sexta-feira, 31 de maio de 2013

Telma Brilhante

Telma de Figueiredo Brilhante é uma escritora cearense que mora em Recife, onde exercita sua capacidade criativa por meio das várias produções que traz a público. Contos chão. Aflição de pássaro. Magia do instante. Crepúsculo das coisas. O pequeno pescador. De família de intelectuais e militantes políticos, nos livros, ela desenvolve a consciência da escrita em forma de contos, poemas, ensaios:

- Uma infância feliz me levou a recontar histórias para os filhos e depois transformá-las em livros – disse Telma numa entrevista recente (O charme da palavra) à revista Poesia & Cia. (n.º 3 / mulheres), da capital pernambucana.

Todos os lugares possuem a literatura que os caracterizam, alguns na voz arrastadas dos contadores nas varadas enluaradas; outros, através da prensagem das edições sucessivas, repassadas a público em mercadorias industrializadas. Contudo permanecem a fustigar modalidades novas de seres humanos nas legendas de gerações que a si sucedem.  

Os escritores existem por conta e risco pessoais. Quando resolvem preencher esse vazio social histórico o fazem porque não aguentariam mais silêncio pelos cantos das comunidades, nesse mundo cheio das utilidades mil de objetos inanimados. Ainda que tal aconteça, seguem só as trilhas subterrâneas dos meandros cardíacos, por vezes lá distantes dos mortais comuns, no entanto dotados da coragem extrema de sobreviver a custos individuais enormes, preço de solidão, angústias e saudades.

Li nalgum lugar, ocasião de guardar detalhes se não viram sucatas da memória, a propósito de um poeta russo perseguido nas reviravoltas do poder daquela gente. No momento que o fichavam para prisão, lhe indagaram que profissão exercitava. – Poeta - respondeu. Os guardas quiseram saber detalhes técnicos daquele ofício perigoso: - Formado em qual escola? - O autor apenas acrescentou: - Na escola da vida, pois poeta é cria da própria existência. Nenhuma escola forma poetas – sendo esse o valor da liberdade que o autor ali perdia por mera desocupação, na era melancólica dos stalinistas.


Enquanto que vivências saltam de pessoas a pessoas, o afã imaginário dos livros persiste a qualquer custo nas dobras dos séculos. E Telma Brilhante significa bem isso de resistir a voragem do esquecimento cultural das tradições no decorrer de todo tempo. Gosto de receber as suas notícias de novas edições, pois tal preserva o instinto valente dos produtores de sonhos, sina fiel dos escritores.  



terça-feira, 28 de maio de 2013

Um cronista de Juazeiro do Norte

Com dois meses de lançado, chega às minhas mãos o livro Fragmentos do passado, de autoria do varzealegrense radicado em Juazeiro do Norte Raimundo Araújo, responsável pela produção de algo em torno de duas dezenas de obras literárias centradas nos temas fundamentais da Meca do Cariri. De fértil produção, o escritor, que viajara por outras terras no ofício de jornalista, veio se radicar na sua região de origem e aqui cuida de reunir em livros os principais vestígios dos tempos que vive, acontecimentos, personalidades, instituições, destaques sociais, políticos, religiosos, histórias e momentos pitorescos.

Essa publicação congrega efemérides e nomes que protagonizaram décadas inteiras de um povo sertanejo laborioso, numa síntese do Nordeste brasileiro sempre sob a égide da religiosidade.

Verdadeira viagem através da formação juazeirense, no decorrer do século XX até os dias de hoje, Raimundo Araújo arrecadou, nesse trabalho, os elementos fundamentais da construção das lideranças no desempenho dos papéis e na consolidação das famílias que formam o espírito da sua gente.

Traz nas páginas o resgate dos figurões inesquecíveis do cotidiano recente, quais Mons. Murilo de Sá Barreto, Dr. Mauro Sampaio, Dr. Conserva Feitosa, Dr. Mozart Cardoso de Alencar, Dr. Nei, Cônego Jezu Flor, Mascote, José Geraldo da Cruz, Joaryvar Macedo, Pe. Azarias Sobreira, Assunção Gonçalves, Profa. Zuíla Morais, Praxedes Ferreira, Socorro Alencar, Felipe Neri, os craques dos times do lugar, notícias das festas sociais, e tantos e tantos outros valores plenos de humanidade, alentos inesquecíveis que compõem a cultura, o esporte, a educação, as ciências, as artes e a cena política da Terra do Padre Cícero Romão Batista.

Além dos méritos da função que abraço no livro Fragmentos do tempo, de preservar o inventário sociocultural da história de Juazeiro do Norte, Raimundo Araújo apresenta, no mais recente livro, iconografia dos seus familiares e, na derradeira parte, estampa um painel dos ícones da admiração pessoal, personalidades de todo tempo da Humanidade.


Eis em publicação o retrato fiel do caririense Raimundo Araújo, escritor vocacionado àquilo que propõe, isto é, inventariar nas letras o testemunho do tempo que presencia, com ânimo e correção, próprio dos cronistas de época nas comunas interioranas.  

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Oração de curar engasgo

Certa vez, na missa de domingo, um roceiro foi tocado de imensa compaixão pela figura do Cristo esquelético na cruz, que avistara no altar da igreja, trazendo, nas costelas à mostra, sinal de muita fome e penúria, de braços abertos, no derradeiro sacrifício.

- Senhor, vá almoçar comigo na minha casa, de hoje a oito dias - pensou sensibilizado, convidando, dessa forma, Jesus para lhe atenuar as visíveis necessidades daquela situação.

Uma semana depois adquiriu alguns peixes e mandou que sua mulher os preparasse, dizendo a que se destinavam, pois havia chamado o Divino Mestre para com eles almoçar.

Pouco antes da hora da refeição tivera de sair rápido a compromisso de que logo retornaria. Nesse ínterim, apresentou-se um velhinho carente que pediu à esposa do roceiro qualquer coisa de comer. A mulher negou o alimento, se omitiu atender ao necessitado, informando que tinha só o suficiente dos que viviam na casa.

Restou ao ancião seguir viagem. Embora chegando quase no mesmo momento em que isso acontecia, o dono da casa não pôde tomar conhecimento da ocorrência, porquanto a mulher nada falou a respeito. Aguardaram pouco mais e o marido, achando que não receberia a tão esperada visita, pediu o almoço.

Bem no início do repasto, a esposa viu-se engasgada por espinha do peixe que atravessara sua garganta. Nessa hora, lhe veio no pensamento o velhinho pedinte de horas atrás.

- Antes de tua volta, agora há pouco, aqui passou  um esmole, e esse povo antigo tem muita experiência - lembrou ao marido. - Será que ele não sabe de uma oração para engasgo? – falou chorosa entre aflita e cheia de esperança.

Veloz, o roceiro cuidou de seguir na direção em que o homem se afastara, localizando-o daí a pouco na sombra de uma árvore após a primeira curva da estrada. Explicou, então, ao ancião o estado da mulher e pediu auxílio para tirá-la da dificuldade. Atencioso, o velhinho orientou:

- Quando o senhor regressar na casa, ponha a mão no pescoço dela e diga essas palavras: - Homem bom, mulher má, casa velha, esteira de palha, por onde o mal entra por aí mesmo ele sai.

O marido voltou ao lar e fez tudo de acordo com a instrução obtida, vendo desde logo saltar fora a espinha inoportuna, livrando dela a ingrata companheira. 


Obs.: História ouvida de Manoel Ferreira da Silva (Manu).

sábado, 25 de maio de 2013

Fé na certeza

Neste sábado logo cedo, depois de chuvosa madrugada no Cariri , final do mês de maio, às páginas do Novo Testamento palavras de Paulo de Tarso falam quanto a fé, definição por demais suficiente:

Ora, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. Pois foi por meio dela que os antigos receberam bom testemunho. Pela fé entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de modo que o que se vê não foi feito do que é visível. Hebreus 11:1-3  

A força desse instituto particular tudo pode em contrário do desânimo e das entregas inúteis, reação aos obstáculos deste chão das almas, lições inevitáveis a dramas transitórios.

Exercitar o recurso da fé significa, pois, a prática de toda filosofia, vitória esplendorosa quanto as marcas das desistências no cotidiano da carne. Equivale ao impulso necessário das crenças na positividade dos que se permitem avaliar da natureza os meios da esperança ainda que coisas haja perdidas nos sonhos imediatos dos frios prazeres.

A fé, contudo, que bem representa antessala da certeza absoluta, frustração das vaidades tangidas a passos de cágado no cinturão dos planetas. Dobra as poses dos mambembes traços das cenas ilusórias da ótica física.

Gosto de temas assim, da busca de interpretações inolvidáveis perante a sede fértil de querer sempre mais do filme sem final feliz das televisões acesas ali na porta principal dos mercados. Isso porque o coração impaciente reclama compromisso dos desejos vadios aflitos no querer o máximo das novas manhãs acesas dos dias.


A fé e a convicção que marcaram encontro depois da chuva nas praças deste mundo de nós próprios. Ora, diz Paulo, a fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos. Vale com isso firmar o poder magnânimo da luz imensa das certezas que virão, maravilhoso ganho da humana religiosidade eterna.     

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Lá dentro da gente


Onde só bem poucos possuem a coragem de mergulhar ali moram mananciais que podem salvar mundos inteiros. Sob a mesma pele que ocupamos indiferentes há torrentes de luz, amor e consciência ao dispor das nossas expectativas de naus perdidas no escuro das neblinas. Cores universais de vida nutrem a força que impera debaixo das camadas profundas qual fogo a crepitar no interior da Terra; elas, essas cores múltiplas, esplêndidas, chamegam também à disposição dos humores incontroláveis no íntimo de nós. Essa energia grandiosa das descobertas fervilha aqui dentro, princípios da coerência reveladora na obra da Criação. Ou desconhecemos, ou sabemos e deixamos escorrer pelos dedos a seiva essencial em desamor essas dádivas naturais.

Entretanto persistem sons da felicidade batendo na porta das almas, tambores que percorrem trilhas, corredores, cantigas de trovadores resistentes da beleza, missão de seres audazes que falam às pessoas e transmitem retalhos de melodias misteriosas e fustigam os corações, acendem o furor da transformação, e até chegam a dobrar leis de angústia e trabalham esperança. Despertam doces prosas de saborosos contos nas veias do espírito. Conspiram buscas de revelações inesgotáveis, a vencer todos dragões das mágoas e dos rancores.

Os caminhos mostram a tal religiosidade que jamais sumirá dessa estrutura de todos universos, arquitetura de deuses, pois somos herdeiros da saúde eterna do sempre.

Nesse andar rumo das estrelas na individualidade enfim descobrimos dentro da gente o novo em estado permanente, constantes amabilidades para conosco e os demais.

Ato espontâneo, minérios da plenitude do Ser significam por isso a Graça Suprema de comungar serenidades e sonhos, além das dimensões visuais e físicas. Vozes de poder dedilham as fibras sadias dos nascidos que somos do momento esplêndido nas telas inigualáveis, alvoradas milagrosas, gosto refinado do artista genial que desvelou as cortinas da infinita Perfeição. 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O dia do barulho


Por volta das 12h do dia 09 de janeiro de 1922, se registrara em Lavras da Mangabeira, no pleno centro da cidade, uma luta armada que redundaria na morte de Simplício Augusto Leite, José Leite Filho e do major Eusébio Tomás de Aquino, restando ferido o prefeito municipal coronel Raimundo Augusto Lima. Essa data vincou a tradição do lugar como o dia do barulho, pela monstruosidade e repercussão que produziu na política cearense, vistos os detalhes a seguir consignados.

Eram as primeiras décadas do século XX e nas comunas do Nordeste interior famílias de senhores feudais detinham o poderio de mando, arrebanhando tropas de cabras armados de rifles, mosquetões, bacamartes e fuzis, impondo, à força bruta, seus domínios. Em Lavras, as coisas não se dariam de outro modo. A hegemonia política da localidade coubera a dona Fideralina Augusto Lima, que mandara e desmandara, no sabor de seus humores, até sua morte em 1919, cuja herança contemplou, sobretudo, aos filhos, genros e outros parentes próximos.

O prefeito Raimundo Augusto Lima, neto da matriarca, no dia aziago, instigado pela agressividade de um irmão, Gentil, viu-se face a face com os mentores principais da facção rival, de armas em punho. Por pouco escapou de ser fulminado de morte nas escaramuças, recebendo balaço de raspão no curso das costas ao crânio, em disparo de rifle, depois de negacear o corpo ao contato do cano da arma adversária.

Dentre outros que participaram do tiroteio figuravam Anselmo, Dori e Luiz Teixeira Férrer, vulgo Lela, este que depois contrairia núpcias com Maria, filha de Gustavo Augusto e viúva de José Leite Filho, tombado no conflito.

Apesar das perdas em vida registradas, o grande perdedor da refrega, no entanto, seria, a posteriori, o coronel Gustavo Augusto Lima, filho de Fideralina e pai dos dois envolvidos Raimundo e Gentil Augusto, então deputado estadual e presidente da Assembléia Legislativa do Estado, ausente da cidade naquele dia sangrento.

Devido à morte do major Eusébio Tomás de Aquino, seus filhos Roldão e Raimundo Augusto de Aquino, vulgo Raimundo de Eusébio, juraram vingança ainda sobre o corpo do pai. Escolhido por objeto da vindita, o coronel Gustavo era também o padrinho de batismo de Roldão, um dos filhos de Eusébio. Visto isso, restou a Raimundo o papel de perpetrar o ato premeditado.

Passados, pois, um ano e dias do ocorrido no centro de Lavras, a 28 de janeiro de 1923, em Fortaleza, na Praça do Ferreira, ocasião em que o coronel Gustavo, ao lado de duas filhas, Luisinha e Maria Luísa, tomava assento no bonde do Outeiro para se deslocar à sua residência na Avenida Dom Manuel, e tombaria vítima de disparos de revólver deflagrados por Raimundo de Eusébio.

A data lavraria greve golpe na família Augusto pelas sérias consequências impostas ao mando político, abalo multiplicado logo adiante na história com as ações desarmamentistas da Revolução de 30 e outras providências de dissolução dos feudos estabelecidos desde os primórdios da colonização.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Tomásia


Na história do Tatu há um personagem que permeia os acontecimentos dos últimos anos de Fideralina, amiga inseparável nos momentos quando viveria o rescaldo da história de mandonismo que conduziu e marcou a história do feudalismo sertanejo no Nordeste.

Esse personagem, a escrava Tomásia, remanescente dos cativos de antes e chefe da família dos Pretinhos, dentre os quais conheci Seu Antônio Pretinho e Cecília, que morava logo adiante da bagaceira do engenho, no lado de direito de quem olha do alpendre da casa grande. Era acima de uma das represas do Açude Grande e meio caminho entre a casa grande e a capela situada ao lado da casa onde nasci numa pequena elevação, construída por meu pai.

Antônio Pretinho fora pai de João Preto, Francisco (Chiquim), Maria Preta (esta que passava fases de demência a ponto de permanecer trancada) e Lourdes, que moraria quatro décadas com meus pais e cuidaria de mim na primeira infância.

Tomásia providenciara, juntamente com Fideralina, o acondicionamento de bens de prataria e ouropeis, moedas e outros mais, que constaram da propalada botija ainda hoje sem paradeiro. Segundo consta, elas cavaram o lugar de depositar o tacho com essas coisas e ambas o puseram na cabeça de Lourenço, o vaqueiro da propriedade, indo com ele, nas caladas da noite, até o ponto de ali deixarem para cobrir de terra.

Lourenço jamais localizaria o sítio daquela empresa, terminando os dias a repetir cantilena: - Faz roda, Lourenço... Faz roda, Lourenço... – palavras que lhe diziam as duas mulheres ao fazê-lo girar, de olhos vendados, e em seguida conduzi-lo aonde haviam cavado. Ele recordava tão só que no caminho passara por duas cancelas de que ouvira as pancadas.

Ao lado de D. Fideralina Augusto, Tomásia presenciara o apogeu da família, usufruindo alegrias e comungando o gosto amargo dos eventos tristes do clã nas contradições de violência e política que, então, mobilizou.

Numa das paredes da casa grande da fazenda, nas movimentações do III Cariri Cangaço realizado em Lavras da Mangabeira em maio de 2013, estava a fotografia de Cecília, nora de Tomásia, que ora ilustra este pequeno comentário, resgatada no tempo graças ao empenho de Cristina Couto, atual Secretária de Cultura do município, que reuniu rico acervo da iconografia da família e bem ilustrou salas, quartos e corredores da antiga residência da cearense ilustre.  

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Mal desnecessário


Dos piores hábitos, a adoção de uso da nicotina custa caro aos que se deixam prender nas suas malhas letais. Os índices apontam sérios prejuízos que a todos comprometem, desde amigos, parentes, conhecidos, ou mesmo desconhecidos. Leis recentes de vários países principiam a conter essa maré destrutiva com proibições nos ambientes públicos, incluídos transportes de massa.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o fumo é responsável por 90% das mortes por câncer de pulmão, 97% dos óbitos por câncer da laringe, 25% de doenças do coração, além de causar 85% das bronquites e  enfisema pulmonar, somados inúmeros casos de impotência sexual e abortos prematuros.

Os 33 milhões de fumantes brasileiros se expõem a 100 mil óbitos anuais causados pelo vício. No mundo, há 1 bilhão e 500 milhões de fumantes, com 4 milhões anuais de óbitos nisso originados.

Custos elevados de verbas dos orçamentos públicos tentam reverter o quatro, enquanto poderiam se destinar a profissionalização, educação, outros setores da saúde, segurança, moradia, saneamento básico, abastecimento, etc.

Na atualidade, a propaganda do tabaco restringe e denuncia a sua ofensividade alienante, por força de normas para inibir espaço de divulgação da lástima que, durante muito tempo, se expandiu sem quaisquer limites.

O que mais assusta nas pesquisas são os 78% dos viciados que dizem pretender a libertação da dependência mas apenas 5% atingem o objetivo ao fim de um ano. Até conseguir parar, o fumante faz, em média, cinco tentativas. O vício da nicotina é comparável aos da cocaína e da heroína. A maioria precisa de ajuda terapêutica para abandoná-lo.

Desse modo, nas pautas governamentais, persistente a cruzada para conscientizar, sobretudo as novas gerações, da adversidade que transforma o lazer aparente de aspirar 4.700 substâncias contidas em desprezível cigarro, a título de distração, numa bomba-relógio de efeitos coletivos devastadores, contradição à saúde. 

domingo, 19 de maio de 2013

Rever a minha terra


Em visita à casa dos meus avós, em Lavras da Mangabeira, ao Sítio Tatu, onde um dia vim ao mundo. Nas movimentações típicas de festas coletivas bem conduzidas, participamos do III Cariri Cangaço, capítulo de promoção periódica da Sociedade Brasileira do Cangaço, entidade de pesquisa antropológica que, no corrente ano de 2013, envolve estudos da força marcante de Dona Fideralina Augusto Lima, a matriarca da família Augusto, à qual pertenço, nos capítulos da ancestralidade cearense.

Logo cedo, neste domingo 19 de maio, juntamente com Igor, meu filho, e Antônio Nirson Segundo, meu primo, chegávamos, através da Rodovia Padre Cícero, à luz da manhã na Praça, que convidava a fotografar o monumento da Igreja de São Vicente Ferrer, beleza de construção católica.

Depois, já no prédio da Prefeitura, encontrávamos Gustavo (Tavinho) Augusto, Cristina Couto, Manoel Severo, Dimas Macedo, João Lemos, José Leite, outros mais, parentes, amigos lavrenses, prenúncio das intensas emoções que viveria durante as horas dessa caminhada.

Em seguida, faríamos visita à casa de Bahia (Maria Correia), sobrado de esquina sede antiga do clã na cidade aos tempos de antanho, lugar mantido com qualidade pelos responsáveis pelo patrimônio histórico do município. Sobrado de esquina ao estilo característico da aristocracia interiorana do Sertão, herança da arquitetura portuguesa colonial.

Havia boas dezenas de visitantes à atividade cultural da promoção do Cariri Cangaço, que visa sobremodo preservar valores antropológicos do feudalismo nordestino do século XIX e primeira metade do século XX.

O andamento das atividades, que haviam iniciado no dia anterior com palestra do escritor e membro da Academia Lavrense de Letras Dimas Macedo, além de outros eventos, rumou ao Tatu, fazenda onde vivera Fideralina, local do meu nascimento.
As marcas da história persistem em cada detalhe da consistente paisagem sertaneja. Ao lado de onde fora a casa dos meus pais, as ruínas da reconstrução da capelinha. Entre os presentes que circulavam os cômodos da casa grande, morada dos meus avós Amâncio e Lidia durante mais de 50 anos, encontrei Ismária Batista, a esposa de Tio Gustavo, meu padrinho de crisma, e meus primos Tales e Gláuber Leite, acompanhados de filhos e dos remanescentes humanos de quem fizera a rotina do sítio ao tempo quando lá vivi, familiares de Compadre Hipólito Sousa: Altina, Manoel e Zuca. Uma festa de boas emoções próprias da amizade que dedico às primeiras paragens neste chão.

Por isso tudo de hoje, ora consigno estas avaliações rápidas dos momentos culturais dignos de abençoada terra mãe.

sábado, 18 de maio de 2013

A ciência do próximo passo


Isso de querer saber como agir na hora seguinte. Estar no lugar certo e na hora certa. Isto é, a angústia de querer achar o caminho ideal nos passos desse chão. A ciência da escolha, o uso correto da liberdade no ritmo da transformação de um passo em todos os demais passos de uma só existência, que somos nós. Investir liberdade em realidade.

Por vezes paro a examinar razões nas atitudes, a investigação da decisão exata dentro das circunstâncias. E nem sempre recebo resposta que venha justa na sequência dos acontecimentos, deixando margem de incertezas e uma espécie de culpa sintomática que balança no ar logo acima da cabeça, feita a espada de Démocles da mitologia grega. O aprimoramento da função vital, pois, riscos constantes das criaturas durante o mar de expectativas ao seu dispor.

O Existencialismo trata a liberdade qual fator de construir a si próprio através do que resta das oportunidades permitidas, quando o não agir, o não fazer, por sua vez, significará também a ação na omissão. O homem estará fadado a ser livre, segundo Jean-Paul Sartre. Diante dessa contundente liberdade caberá o uso dos instrumentos que o meio e as outras pessoas oferecem na ação. Com isso acontece a elaboração da existência.

Enquanto que trabalhar o instante seguinte envolve a necessidade da ação individual, o movimento na natureza segue inatingível o compasso, força permanente do Infinito. Quais enigmas, individualidades avançam no tempo desconhecido, respostas abertas às consciências.

Estudos existem dos recursos internos da alma que mostram percepções noutros níveis, a intuição, o sonho, a manifestação de qualidades abstratas das visões interiores do espírito, as inspirações, vozes, aparições, valores de faixa ainda inexplorada em que a ciência oficial guarda reservas de aceitação plena.
Face ao presente da história, o sentimento dominante fala que se sabe pouco, um quase nada, dos mistérios da pessoa humana, persistindo forte o desejo imenso de desvelar as leis da ciência dos passos nos caminhos da Existência.  

sexta-feira, 17 de maio de 2013

A que servem os valores morais


Valores, ou seja, as bases sobre as quais estruturar o comportamento nas relações entre as pessoas, sociedades e natureza. Afinal se busca níveis melhores que dimensões arcaicas, de quando animais e bárbaros, dos tempos das cavernas. Eles evoluíram desde que o homem é homem, de quando resolveu aprimorar realizações no decorrer da história. São padrões mais refinados de convivência que resultam nos estados de justiça e civilização.

A que servem esses tais valores morais? Só visam estabelecer pactos em favor dos grupos, ou indicam crescimento dos indivíduos nos planos elevados da ética e do progresso de sonhos maiores?

A psicologia evita o âmbito da religiosidade, mantendo compromisso restrito ao campo das reações aparentes das pessoas. Contudo há limites inatingíveis no desconhecido. Pois a ânsia das soluções bate de cara nalgumas impossibilidades científicas, estação provisória do conhecimento. E a dor segue doendo pedindo paz aos organismos enfermos da coletividade.

Nessas horas restam os valores, decisões pessoais estabelecidas no íntimo de vencer o vazio existencial nas criaturas humanas. Algo que deve existir plantado no território silencioso da solidão visando balizar as dificuldades existenciais. Nessas paragens longas e angustiosas, luzes acendem quando guardadas. Lembram a parábola cristã das virgens loucas, que não mantiveram o azeite de acender as lâmpadas, na chegada imprevisível dos noivos. E ficaram lá perdidas nas trevas do abandono, enquanto as prudentes revelavam suas localizações.

Nas noites e febres do isolamento a que se submetem os desavisados vagando pelos mundos incertos, o plantio e a colheita bem aos moldes daqueles que aperfeiçoam valores morais, servem nas ingratas situações da sorte e reduz a fome de Amor desse tempo transitório. 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

O poder do sorriso


As tais oportunidades que afloram na superfície dos dias e quase nem merecem o necessário respeito do aproveitamento, uma delas o sorriso, tranquilidade na forma de gente, que poucos, raros, raríssimos, utilizam no seu proceder. Pouco, nada de esforço, pede o sorriso fagueiro, abridor de horizontes e, no entanto, contém milhões de fascínios a ponto de transpor as portas e janelas diante das correrias idiotas desses blocos de metais enferrujados.

Leveza no ar e perenes sentimentos vagam a praia das faces felizes. Só alguns animais riem. A hiena, o cachorro, os pássaros e seus cantos de trinados infinitos. A hiena, o riso torto de alienado, dentes a mostra e olhos pelo chão das ribanceiras, esforço de quem simula vitória inexistente, fingimento e grosseria. A todo custo, impõe condições de conquista às lamas ralas das carniças, a hiena. Já o cachorro, decantado amigo do homem, quando deixaram a existência da cauda, balança esse formato de rabo a qualquer sintoma de cordialidade do vaidoso proprietário.

Os humanos, porém, gargalham perdidamente diante dos obstáculos da mediocridade. Facilitam janelas na cara aos outros, no exercício do ofício de tratadores de cavalos que escovam o pelo dos bichos à intenção de agradar as cavalariças, contudo agradando menos a si próprios tratadores, consumidores inveterados de ilusões. Gargarejam o gesto de rir, esquecidos da qualidade especial de um sorriso, início das relações agradáveis e fraternas. Bobos das cortes medievais, que trabalhavam o humor dos reis, expostos a coices e lapadas, esforço de arrancar felicidade daqueles solos endurecidos e corações vaidosos na farra da ambição.

Hoje, contudo, chances de amizade circulam consciências, pedido paz na guerra da fama. As crianças mesmas usam a função do sorriso independente de outras preocupações, gestos simples da alma e mentes aberta ao infinito. Quiséssemos considerar a crise aborrecida desses tempos dos materiais químicos através das lentes grossas da investigação independente, ali habitariam a imprudência da falta de verdade nas multidões profissionais da sobrevivência. Catucaríamos velhas latas de peitos mutilados e descobriríamos tolos rabugentos só tangendo tropas de mendigos fantasiados de campeões da inutilidade.

O calendário e os relógios, igualmente, reservariam doses extremas de frustração aos teimosos do aborrecimento. Ninguém passaria impune pelos corredores dessa aridez das ciências dos corações felizes.

Sorrir, e sorrir sempre, eis a prova máxima da esperança e os pomos harmoniosos que dormem grudados às dobras internas de todos nós.   

quarta-feira, 15 de maio de 2013

São Mamede


Alguns dias na Paraíba, neste final de semana do Dia das Mães, e revejo uma cidade próxima da BR logo antes de subir a Serra da Borborema no sentido Sousa - João Pessoa, São Mamede, que conhecera desde a primeira vez em que viajei a Capital paraibana, e me causara admiração devido a singeleza de sua capela de torre única. Era noite e o ônibus entrara só enquanto cumpria o roteiro de raros passageiros, deixando vislumbrar a construção. Daí, planejei quando pudesse fotografá-la. Isto agora nesta viagem aconteceu no meio da tarde do domingo dia 11 de maio de 2013.

Ao entrarmos na cidade próxima da estrada principal, comentava a propósito do padroeiro São Mamede, que conhecia apenas de nome. E nisso, senti o interesse de saber mais a seu respeito, tempos de Internet, a reunir alguns dados disponíveis.

Mamede, santo venerado nas Igrejas Católica e Ortodoxa, nasceu no século III, na cidade turca de Cesareia, hoje denominada Kyaseri, à época do domínio do Imperador romano Aureliano. Seus pais, cristãos, viram no cárcere na ocasião do nascimento. Logo seriam executados diante da perseguição romana aos cristãos, deixando o filho órfão aos cuidados de Ammia, uma senhora amiga, até que ele inteirasse os 15 anos.

A ligação de Mamede com o Cristianismo lhe renderia outras perseguições, capturado e torturado pela fé. Diz a história que, na prisão, receberia a visita de um anjo, ganhando de volta sua liberdade. Orientado que seguisse rumo a montanhas próximas da cidade, no caminho defrontou leões selvagens, os quais dominaria na força da espiritualidade. Uma das feras dele se afeiçoou, acompanhando-o sempre.

A fama de que Mamede domesticava animais bravios ganhou os ouvidos de Alexandre, o duque de Cesareia, motivo de condená-lo à morte, considerando que possuísse parte com as forças do mal. As feridas que daí sofreria lhe causaram a morte depois de conseguir regressar às montanhas e lá merecer a cicatrização das marcas deixadas pelos agressores.

No século VIII, católicos trouxeram as relíquias do santo para a França, depositando-as na Catedral de São Mamede, na cidade de Langres, onde permanecem recebendo a devoção de padroeiro dos recém nascidos e dos que atravessem problemas nos ossos, sobretudo na coluna.   

Assim, devido ao gosto que em mim despertou a beleza da igrejinha da cidade paraibana de São Mamede, quis conhecer mais da personalidade histórica desse mártir cultuado pela população do lugar, e ora partilho dos que leram tais palavras.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Ânimo forte


Em épocas críticas, todos precisam levantar a cabeça e buscar forças internas por vezes desconhecidas, mas de primordial importância na preservação do gosto de viver. Nesses períodos austeros, as responsabilidades de um veículo de comunicação crescem no sentido de informar e formar as consciências, razão de lhe caber papel estratégico na manutenção do espírito elevado de quem o manuseia à busca de valores e elementos vitais de sobrevivência.

E os tempos políticos e econômicos atuais do Brasil e do mundo geram preocupações de várias ordens nos diversos quadrantes. Pais de famílias avaliam o futuro e se apreendem pelos filhos. Jovens analisam o mercado de trabalho e sentem a exiguidade dos instrumentos que dispõem para objetivos válidos. Sociedades padecem das providências administrativas insuficientes aos desafios da hora.

Isso demonstra a panorâmica cinza, vistas turvas de um dos lados da ponte. Do outro, a Natureza segue a boa ordem eterna a dizer dos sonhos que fluem quando se enfoca o pólo positivo das evidências.

O modo de utilizar as normas de viver precisa do aprimoramento dos recursos disponíveis na força interna do Ser. Ninguém há de negar que o progresso tecnológico propicia maravilhas aos humanos. A todo instante, novas fontes de poder trazem inovações. Em face disso, admitir potencialidades e saber utilizá-las se torna fator de alegria.

Antes de quaisquer atitudes negativas, portanto se concentrem esforços mentais e escolhas dos melhores caminhos. Depois, o resultado prático indicará o andamento, numa espécie de geração espontânea. Para chegar à felicidade, longo caminho apresenta oscilações, dificuldades, instabilidades que se equilibram junto do senso comum, no treinamento da marcha em frente e para o alto de quantos mantêm a firmeza de continuar.

Preservar o espírito de vitória dentro da realidade, sem jamais reduzir o ânimo de lutar, eis as bases da vitória na epopeia do crescimento que todos vivem, jornada adentro da sabedoria e do sucesso.

Guerras, inflação, dramas familiares, existenciais, demais impasses, se transformam toda hora, mudam em seus contrários, nas experiências inevitáveis da formação da personalidade e do crescimento individual, fatores de integração e unidade. Pois eles não são opositores e, sim, complementares dentro de nós.

Religiosidade, filosofias positivas, sentimentos agradáveis, amizade, beleza, arte, poesia, idealismo, esperança, altruísmo, revestem os elementos ao dispor, na procura lógica pelo sentido desses acontecimentos da longa, infinita, história.

Porquanto os mestres indicam a direção que existe, nos mistérios, a chance fabulosa da felicidade verdadeira enquanto somos inteligentes em nossas decisões diárias.

Amar, por isso, com gosto as coisas boas, tal condição da paz no coração. Sintonizadas realizações nascem por via de consequência, junto com o sol das manhãs esplendorosas, peças e movimentos do sistema eterno. Vivamos a intensidade dos dons especiais de compor a melodia da liderança de Si Mesmo, artífice do Universo que todos somos. 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Buda, a luz da Ásia


No século VI a.C., os pequenos reinados da Índia viviam em luta. Nesse período, na Ásia havia uma onda de mudanças nas ciências, artes e ideias. Por volta de 523 a.C., no reino de Kapilavastu, pequeno país da etnia dos Sákias, lá onde hoje existe o Nepal, nascia Sidarta Gautama, depois conhecido por Sakyamuni, o Sábio dos Sákias.

Seus pais se chamavam Rei Suddhodana e Rainha Maya.

Numa viagem com destino ao palácio de verão, no bosque Lumbini, às margens de um rio, a rainha sentiu as dores do parto e sobre folhas de lótus deu à luz o menino Sidarta. Conta a lenda que nesse instante o tempo se inundou de perfume, choveram pétalas de flores do céu e ouviram cânticos celestiais de louvor e beleza. Sete dias depois, a Rainha Maya morreu, deixando ao marido a educação do filho.

Mais algum tempo e o soberano, agora casado com uma irmã de Maya, quis saber o que o Destino reservaria ao filho. Nas encostas do Himalaia, buscou um sábio, que disse que o príncipe ou tornar-se-ia poderoso monarca ou viria a ser um sublime religioso.

Suddhodana se indignou diante da segunda possibilidade. Daí cuidou de cercar o filho das pompas da corte. Farei dele seu sucessor. Jamais permitiria conhecesse os males do mundo, doenças, velhice, pobreza; os desgostos e as contradições que viessem estimular seus sentimentos religiosos.

Para onde seguia, emissários à frente disfarçavam todas as circunstâncias, evitando ao máximo que soubesse das fraquezas existentes nos lugares onde andasse.

Na idade adulta, escolheu a esposa, Yasodhara, sua bela prima.

Certa vez, contudo, a segurança deixou de cumprir o papel de isolá-lo da realidade e ele, driblando o zelo do pai, fugiu solitário num passeio noturno, a se deparar com as tristezas da Terra.

O impacto causou no jovem extrema reação. Viu de perto o sofrimento em que a vida carnal resume o caminho para a morte. Também encontrou um monge mendigo que explicou a escolha de buscar a libertação interior e exterior.

Sidarta era, então, pai de um menino, Rahula. Despediu-se da esposa, levou consigo um serviçal e à meia-noite, a cavalo, ele cruzou, os portões do palácio rumo ao desconhecido.

Muito distante, trocou as roupas nobres com as do servo, devolveu-lhe a montaria, mandou-o regressar e seguiu mendigando pelas estradas e vilas.

Largos anos transcorridos, Sidarta reveria os familiares quando se afirmara na trajetória de compreender a Verdade Plena.

Primeiro quis conhecer os ensinos dos mestres. Juntou-se a cinco andarilhos e saiu a peregrinar. Realizou jejuns e sacrifícios, sob o costume dos povos orientais.

Após três anos dessas práticas, se viu à beira da penúria, magro e debilitado. Nesse momento, concluiu que a resposta se acha no meio e não nos extremos, razão que o levou a abandonar a experiência mortificadora, espantando os companheiros de busca que viram nele alguém desprovido de resistência. Uma donzela, no entanto, o alimentou até restabelecer a saúde. 

Refeito, se sentou à sombra de um Ficus religiosus, árvore frondosa do bosque conhecido por Buda Gaya, lugar de iluminação, e resolveu meditar.

Saíra de casa há seis anos. Aos 35 anos de idade, uma madrugada de lua cheia ao brilho da Estrela Matutina, Sidarta Gautama completou seu processo autorrevelador ao chegar à cessação absoluta do sofrimento pela concentração mental, o completo domínio do pensamento.

Nessa hora percebeu que reunia em si as condições suficientes do que tanto almejara, porquanto nisto reside a descoberta verdadeira. Ainda tentado por dançarinas seminuas e por Mara, o rei dos demônios, Sidarta Gautama obteve o controle absoluto da Vontade, e galgou a Suprema Realização.  

quinta-feira, 9 de maio de 2013

O baile sertanejo


Desde cedo da noite que o coronel percebera os sons de harmônica pelo ar escuro da fazenda, zabumba, pandeiro e triângulo, vinha de dentro das matas em pleno meio de semana. Naquelas bandas, as autorizações para os sambas de latada careciam de longa preparação. Até o delegado havia de ter conhecimento e permitir, quando fossem realizar, nas fazendas, as promoções de si tão violentas dos caboclos rústicos do lugar. Nada disso haviam providenciado. Nenhuma notícia de samba.

O primeiro portador até ali não retornara com as notícias. Despachado a fim de acabar com o festejo e saber dos responsáveis, sumira de tudo, sem vir, nem mandar qualquer recado. Essa a razão da impaciência do proprietário das terras, na sala principal da casa grande, a andar num pé e noutro, transferindo contrariedades aos ouvidos tensos da esposa. Sentada perto de uma janela, a mulher fixava os olhos na espera angustiosa dos acontecimentos.

Nessa hora, resolveram chamar outro portador e encaminhá-lo com a mesma finalidade.

Outro tanto de tempo, quase uma hora depois, e nada de resultado. Algo na verdade esquisito existia naquilo tudo. As ordens do fazendeiro jamais foram desconsideradas do jeito daquele momento. Esperariam mais só um pouco.

A música soprava na brisa das bandas do lugar da festa, trazendo nítido o calor de farra, se ouvindo ainda gritos e gargalhadas, misturados com forró. Lá longe, a casa fervia de animação, acrescentando as apreensões ao casal.

Ainda não retornara o segundo emissário, quando resolveu o coronel em pessoa examinar de perto a afronta dos agregados. Nem imaginava que tivessem tamanha audácia de desobedecer. Ele equipou o rifle de entrar na dança e seguiu na escuridão da noite sem lua.

A mulher fechou portas e janelas, e permaneceu de sentido em alerta. Contudo isso durou pouco, pois se rendeu ao enfado, caiu em sono profundo dentro do casarão silencioso.

De manhã, sol nas alturas, despertou escutando o marido desconfiado que empurrava a escora da porta. Com os olhos avermelhados de quem dormiu pouco, ou não dormiu. Nisso foi dizendo:

- Pense num homem divertido o compadre Lampião. Dançou o tempo todo sem demonstrar qualquer cansaço - falou sorrindo amarelo e seguiu rumo da cama, pois passara a noite em claro, batendo zabumba na festa dos cangaceiros que se arrancharam numa manga das proximidades.   

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Um escravo branco


Registros correntes indicam as bases da escravidão no Brasil em face do tráfico de negros trazidos do continente africano à época da empresa colonial portuguesa, destinados ao cultivo da cana-de-açúcar, cujo produto final era transportado à Europa por meio dos navios holandeses. Sobretudo traficantes portugueses apresavam nativos e os conduziam ao litoral do Maranhão, de Pernambuco, Bahia e São Paulo, através dos métodos cruéis de privação de liberdade em porões infectos. Raras, raríssimas ocorrências, contudo, revelam existissem escravos de outras procedências raciais que não tais.

No entanto, meu pai falava de existir, entre os escravos alforriados no Tatu, um homem alvo, alourado e de olhos azuis, o qual resolveria permanecer ligado à família ainda que viajasse das terras de Dona Fideralina e rumasse ao Sudeste do País.

Um neto da velha matriarca, Ildefonso Lacerda Leite, que seguira ao Rio de Janeiro, onde cursou a Faculdade de Medicina, certo dia, quando menos esperou, recebeu a visita do antigo escravo da avó, que depois o buscaria em ocasiões sucessivas, mantendo a proximidade.

Sempre que vinha lhe ver até trazia consigo parte dos ganhos obtidos nos trabalhos da Capital Federal, insistindo que recebesse em nome dos vínculos do passado, e pelo reconhecimento dos bons tratos que merecera nos tempos do Ceará. Era tecelão, ofício que praticava com habilidade desde quando vivera na fazenda, em Lavras da Mangabeira, sob o jugo da família do acadêmico.

Essa afeição durou enquanto Ildefonso Leite cumpriu os estudos, prolongado nas boas relações entre os dois.

Lá adiante, Ildefonso regressaria ao Nordeste, indo clinicar na cidade paraibana de Princesa, origens de seu pai, meu bisavô Luiz Leônidas Lacerda Leite. Naquela localidade, contrairia núpcias com Dulce Campos, filha do coronel Erasmo Alves Campos, chefe político no município, sendo, a posteriori, vitimado em momentoso assassinato.

Nenhum outro registro que conheço indica, pois, ocorrências desse tipo de subjugação no Sertão, razão essa que justifica contar trazer a verificação.

terça-feira, 7 de maio de 2013

As duas princesas e as três fadas


Certa vez, uma princesa saiu a passear nas proximidades do palácio e acabou perdida em meio às belezas da espessa floresta do lugar. Andou que andou até se sentir exausta, quando avistou choupana simples e bonita. Dali veio chegando e empurrou a porta da casa, que, com facilidade, se abriu. Chamou os moradores, contudo ninguém atenderia. Cuidadosa, a princesa entrou na residência e ficou observando cada detalhe. A poeira e o desalinho demonstravam que seus donos necessitavam de ajudam e logo resolveu trabalhar a fim de por ordem nos móveis e objetos daquele estranho ambiente.

Sem demora, varreu cada cômodo, dobrou lençóis dos três minúsculos leitos que havia, lavou louça, espanou e organizou tudo no lar pequeno e delicado. Durante bom tempo dedicou atenções às tarefas, restando melhor interior da residência, sentindo nisso alegre satisfação.

Quando terminou de arrumar a casa, ouviu ruídos do lado de fora. Em seguida, três fadas luminosas e saltitantes chegaram do que pareceu jornada longa, exaustiva. Escondida detrás da porta, a jovem acompanhava as reações das pequeninas fadas. Admiradas, elas comentavam:

- Quem lembrou a nossa casa decerto merece um par de sapatos todo de ouro. Outra disse: - Um vestido de ouro, também. Enquanto a terceira acrescentou: - E pulseira bela de ouro a lhe completar os presentes.

Assustada com aquilo, a princesa buscou fugir da residência misteriosa. Já ia andando pelos caminhos da floresta quando notou que os desejos que da fadas ouvira agora mostravam seus efeitos, pois levava consigo as riquezas oferecidas pelas fadas agradecidas.
Com pouco esforço, chegaria ao palácio e quem primeiro lhe observou os presentes ricos que recebera foi a rainha mãe, que depois contaria à irmã da princesa, de índole cimenta e ambiciosa. Ardendo de curiosidade, esta quis saber o jeito de a irmã receber tão ricos mimos.

No dia seguinte, ainda com escuro, a outra princesa saiu em procura da casa das fadas. Carregava consigo vontade enorme de receber caros presentes. Lá na mesma residência, empurrou a porta e entrou agoniada. Quando mais quis auxiliar nas tarefas de limpar e arrumar as peças do ambiente, obtinha piores resultados, desorganizando sem habilidade, destruindo o que avistava pela frente. No final, deixou tudo em completa desordem, trens, móveis e roupas revirados pelos cantos.

Procurou esconderijo e ficou à espera das fadas, que não demoraram.

Ao verem o desmantelo do lugar, uma considerou: - Quem fez isso merecerá escamas grosseiras no corpo inteiro. A segunda, abusada, falou: - Cascos de cabra em vez de pés nessa desatenta. Enquanto a terceira fada arrematou: - E uns chifres de bode no alto da testa.

Em fuga, a outra princesa sairia dali carregando no corpo os sinais do que acabara de receber de quem vivia na habitação esquisita.
Quando lembrar essa história, caro (a) leitor (a), se motive a ser mais cuidadoso (a) e deixar a preguiça de lado, e seja assim mais feliz.

Obs.: História ouvida de Maria Gisleide Martiniano.   

segunda-feira, 6 de maio de 2013

O sonho do avião


Transcorria o ano de 1978. Voltara a Salvador, onde permaneceria por mais sete meses, isso face ao nascimento de Ceci, minha primeira filha, ocorrido em 19 de junho. Nesse período, ficaríamos em apartamento de um edifício circular, o Orixá’s Center, no Politeama, próximo à Avenida Sete.

Numa madrugada calorenta do agosto baiano, foi despertado de sonho de alta voltagem emocional, a mexer com intensidade nas minhas entranhas psíquicas e causar forte impacto nos meus pensamentos. Dada a clareza com que se apresentara, na forma plástica de um filme, com direito a se repetir tão logo que terminou a primeira sessão, pois as imagens se reproduziram duas vezes seguidas, seu efeito persistiu na minha consciência logo após o sono e ainda hoje o recordo com absoluta nitidez.

Ele se dava em Crato, no bairro onde mora minha família desde que aqui chegamos, em 1953. Na varada do segundo pavimento de uma residência situada no prédio em que funciona  a oficina de pré-moldados de meu pai, local da antiga serraria que ele possuiu, nos achávamos, minha mãe e eu, enquanto Lydia, minha irmã mais velha se aproximava, vindo de dentro de casa.

Nessa hora, notamos movimento incomum ao nível da fachada das casas em frente. Então, nessa direção, avistávamos uma bruxa de preto a voar numa vassoura, arrastando consigo seguro por uma corda quarto crescente de lua sem luz para fazê-lo coincidir com outro quarto de lua brilhante. No exato momento se superpunham, em que lua negra preenchia toda a superfície da forma idêntica que brilhava, ocorria no céu choque descomunal qual circuito elétrico expresso em detonação de proporções indescritíveis.

No mesmo instante em que isso se verificava, por trás das casas, ao longe na paisagem, um avião de passageiros caía e explodia ao tocar o solo. Algo me indicava que aquilo na realidade ocorreria no futuro próximo e diria respeito a pessoa de nossa família.

A impressão que a visão acarretara gelava-nos por completo, e quando a cena se concluiu repetiu-se no mesmo sonho, como antes dissera, quase sem nenhuma variação, parecendo fita gravada.

De imediato, a reação que esbocei foi me ajoelhar e rezar pedindo clemência a Deus. Minha mãe permanecia sentada, também rezando em voz alta. Dentro desse sentimento acordei assustado, sob o impacto das imagens que presenciara. Saturado de pavor, me levantei e sai do quarto para a sala do apartamento, buscando por longo tempo a coordenação das idéias e pedindo socorro ao Alto por causa do que vivenciara naquela noite.

Durante os anos seguintes, recordei algumas vezes desse sonho, querendo interpretar o seu sentido. A respeito do que falava de concreto? No entanto, não localizei sua finalidade.

No dia 08 de junho de 1982, quatro anos depois, residindo em Crato, para onde retornara, se registra o rumoroso desastre aéreo da Serra de Aratanha, no Ceará, envolvendo o Boeing 727-212A, da VASP, prefixo PP-SRK, vôo procedente de São Paulo, a ocasionar o maior acidente da aviação brasileiro, com o desaparecimento de 137 pessoas, dentre elas Francisco Wagner Dantas, esposo de Lydia, que estava comigo no sonho.

À época, perante o acontecido, minha mãe e eu nos deslocamos a Fortaleza, onde acompanhamos de perto todo o desenrolar do drama, incumbidos de confortar a família vitimada, sempre recorrendo ao amor divino para vermos minoradas suas dores.

Hoje admito, portanto, que existe um nexo entre aqueles sonhos e as circunstâncias do acidente posterior. Outrossim desconheço as razões da antecipação, uma vez que nada pude estabelecer no ânimo de evitar a trágica ocorrência.  

sábado, 4 de maio de 2013

A fênix


Ave lendária, que, quando na idade do desaparecimento, levanta voo e busca lugar elevado, nos picos das montanhas distantes, estabelece um pouso e inicia o processo de se entrega aos desígnios do tempo.

Após viver os estertores da morte, seus restos entram em combustão espontânea. Queimam até restarem só as cinzas do corpo desfalecido.

Outro período depois, qual semente que brota do chão, das cinzas da fênix surgirá pássaro novo, nova fênix, que reviverá dos restos queimados. Renasce das cinzas, e crescerá na sua rara beleza.
Civilizações remotas guardaram esse mito nas histórias que preservaram. Chineses. Egípcios. Hindus. Persas. Há notícias dele em eras milenares, com descrições pormenorizadas do porte e dos costumes da espécie. Dizem os gregos clássicos que essa ave possui a força suficiente de transportar consigo pesados fardos, até animais gigantescos, e dispõe da força misteriosa de virar uma ave de fogo. Dura na faixa de quinhentos anos, vestida em penas brilhantes, arroxeadas de vermelho dourado, além de tons de azul e branco, no porte aproximado das maiores águias.

Através das avaliações de quem pesquisa a mitologia dos povos, a fênix representaria no inconsciente coletivo à alegoria do nascer e o pôr do Sol. Já estudos cristãos querem nela interpretar a crucificação e a ressurreição de Jesus, na Palestina, que recebeu vida nova em troca da que sacrificara no Calvário. Este o mito do eterno retorno, que corresponde à perpetuação, à sensação da esperança em tudo, o que envolve e conforta o transcorrer incessante da existência.

Heródoto, grego considerado o primeiro a registrar acontecimentos da história, escreveu: Existe outro pássaro sagrado, também, cujo nome fênix. Eu mesmo nunca o vi, apenas figuras dele. O pássaro raramente vem ao Egito, uma vez a cada cinco séculos, como diz o povo de Heliópolis. É dito que a fênix vem quando seu pai morre.

Às vezes procuramos escrever quanto às lendas, diante do prazer que nutre pessoas de gostar das narrativas. Mas chegamos a supor que antes o fizera dentro do mesmo tema. Ainda assim, trazemos a lenda dessa ave, rica de valores imortais.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Professor Raul Sá


Na primeira metade dos anos 70, em Salvador, estudava na Escola de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal da Bahia; cursava Comunicação, e me aproximara do Prof. Raul Sá, que nos ensinava Estilística da Língua Portuguesa. Um exemplo de mestre, tanto pelos profundos conhecimentos do Idioma, quanto pelo jeito característico de transmiti-los. Assistia a sua aula com imenso gosto e ainda gostava de acompanhá-lo nas aulas do curso de Biblioteconomia, logo depois, nos finais das tardes de dois dias da semana. Admirável a didática que utilizava. Preciso nas afirmações e nos modelos adotados. Antes ensinara no Colégio Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, donde viera já aposentado. De recursos parcos, o patrimônio principal que detinha era a dignidade e o estilo refinado de pessoa educada e feliz. Terminadas as aulas, lhe oferecia transporte até sua residência, quando conversávamos pouco mais de literatura e assuntos outros daqueles momentos.

Lembro que me contara certa vez a propósito de quando chegara ao Rio e viajava de bonde. Sempre que passava em determinado trecho da Capital Federal, notava um beco típico, de sobrados soturnos, pessoas maltrapilhas em volta, e o correlacionava com as aparências do lugar com as ambientações do que lera no romance O cortiço, de Aloísio Azevedo. Mais adiante, ao conhecer o autor, saberia que o trecho de rua que lhe causava a impressão do livro correspondia ao lugar exato que servira de inspiração ao escritor para trabalhar a história e os personagens da obra.

Nisso, o professor identificava a força que a arte possui de captar a realidade nos mínimos detalhes, transmitindo vida e pujança do que caracteriza emoção literária e os motivos da perpetuação das qualidades humanas através do tempo através da genialidade dos que trabalham os temas.

Bom, mas neste rápido comentário quis atualizar na memória quanto há em mim dos mestres que marcaram o pouco que aprendi nas salas de aula. Dr. Raul Sá habita hoje essas boas lembranças baianas, levando-me a procurar pelo seu nome através do Google. São poucas as referências a respeito dele, um vídeo do Youtube, de ex-aluna que agradece as influências, denominação de auditório em algum prédio público de Salvador e o que consta no currículo de graduado sob a competente cátedra que exerceu pelo Brasil afora.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Fideralina e o Açude Grande


As chuvas do Sertão surgem só no Verão, estação do estio noutras regiões. Ainda assim, quando vêm, se é que vêm, chegam com intensidade a ponto de o sertanejo classificar de inverno, seu Inverno, porquanto irriga o solo e possibilita o plantio das lavouras de subsistência, milho, feijão, arroz, fava, jerimum, maxixe, no tanto suficiente a cruzar o ano inteiro.

No Tatu, situado a meio do semiárido cearense, no Sertão do Salgado, segundo a classificação atual, o regime das chuvas funciona desse modo típico. Pelos inícios do século XX, numa dessas quadras chuvosas que superam a média histórica de causar espanto face ao excesso de águas, naquele ano, Fideralina Augusto Lima viu o Açude Grande receber volume além do suportável, o que ameaçava a capacidade do reservatório.

Diante daquilo, como seguissem chuvas volumosas e na madrugada em nada diminuíssem de ritmo, a matriarca decidiu fazer, ela própria, a defesa da parede de barro do açude, indo se postar no logo percurso da barragem que retinha as águas, munida de um rosário, e rezava andando de extremo a outro em preces fervorosas.

Contava o meu avô que os relâmpagos ali indicavam na escuridão a presença aflita do vulto sobre a barragem. O leito do açude já iniciava levar o obstáculo de barro que retinha o volume d’água, enquanto a tempestade monumental prosseguia célere.

Os gestos da velha senhora refletiam o tanto do seu desespero, que, de longe, lá do beco entre a casa grande e o engenho, testemunhavam familiares e moradores, absortos e cientes das impossibilidades para conter a fúria natural dos elementos.

O dia nem clareara e Fideralina, em lágrimas, abandonaria o cimo da parede à convulsão das águas a rolar devastando os obstáculos que achasse pela frente, levando num único gesto o apurado de todo inverno, fortuna do ano inteiro da sobrevivência dos matutos.

Esgotada, trêmula, cabisbaixa, molhada no corpo e na alma, quem demonstrara tanta valentia perante desafios guerreiros e tempestades emocionais, agora revelava a fragilidade feminina e os limites da vontade humana.

Ao claro tímido da manhã chuvosa, enquanto as pessoas observavam o estrago deixado pela força indômita das águas no ventre devastado das plantas do brejo logo abaixo, caminho aonde fugira o açude, a principal personagem do drama noturno sob os lençóis dormia sono solto.