradas matinais flores escondidas nas estantes abandonadas dos porões. Fábricas de sonhos, máquinas de plenitude em elaboração.  

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Poder é um só

Quando alguém desvenda mínimo mistério da Natureza correr o sério risco de imaginar que detém a força de dominar o Universo, se sujeitando, com raras exceções, a cair nas malhas da arrogância humana, vírus perverso e escorregadio. Tal fenômeno ocorre, de comum, nas hostes religiosas espalhadas na face do Planeta. Há confusão no caos político e os interessados nas divisões das terras e dos mercados de logo estabelecem pretextos do egoísmo particular das religiões.

A fonte viva de tudo, no entanto, ensina diferente, vez que oferece oportunidades inúmeras de aproximação e fraternidade a todos os escalões sociais, independente do que pensem ou pratiquem os segmentos religiosos. Propicia a inteligência, o espírito da solidariedade, estudos, tradições, culturas, raças, credos, cores, saúde, meios de obter a sobrevivência livres da agressividade e das competições e preconceitos. Contudo surgem os conflitos e os motivos vazios de agressão que as ideologias utilizam a fim de açular os instintos da guerra, enquanto vivem longe da real sabedoria de amar e viver em paz.

Nada explica os conflitos da história que justifique a destruição da fé e da esperança de comunidades inteiras, porém tais razões prevalecem desde que o homem é homem, lobo do próprio homem. Quanto dói saber da distância que ainda resta a percorrer até o dia em que houver harmonia entre os grupamentos ora habitantes da Terra. Jamais existiu um dia sequer de total tranquilidade neste planeta, mero campo de batalha, palco das experiências guerreiras e da indústria armamentista.

À religião, por sua vez, traz a demonstração de exercitar os princípios que pregam todo tempoatravés do que ensinaram os grandes mestres espirituais, autores da esperança em dias melhores, felizes e divinos.

Insistir nas guerras por causas religiosas, pois, representa a total contradição dos princípios originais de todo ensinamento dirigido à transformação dos seres humanos em uma espécie evoluída e fiel aos valores da Eternidade.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Monsenhor Montenegro

Dia 10 de abril de 2005, um domingo, morria em Crato, por volta das 14h, monsenhor Francisco Holanda Montenegro, sacerdote católico de larga folha de serviços prestados à educação no interior do Nordeste. 

Nascido na cidade cearense de Jucás, a 25 de fevereiro de 1913, filho de Seridião Holanda Montenegro e Almerinda Montenegro, foi responsável pela direção do Colégio Diocesano do Crato durante cinqüenta e dois anos, formando as principais lideranças das gerações que passaram pelas suas mãos, isto dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte e Ceará.

Membro do Conselho Estadual de Educação do Ceará por dilatado tempo, Monsenhor Montenegro publicou vários livros, dentre esses: As quatro sergipanasOs quatro luzeiros da DioceseMonsenhor Rocha, o apóstolo da caridade e Fé em Canudos. Pesquisador emérito, estudou com afinco a vida de Antônio Conselheiro, a história da família Alencar e a vida e a obra do Padre Marcos, expoente dos rincões piauienses, onde viveu a cumprir função civilizadora, tendo seu nome adotado por cidade que ajudou a fundar e desenvolver.

Foi também professor da Faculdade de Filosofia do Crato e membro do Conselho Estadual de Educação do Ceará, desempenhando sempre com amor atribuições nele depositadas. Era membro do Instituto Cultural do Cariri, em Crato, titular da cadeira no. 9, cujo patrono é Dom Francisco de Assis Pires, após defender tese sobre monsenhor Rubens Gondim Lóssio, seu anterior ocupante.

Escolheu o Cariri para o exercício do seu apostolado, onde hoje desfruta da fama que bem produziu, residindo no sopé da Serra do Araripe longa data junto de capela que ele mesmo construiu, ali efetivando trabalho de catequese, orientando fiéis, cumprindo seus deveres de ofício, encetou pesquisas e escreveu, de vitalidade admirável pelo tanto quanto se dedicou à lides educacionais.

Pessoa das mais distintas, Montenegro houve-se como poucos na faina de formar caracteres para a sociedade, conduzindo-os dentro de padrões éticos e morais apreciáveis, lembrança reconhecida na alma dos muitos que vieram ao Cariri neste período de tocante despedida, ex-alunos e amigos sensibilizados diante da perda.

As instituições que hoje assinalam o universo respeitável da cultura caririense guardam estreitas relações com o trabalho tão bem desenvolvido pelo Monsenhor Montenegro, figura ímpar de personalidade forte, dotado de carisma e simpatia fáceis, cheia de valores morais e intelectuais indiscutíveis.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

A floresta dos sonhos

Ao erguer a vista na busca de observar a distância que resta para chegar aonde se pretende ir, as pálpebras fecham sobre os olhos ressecados da viagem de longas e exaustivas horas suas cortinas de névoa impaciente. Conhecer apenas pela metade o presente, que expectativa de infindos momentos... Diversas paisagens veriam na frente tantas vezes e, qual em respostas de cunho ainda interrogativo, sempre pôr os pés no próximo passo, certo de cumprir com fidelidade o que cabe, sem perguntar sempre querendo saber mais do que o tanto de merecer dos assuntos que a dúvida traz no seu bojo ao plano das memórias de rotina. 

Porém os dias se passam em velocidade superior ao ritmo das percepções, crescem nos sonhos das seguidas noites as amostras do quanto reserva a Natureza a quem observar o trilho da razão que sobrevive incólume embaixo das camadas internas em todos os sistemas da flora universal. As circunstâncias exigem, e os elementos assim coordenam o fio por onde possa mergulhar, no labirinto das imagens virtuais em forma de enredos mágicos, roteiros sigilosos das travessias exóticas.

Buscar orientação pelos sonhos... Querer instruções coerentes das portas que devam ser abertas nos corredores da dúvida... Linhas obscuras e fantasmas inquietos nas sombras, ameaças ou alianças?... Na sequência das indagações, o instinto salvador fornece prumos corretos à visão; em lugar do medo e dos prognósticos adversos, a Lei superior. Cobrir de valores implacáveis as marcas escuras, cicatrizes deixadas em forma de armadilha, monstros cruéis, pesadelos... Sonhos de armaduras perfeitas em torno do castelo inviolável da certeza inevitável.

As cenas lógicas desses entes que penetram o mais íntimo dos seres, na consciência das coisas, em forma de sonhos, indicam as faces do poliedro invisível da dimensão que se quer da Luz poderosa, sinais evidentes da possibilidade real que existe além da fria matéria, falas permanentes nos refolhos da alma de cada vivente.

Em meio às convulsões da procura, abrem-se as palmas do mistério os que se dispõem admitir as vertentes primeiras do vazio, origem de tudo. A exatidão do Perfeito em viagens individuais, solitárias ou partilhadas, por mundos prováveis, na capa dos abismos insondáveis de monumentais cordilheiras. Altitudes infinitas, transes ilimitados, na esteira do tempo e do espaço, noutros palcos abertos de azul multicor.

A função dos sonhos domina, pois, o cenário de idéias em círculos de giz, volvendo a outros níveis de compreensão; desperta a margem das interpretações bem maiores do que meras palavras ditas ao modo de conceito exatos.

Diante das manifestações humanas, a que melhor se aproxima do testemunho dos sonhos seria a Arte e suas variadas formas, desde música, pintura, literatura, cinema... Trabalhos incessantes de criadores acesos na intenção de chegar ao intangível, concretizar o intocável, esforço ardente de produzir os bens simbólicos na Cultura.

Através de expressões mitológicas, todas as civilizações até hoje permitiram exemplos de crenças imaginárias ao máximo possível nesses redutos a que se aventuram os que descobrem os termos dos lugares oníricos, ricos patrimônios da matéria permanente de estudo na floresta dos sonhos.

(Foto: Jackson Bola Bantim).

domingo, 5 de outubro de 2014

As cores da cor

Depois das notas mais estridentes da velha sinfonia, nada restara senão abrir margem diante das reticências impostas e as circunstâncias. Baixar a vista dolorida e reconduzir os passos para onde ninguém ainda sabe.

Viessem contradições de acordo com datas previstas, e a Natureza romperia sua condição de mistério, revelando luzes sagradas do interior das coisas, segredos intransponíveis, pelo menos na fase atual da Humanidade. Sabe-se, no entanto, que pouco chega de jeito imaginado às tontas. Correr em forma de longos vôos, descer cachoeiras de sonhos, contornar obstáculos e subir as árvores do estio, que representam moldes reais da Criação.

Transpostas estivessem as provas, e sumiria o vigor do instante presente e suas probabilidades, esvaído ao peso do azul das horas, no céu da Primavera.

Quantas notas nos sons do coração, tons de verde no seio das matas, cicio de insetos, suaves murmúrios e pássaros a cruzar o teto da imaginação.

Na busca de reorganizar o infinito das entranhas, guerreiros inspiram forte o ar livre do firmamento. Houvesse dúvidas disso e se faria a ordem do Universo, o pulsar das têmporas, sinais infalíveis das certezas. Atravessar oceanos de possibilidades sem ferir as perspectivas do depois. Vistos assim de fora, tudo parece dizer que inexiste o vazio absoluto, lembrança clara de que simples gota d´água possui mares inteiros multiplicados em pérolas.

A troca de passadas traz ao destino certo. Em cada rastro, um ponto na cartilha do conhecimento. A soma dos alqueires da fortuna resulta no poder de quem pode e quer.

Essa cadência firme lustra veredas com a sola dos pés e forma o rosário da vida, estilo de gente construir os traços comuns neste chão. Nuvens brancas e barcos que balançam as ondas esmaltam de creme o espelho da paisagem, no fim de tarde, na praia em que sopra o frio vento que vem do mar. Areia molhada. Poucos banhistas. Saudade esvoaçante de gaivotas que vagueiam do vento, asas abertas e riscos pálidos que invadem os olhos acesos do observador atento.

Raras vezes houve tão doído coração, apertado no território exíguo do intervalo entre o peito impaciente e a flor da pele aos contatos do momento.

Após borrifarem as gotas de maresia, bóias expostas ao poente refletem o lilás das flores no canteiro central da avenida e refazem de néon o brilho da noite, combinação de cores acrílicas.

O conflito das gerações sacode as paredes desenhadas nos edifícios do bairro elegante, paz incontida e carrões prateados, que avançam de encontro à mão espalmada no asfalto da esquina.

Pouco a pouco, luzes de ouro amaciam o travo amargo. Novos elementos transformam planos, no indício de portas abertas aos próximos estágios da alvorada de bênçãos cor de rosa e alegres fanfarras...  

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

A vitrola

Minhas primeiras lembranças musicais vêm do tempo em que vivi na fazenda do meu avô paterno, Amâncio Lacerda Leite, em Lavras da Mangabeira, pelos inícios dos anos 50. Ele possuía uma vitrola que ganhara das filhas que moravam no Rio de Janeiro. A novidade funcionava com sucessivas voltas da manivela de corda, repetida a operação para cada novo disco. Eram agulhas no tamanho de quase  polegada, super amoladas, que tocavam discos de cera de 78 rotações, uma água por cada disco tocado. 

Caixa feita em acabamento primoroso, envolta de percalina azul marinho intenso, vindo lá dos Estados Unidos. Lembro a marca, RCA Victor, por causa do símbolo daquele cachorro escutando música, parado na frente de gramofone ainda mais antigo. 

O braço da vitrola donde provinha o som deveria pesar coisa de meio quilo, talvez mais. Seu peso correspondia ao atrito necessário de manter a agulha encostada no disco, causando chiado característico quase na mesma intensidade do acorde das músicas. Gastava que era uma beleza, estava rombuda ao fim das execuções. Por demais primitivo o processo se comparado aos recursos da leitura ótica de hoje.

Como dissera, nesse raro equipamento ouvi as primeiras músicas que tenho notícia, na minha infância. Delas algumas resistem nas entranhas da memória, alicerces das coisas que chegaram depois, nessa estrada de existir. 

Asa Branca, Cigarro de Paia, Xote das Meninas, Paraíba e A Volta da Asa Branca, de Luiz Gonzaga, que atendiam em cheio o gosto dos da fazenda, temas daquele mundo rural das nossas vidas. Santa Terezinha e A Pequenina Cruz do Teu Rosário, de Carlos Galhardo. Dez Anos, de Emilinha Borba, que vibrava comigo acordes do amor romântico da saudade. Além de outras, de Augusto Calheiros, Orlando Silva, Vicente Celestino, Sílvio Caldas, Nelson Gonçalves, principais sucessos da época.

Havia algo de mágico, pois eu desconhecia rádio, carro, avião, telefone, televisão, luz elétrica, cinema, dinheiro, cidade. Pães de padaria chamavam pão do reino, raro de pouquíssimas vezes no nosso cardápio, quando vinha de Lavras ou de Crato. Meu mundo se resumia no universo do engenho, dos três açudes, curral, vazante sempre verde, vacas, ovelhas, roçados, noitadas alumiadas de lamparina, casa grande e seu chão de cimento queimando, rodeado de retratos grandes de santos e dos parentes austeros pelas paredes; dos leilões que minha avó promovia todo ano, a fim de limpar a capela com o apurado. Comboeiros passavam de vez em quando, no tempo das moagens, quebrando a rotina da estrada principal que cruzava a bagaceira indo para as Caraíbas, de Sancho Rodrigues. 

Nossa casa ficava em um alto no lado nascente, defronte a frondoso pé de oiticica. Minha mãe, professora, passava horas costurando de uma máquina Singer instalada na varanda, enquanto cantava canções da época e tomava as lições dos filhos; dali  administrava os afazeres da casa e da família. 

À noite, reservava-nos a vitrola esses momentos especiais. Com pessoas reunidas no claro sombrio dos candeeiros, meu avô, cara fechada de coronel dos matos, regia a festa. Escolhia os discos, e ouvíamos esses acordes distantes na poeira do tempo.

Desde quando os avós desapareceram, na década de 70, minha prima Lisieux Gurgel levou consigo essa relíquia tecnológica do pós-guerra. Espero que ainda a mantenha sob os mesmos cuidados com que eles conservavam.  

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A luz da conformação

Logo nos inícios da Primeira Grande Guerra, diante das perdas sofridas de soldados britânicos que cruzavam o Mar do Norte no ímpeto de conter o avanço das tropas alemãs em campos de batalha da França, pereceram milhares e milhares de jovens, quando, então, as famílias vitimadas receberiam o conforto do plano espiritual através das faculdades mediúnicas de inúmeros sensitivos espalhados pela Grã Bretanha. Nunca houve tantas manifestações espontâneas de mediunismo em tão pouco espaço de tempo, sobretudo em Londres, capital inglesa. Desse modo, chegavam notícias do outro lado da vida a muitos dos entes queridos que perdessem os filhos face à crueldade dos combates. 


Desses acontecimentos mediúnicos, um mereceu destaque especial, a morte do oficial inglês Raymond, filho do escritor Sir Oliver Lodge, cujo pai o imortalizaria no livro Raymond, Uma prova da sobrevivência da alma, de ampla repercussão no mundo, em que narra, também, os passos da sua conversão à Doutrina dos Espíritos, ou Espiritismo, face às comprovações verificadas no decorrer das mensagens que receberia através de médiuns que as intermediavam, entre filho e ele.

Por vezes, pessoas estimam a dificuldade de transpor a distância que divide os planos da matéria e do espírito. Reclamam da limitação humana, que inviabiliza as percepções de níveis além da morte física. E que jamais alguém retornara na intenção de contar o depois da viagem derradeira dos viventes deste chão. Há, no entanto, provas irrecusáveis que demonstram a possibilidade dessa comunicação, haja vista a longa literatura ora existente, recolhida nos vários momentos da história, desde mais remotas civilizações. Isto propicia atenuar a dor atroz das despedidas de tantos, aliviando a saudade imensa deixada aos que aqui permanecem algum período mais.

Face à sabedoria infinita do Poder divino, caberá aos sobreviventes o aprimoramento de cultura espiritual por meio do Conhecimento, acalmando com isso o impacto das separações e desfrutando bênçãos que só o sublime Amor possui a nos oferecer para sempre. 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

A xícara de chá

De comum, as pessoas vivem cheias, abarrotadas de conceitos a propósito de quase tudo, espaços ambulantes preenchidos até as bordas, quartos de despejo sem caber nem mais um dedal, lotados intelectos de mil divagações. Para onde se deslocam, arrastam tralhas, cacarecos zoadentos, a emitir sons, opiniões balizadas, senhoriais, batendo portas na cara das novas chances, produtos acabados de roteiros fora de moda, nos circuitos comerciais das estradas velhas no mesmo lugar.

Isso lembra um episódio experimentado pelo mestre japonês de nome Nan-In, que viveu na era Meiji, período situado entre 1868 e 1912, quando, certa feita, veio visitá-lo sapiente pesquisador, na busca de respostas prontas as dúvidas relativas ao zen-budismo.

Nessa hora, introduzido nos aposentos do mosteiro a fim de comungar da tradicional cerimônia do chá daqueles religiosos, primeiro o visitante desmanchou-se em longas falas quanto a como trabalhar o assunto de suas pesquisas espirituais.

De antemão, sabia de tudo o que viera aprender. Falou... Falou... Falou mais ainda... Ao tempo em que o mestre despejava com zelo, na xícara do visitante, o chá cheirava a erva perfumada. As palavras ditas em quantidade inundavam o ambiente, envolvidas na fumaça do bule fervente, vibrações múltiplas que preenchiam o sítio discreto da cela do monge calmo.

Sem conter a mão, o mestre prosseguiu no gesto de derramar o chá e encher a xícara, após saber que esta já transbordava e o líquido escorria farto pelas bordas, inundando o pires e a mesa pequena, em volta de onde se reuniam.

Nesse momento, o visitante externou impaciência com aquilo e reclamou, pois: - A xícara completou! .Não cabe mais nada - disse apressado.

- Isto mesmo, semelhante ao que se dá com esta xícara - disse Nan-in, - o senhor se acha cheio de tantas idéias e racionalizações que isso anula as alternativas de estudos posteriores que queira desenvolver. Daí sua resistência em parar para ouvir algo a respeito do que veio procurar aqui. - E, de quebra, acrescentou:

- Antes de receber coisas novas, primeiro, cabe-nos esvaziar o interior, qual se esvazia uma xícara onde queiramos beber as luzes do verdadeiro conhecimento.