sexta-feira, 27 de abril de 2012

Quando dói o coração


Destes sintomas que apertam o peito à altura dos ombros e descem comprimindo as costelas no rumo do estômago... Essas mumunhas esquisitas que transtornam a alma escamoteada de solidão e desejos gratuitos da rotina, turbilhão pedindo força para viver... Quando apenas apreciar as belas mensagens de livros e discos, revistas e computadores, conta pouco na casa dos elementos de manter acesa a chama da imensidão... Daí o coração reclama que é uma beleza, e dói de arrepiar a gente, cachorro magro de sofrer.

Disseram que coração não dói, que quando dói chegar a eliminar o indivíduo, rasgando lacunas no seio da sociedade, no rol dos seres humanos, essas coisas das notas indesejáveis, etc. Mas não é, não. Coração dói de verdade nas horas da ingratidão, dos atropelos de última hora, nas contradições dos sentimentos, nas incompreensões, traições, decepções. Dói de tirar o juízo se possível até dos santos. Quando acontece, o caboclo sujeita desatinar, virar bicho, correr malassombrados na mata da Lua Nova. Pedir perdão a Deus e ao mundo, jurar de pés juntos. Gemer sem saber de quê. Perambular pelas estradas molambudos, arrastando restos de mesa, tufos desgrenhados na cabeça, mãos sangrando e suor fedendo num corpo abandonado.

Pois coração dói também diante dos desassossegos extremos, prejuízos financeiros, ressentimentos e surpresas das jornadas. Barracão incontido de mágoas, coração corre perigo e esquece o dever de amar a si próprio, plantar o de comer que é bom e, por vezes, atira o freguês nos muros da solidão multiplicada de bares e presídios.

Jamais, no entanto, esquecer de pedir ao Pai guarnição e amparo nessas ocasiões difíceis... Sacrificar os caprichos no altar da vaidade e acreditar no melhor. Sobreviver aos desafios significa, dessa maneira, dever de todo cristão. Salvar a vida que somos nós, seres ímpares, especiais, estudantes da grande escola da existência. Controlar os impulsos, amaciar o peito no carinho das religiões, nas seivas dos matagais, no canto dos pássaros, nos voos saltitantes das borboletas, das flores, da luz; na consciência da força e da coragem de sonhar para produzir dias melhores; e tudo.

Nas dores ocasionais do coração, brisa mais suave de conformação, de aconchego do Amor em nossas práticas de amizade, alimenta a Fé e a Esperança; tranquiliza este pedaço de infinito que cabe nos sorrisos e nas mínimas oportunidades. Assim, ainda que doa o coração lá certa vez, essa Paz será maior e a Vida se reconstruirá para sempre nos planos do interior, no bloco eterno do Coração, a catedral do Sentimento.     

A divina conformação (tradição oral)


Na Palestina, depois que Jesus fora executado e as coisas pareciam retornar à antiga normalidade, um dos seus apóstolos, o de nome João, não se aquietava, a procurar canto, qual dizem dos que lutam e nada conseguem para aceitar as situações difíceis.
Durante semanas, sua vida era só amargura, sofrimento por cima de sofrimento. A ferida aberta com a perda do Mestre parecia crescer cada dia um pouco mais. Aonde seguisse, levava consigo a saudade imensa da presença divina, fugindo-lhe do ânimo o gosto de pelejar, e ninguém conseguia consolá-lo. Tornara-se, por isso, a maior preocupação dos amigos e familiares.
Alguém lembrou, então, de Maria de Nazaré, a quem devesse procurar, na busca de palavras de conforto, pois se revelara exemplo perfeito de resignação face à inominável tragédia que também lhe vitimara.
Destarte, João viajou ao lugar em que morava a mãe de Jesus.
Numa demorada conversação dos dois, a santa mulher indicou a João que chegasse ao Mar da Galiléia, porquanto, nas suas margens, acharia motivo suficiente de recobrar forças e firmeza de tocar adiante a vida.
João aceitou o conselho e buscou as praias daquele mar, em que permaneceu algum tempo. Relembrava os passeios felizes de vezes anteriores, absorto nos transes da dor. Certa tarde, preso à beleza das águas azuis, se deixava inundar de gratas recordações, quando avistou, deslizando em sua direção, no fino espelho das ondas, o vulto magnânimo de Jesus. 
Um perfume de incenso raro, nessa hora emanava pelo ar, idêntico ao que experimentara junto da cova em que depositaram o corpo santo o corpo do Mestre, nas proximidades de Jerusalém. Perante o inesperado fragor, quis esmorecer sob o peso das emoções ali vividas. Fechou os olhos na mais fervorosa contrição, e ouviu nos refolhos da alma lacerada, translúcido, o falar do Verbo de Deus:
- Estimado João, jamais queira imaginar que habito longínquas paragens afastadas de quem amo. Saiba, no entanto e sempre, que quando alguém chamar com sinceridade ao seu lado me acharei, na eternidade dos verdadeiros sentimentos, contra qualquer obstáculo; pois não há distância entre os que se amam.
Dali em diante, tocado pelos eflúvios da revelação inesquecível, o apóstolo se rendeu ao abençoado reencontro e entregou-se ao poder da conformação, para realizar o trabalho evangélico que viera cumprir na Terra.

Nota: História ouvida de Raimundo Pereira da Paixão.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Gostar é isso


Quanta opinião há nisso de avaliar jeitos de amar entre as pessoas, e o instinto de se continuar falando sem autorização no assunto ganha espaço insistente. Escreveu e não leu, entra alguém querendo conhecer e acrescentar. Alfim, resta um tanto a dizer tudo no afã de concluir, indicar as variações possíveis e imagináveis do ato de admirar o objeto amado ao ponto de entregar existência a pessoa única, com ela viver todo tempo e morrer ali de junto, feito animal sincero na hora extrema.

Bom, mesmo do modo qual querer e topar a dificuldade, ainda assim falar dos meios e das tecnologias do amor importa a qualquer leigo que ninguém senta de professor diante do tema. Do resultado principal, com certeza morar sob teto comum exige renúncia permanente. A gente deseja felicidade e organiza as peças das relações, convida testemunhas, comemora, viaja e volta, esperando sucesso, esquecido de somar os panos sempre no respeito, na paciência, nos sonhos reais do antigo caldeirão da fidelidade.

Belo dia, soprar no ar o vento das paixões do lado de fora do portão e... poucos calcularam os desgastes das decepções a que se sujeitam quando embarcam na canoa do casamento, império de contradições imensas nos dias atuais, carreira de sufoco e perdidos preços módicos dos mercados lucrativos do lucro fácil. Sofrimento que ninguém alimentaria, o realismo dos acontecimentos oferecem a torto e a direito, pois adiantava quase nada querer encobrir as armadilhas desse mundo com as fitas da vaidade.

Depois, haja terapia emocional até consertar os motores da normalidade, sujeitos aos combustíveis dassensações postas a prova nos desgostos amorosos deste chão da ilusão. Contudo existe liberdade nas vidas e nos artistas da cena matrimonial, nos casais em formação e nos namoros e ficamentos. Quem quer que seja, por melhor apaixonado pela pessoa amada, conta pouco em querer amarrar seus sentimentos aos sentimentos do parceiro. Amar liberta. Impor sentimento cheira a obrigação fora de hora. Perante o desamor, que descobra a saída honrosa da imaginação para escapar dos frutos do desprezo e do abandono. Ser firme nas horas amargas das crises cabe o exercício de amar e descobrir a plena realização dos sonhos do amor. Alimentar o pleno amor abrirá, destarte, o leque universal de praticar felicidade, porém riscos existem nos desafios da existência, viagem dos destinos imprevisíveis.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Carybé

Hector Julio Páride Bernabó, conhecido por Carybé, foi um artista plástico argentino que viveu na Bahia, marcando presença com trabalhos de desenhista, ilustrador de livros, pintor, escultor, gravador, nome expressivo da arte baiana do seéulo XX, ligado à elite que assinalou fase marcante e trouxe fama internacional ao rico panorama cultural da Boa Terra.
Conheci Carybé nos inícios dos anos 70, ao desenvolver um programa do Banco do Brasil para divulgação do Cheque Ouro junto aos artistas e intelectuais. Abri sua conta no banco e cuidei do acompanhamento desse novo cliente. Sempre que precisava de resolver algum assunto na agência, ele subia ao terceiro andar, indo me encontrar na Secretaria da Gerência.
Tipo alto, magro, de tez clara, olhos acesos, roupas folgadas de características irreverentes, por vezes manchadas de tinta ou cimento, isto quando produzia o célebre painel que existe na confluência da Avenida Sete com a Rua Chile, em frente à Praca Castro Alves. Usava sandálias japonesas ou andava de pés descalços, alegre, simpático; merecia dos baianos afetivo carinho e continuado respeito; amigo de Jorge Amado, de quem ilustrou o livro Gabriela, Cravo e Canela; de Floriano Teixeira, Mário Cravo Júnior , Dorival Caymmi, doseleto clã no qual fulgurava nos encontros da boemia consagrada de seu tempo.
Já no Cariri, época do Navegarte, em Crato, década de 90, eu visitei exposição do artista, promovida pelo País através da Fundação Banco do Brasil, com desenhos retratanto os costumes e pessoas representativos do povo da Bahia, com destaque para as dancas, a música, a religiosidade, a capoeira, a pesca e as mulatas, fixação constante da obra de Carybé, nas imagens pitorescas com que perenizou a vida comunitária rica em cores e movimentos, tema bem próprio ao talento dos gênios de seu porte.
Assim, paro e revejo de memória a produção eclética de Hector Barnabó, Carybé, argentino de nascimento e baiano de coração, um marco indelével das belas artes no Brasil da segunda metade do século que passou.

domingo, 22 de abril de 2012

O julgamento de Pinto Madeira

Nos idos da terceira década do século XIX, restavam enormes contradições na política interiorana do Nordeste brasileiro e o Cariri apresentava o saldo proveniente das suas participações na Revolução de 1817, na Confederação do Equador, de 1824, além de haver fornecidos tropas à pacificação do Piauí e do Maranhão, nas lutas da Independência. O destino das principais lideranças desses movimentos bem demonstra os frutos de tudo isso: Tristão Araripe, então presidente do Estado, morreria em combate a 31 de outubro de 1824, no lugar Santa Rosa, agora sob as águas do Açude Castanhão, território do atual município de Jaguaribara, no Vale do Jaguaribe. José Martiniano de Alencar, irmão de Tristão, chegaria à presidência do Ceará por via da acomodação das forças posteriores a 1824. José Pereira Filgueiras morreria a caminho do Rio de Janeiro, onde seria julgado pela participação na Revolução de 1817. Enquanto Joaquim Pinto Madeira manter-se-ia acantonado em Jardim, em sítio seu do outro lado da Serra do Araripe, impondo as condições caririenses sob uma guerra fratricida com o Crato. 
Monarquista ferrenho, Madeira seguira preso a Recife, na devassa da Revolução de 1824, contudo fora impronunciado. Em junho de 1829, fundaria no Sítio Coité uma espécie de sociedade secreta, denominada Coluna do Trono, visando à preservação do Império do Brasil. Com a abdicação de dom Pedro I, em 1831, faz eclodir movimento adrede preparado, numa espécie de revolução restauradora do imperador ao trono. Em Fortaleza, por sua vez, Martiniano participava das pressões que culminariam na Abdicação, aliando-se ao padre Diogo Feijó, a Evaristo da Veiga e outros. Diante da tradição imperialista que sempre manteve, somada às escaramuças de que fora responsável em épocas recentes, as quais resultaram, inclusive, na morte de Leonel Pereira de Alencar, tio de Martiniano, Pinto Madeira viu-se encalacrado pelos acontecimentos nacionais do jogo de poder. Em conseqüência, defrontaria as tropas do General Labatut, remetidas ao Cariri para reprimir essa revolução pintista de 1832. 
O exército de Madeira sofreu, então, baixa cruel e definitiva pelas mãos de Labatut, perdendo dezenas de cabras, deixando prisioneiro o comandante, logo recambiado a Recife e depois a Fortaleza, ele e o outro líder do movimento, cônego Antônio Manuel de Sousa, trazidos a 29 de outubro de 1834. Em 06 de outubro daquele mesmo ano, o senador José Martiniano de Alencar chegara à presidência do Ceará. Ainda preocupadas com a indiscutível liderança de Pinto Madeira, as autoridades cearenses determinaram o seu trânsito de volta ao Crato para submissão a julgamento, mediante as acusações de irreligião, mau caráter, persistência no crime, oposição violenta aos liberais e fidelidade ao ex-monarca Pedro I, agindo contra o regime constitucional. Pinto Madeira se defendeu, até onde permitiam os limites da ilegalidade, de todas as imputações, juntado a essas o assassinato do português Joaquim Pinto Cidade nas escaramuças de 1832, porém o júri se conduziria de modo parcial, posto em ódio flagrante contra o réu. 

A conclusão do processo determinou sua condenação à pena máxima da época, no Brasil, isto é, à morte por enforcamento. 
Segundo o historiógrafo cratense Irineu Pinheiro, a citada condenação se deu em tribunal sob a presidência do juiz de direito interino, José Vitoriano Maciel. Juiz e jurados eram inimigos declarados do réu, in Efemérides do Cariri. Além disso, outros registros afirmam que houve constrangimento das testemunhas do caso, e repontam cerceamento da defesa mediante a negativa do direito de recurso previsto na Constituição e na legislação criminal do tempo. 

Consta, ainda, que o presidente Martiniano de Alencar despachara mensageiro visando sustar o julgamento, munido este de carta só recebida pelo juiz presidente do tribunal judicante no dia posterior ao cumprimento da sentença estabelecida no Código de Processo Criminal, em 26 de novembro de 1834. Dois dias após o júri, com o instrumento da execução já preparado em atenção a um apelo do condenado, que invocou a condição de militar, reverteu-se a pena para fuzilamento, o qual se daria em 28 de novembro, no local onde existe a pracinha da Cruz do Século, ao lado da Igreja de São Francisco, no antigo Barro Vermelho, agora nominado Pinto Madeira, na cidade de Crato, Ceará.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Nonato Luiz

Nestes próximos dias 20 e 21 de abril, sexta-feira e sábado, no Auditório da Rádio Educadora, em Crato, e no Memorial Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, respectivamente, às 20h, dar-se-ão shows comemorativos aos 35 anos de carreira do artista cearense Nonato Luiz, consagrado no mundo inteiro, e que agora vem ao Cariri para reencontrar seu público em noitadas musicais do mais alto nível, como avaliaram noutros lugares os melhores críticos.

Um dos onze filhos de Pedro Luiz, agricultor, violeiro e repentista, Raimundo Nonato de Oliveira nasceu em 1953, no vilarejo de Aroeiras, município de Lavras da Mangabeira, sul do Ceará. Ainda na infância, ganharia um cavaquinho e descobriria a música através do rádio e das apresentações dos tocadores do sertão, músicos que marcariam sua vida, sanfoneiros que animavam as festas do lugar onde vivia. Aos 11 anos mudou-se com a fimília para Fortaleza. Dois anos depois, começaria estudos de violino junto ao Conservatório Alberto Nepomuceno, da Universidade Federal do Ceará, quando se desenvolveu na técnica, sendo, então, convidado pelo maestro Orlando Leite para a Orquestra Sinfônica Henrique Jorge, na qual permaneceria por dois anos. Observou, nesta fase, sua indentificação instrumental com o violão. Aprofundou conhecimentos musicais por meio dos autores clássicos, dentre eles, com destaque, Mozart e Beethoven, distinguindo sua intuição voltada também para as origens populares da nossa música, escutando Valdir Azevedo, Jacob do Bandolim, Pixinguinha, Luiz Gonzaga e outros intérpretes.

- Numa fase mais madura, interessei-me pelo trabalho de Baden Powell, no campo do violão popular, e Andrés Segóvia, na área erudita.

Também foi importante meu convívio com o violonista clássico Darcy Villaverde, amigo e parceiro carioca, com quem percorri grande parte do Brasil, em inesquecível turnê – afirma Nonato Luiz.

No ano de 1977, iniciou o Curso de Licenciatura em Música, também na Universidade Federal cearense, que interrompeu dois anos depois, ao se transferir para o Rio de Janeiro e iniciar carreira profissional como violonista. Das aulas, no entanto, obteve muitas informações sobre teoria musical, harmonia, arranjos e sobre outros instrumentos. Como autodidata, estudou intensamente a obra dos compositores brasileiros.

- Assim os adaptei para o violão e executei, como o faço até hoje, as maravilhosas composições desses mestres. Ao mesmo tempo, recebi deles a influência que dá alicerce às minhas composições – assegura o artista.

Nonato Luiz é ocupante da cadeira n.º 18 da Academia Lavrense de Letras, possui mais de 500 composições musicais e de 30 discos gravados e viaja noutros países a propagar o tesouro musical brasileiro, a demonstrar a qualidade do talento por todos respeitado.

terça-feira, 17 de abril de 2012

A lenda do Mapinguari

Dentre as muitas lendas amazônicas, existe uma que se destaca pela insistência em aparecer nos lugares mais distantes daquele universo de tantos povos e diversas culturas. Trata-se da lenda do Mapinguari, monstro descomunal cuja fama aterroriza índios e brancos que habitam a floresta. Envolto numa couraça inexpugnável, de resistência maior do que o casco da tartaruga, tem um único olho, bem no meio da testa, garras compridas, afiadas, e presas fatais, qual sendo animal pré-histórico que ainda persiste no formato de preguiça gigante, refugiada nos recônditos selvagens daquelas paragens remotas, a se alimentar de carne e sangue. Até hoje, nenhum pesquisador conseguiu localizar as provas definitivas da existência desse espécime raro. Todavia o imaginário popular não cessa de acrescer novos elementos ao já vasto material existente quanto às suas evidências, alimentando, dessa forma, a possibilidade daquilo que será, quem sabe, um dia?, a realidade demonstrada desse mito distante.

Segundo contam os nativos, o Mapinguari se origina sempre de uma mutação que acontece aos pajés mais velhos das tribos indígenas, quando esses, em vez de morrer, como sói esperar a todos os viventes da Terra, lá certa noite de lua nova, enquanto dormem se transformam nesse monstro perigoso, permanecendo desacordados até o romper da lua cheia, momento de maior risco para toda a tribo, pois daí passam a devorar os seres vivos que acharem pela frente.

Prevenidos disso, os guerreiros se alertam e, quando antecipam o instante desse fenômeno, munem-se de toras de madeira apropriadas, fazem uma jaula fornida e, no escuro da lua nova, amarram com vigor e cuidado o pajé sujeito a se transformar, garantindo tempo para que todos fujam, de pronto abandonando a aldeia e deslocando todo seu povo para outra localização em área afastada, cuidando de não deixar qualquer pista.

Passadas as fases da Lua até chegar à lua cheia, havida a mudança prevista, o bicho desperta faminto, rompe as cadeias que o prendem, pisa forte com pés de tronco gigante e estronda na mata seu uivo tenebroso, partindo a devorar as caças que achar pela frente, deixando na mata rastro de destruição jamais imaginado.

Eis a lenda do Mapinguari, famosa na Amazônia brasileira, estudada pelos antropólogos e folcloristas, em muitos momentos, ouvida de Florêncio Siqueira de Carvalho, cearense de Juazeiro do Norte, sobrinho de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, vivendo naquela região há muitos anos, tendo trabalhado na extração da borracha e morado nos seringais.

domingo, 15 de abril de 2012

A Carroça de Mamulengos

Um clã organizado que viaja o Brasil produzindo arte popular através de espetáculos circenses, eis o retrato resumido dessa trupe de artistas formada de irmãos da mesma família para festas de intensa alegria, músicas e cores, mostradas em praça pública, revivendo no palco das ruas e praças do Cariri as boas noites do que oferece silenciosa felicidade, aos olhos brilhantes de crianças atenciosas ao novo que recebem.
O prenúncio desse grupo de artistas remonta 1975, em Brasília, quando seu idealizador, Carlos Gomide, trabalhava de junto do diretor de teatro Humberto Pedrancini, em outro grupo chamado Carroça. Ano seguinte e conheceria o espetáculo Festança no reino da mata verde, do Mamulengo Só Riso, assim reforçando o gosto pelo teatro de bonecos.
Em 1978, Carlos conheceu Antônio Alves Pequeno (Antônio do Babau), mestre brincante paraibano da cidade de Mari, buscando-o em 1979 para desenvolver o aprendizado nos espetáculos dos bonecos. Um ano e meio de convivência seria o suficiente para o discípulo estruturar o conjunto de bonecos da mesma brincadeira e receber permissão do mestre para levar adiante a tradição milenar em viagens pelo País, isto que vem informado no site do grupo na Internet.
Em 1982, ainda no Distrito Federal, se incorporou ao elenco das peças a teatróloga Schirley França, futura esposa de Carlos Gomide, de cuja relação nasceriam os oitos filhos do casal que compõem a base atual da caravana artística que nos visita: Maria, Antonio, Francisco, João, Pedro, Mateus, Luzia e Isabel.
Na melhor qualidade desses espetáculos, em turnê patrocinada dentre outros pela Petrobras, a Carroça de Mamulengos alimenta o encanto da arte espontânea dos terreiros, feiras e festivais, essência natural das manifestações coletivas de cunho popular, o que traduze em termos presentes os primórdios da Grécia mais antiga, naquilo que chamaram ditirambo, fonte arcaica do teatro moderno e do cinema industrial.
Desta maneira, revivem sonhos e vivências comunitárias em ações plenas de música, dança, jogos, diversões, folguedos, confraternização, força pulsante dos universos da beleza inesperada, isso diante da tecnologia artificiosa destes dias massificados da artificialidade vendida aos borbotões nos vídeos distanciados da gente.
Nossos votos de boas vindas e sucesso à Cia. Carroça de Mamulengos nas cidades do Cariri que desfrutam a luminosidade dos instantes mágicos que traz ao povo.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A política e os interesses

Sim, a política e os interesses dos que a adotam para uma prática de vida, tema sempre urgentes nos diversos momentos da história, conquanto as sociedades aguardem passivas as disposições honestas dos líderes. Enquanto que eles sujeita agirem só de braços dados com o desejo pessoal, no ânimo de servir junto ao andamento das esperanças dos povos, paladinos de belos ideários, oradores eméritos que enchem de sonhos as visões talvez saturadas de promessas, mas que nunca alimentam novas verdades à medida dos sofridos acontecimentos.

Políticos profissionais existem desde que a memória guardou o tempo na caneca do respeito dos aprendizados. Avistam lá longe os exemplos de comandantes extremados no auge da vontade geral, monarcas, senadores, chefes de tribos, presidentes, marechais, sultões e potentados investidos nas inúmeras funções de poder. Uns, dispostos a viver a contradição dos interesses individuais em confronto ao desejo da multidão necessitada, heróis da verdade em forma de apóstolos das conquistas imorredouras. Outros, meros oligarcas inveterados, chefetes atrasados de pequenos grupos e autores dos piores delitos de corporações egoístas, a justificar bem pouco o cuidado legislativo imenso das eleições depois perdidas no decorrer dos mandatos.

Ganhas na dor e perdidas no desânimo.

Passados milênios, ninguém mais admira traumas acometidos aos humanos pelos equívocos das escolhas frustradas. Ricas embalagens carregavam nos embrulhos absurdos das safras ruins de políticos ditadores. Desenvolvidas as técnicas do convencimento através da propaganda de massa, nestes turnos de indústrias culturais da comunicação dagora, então a venda mercadológica dos nomes agravou tanto e tanto a vantagem das falsas ofertas que nem sob os auspícios dos ledores da sorte há certeza certa na seleção dos candidatos.

Programas de governo sobram na rede mundial de computadores, no ponto de transcrição a quem quiser copiar, longe dos esforços maiores. Dentro de algumas horas, colando as partes dos textos, partidos descrevem o planos de governo e realizações futuras fora de qualquer compromisso.

Nisso restam ideias abstratas e vacila a mente dos eleitores. Como intuir a grandeza moral dos aspirantes ao lugar da autoridade a serem selecionados nas urnas? A seriedade deste assunto exige, pois, consciência do dever, talento necessário sobretudo quando as carências coletivas clamam visão justa dos próximos administradores, às vezes sem o preparo devido e aventureiros das aspirações particulares dos grupos que os apresentam.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Otimismo necessário

Há tantas fases da vida pessoal e da vida coletiva se torna imprescindível admitir que as telas negras em volta, ampliadas pela ótica dos meios massivos de comunicação, causariam muito mais estragos não fosse a capacidade humana de tirar por menos e oferecer instrumentos de revisão dos panoramas impostos pela indústria da miséria humana. Essa atitude mínima pode encontrar seu lugar entre as providências necessárias diante dos desafios trazidos à tona pela carga de aprendizado que todos aqui nos achamos, nesta escola de mundo, para guardar e em seguida por em prática.

Perante todas as épocas da história aparecem os fatores escuros e os claros, ao jeito de cada gosto de olhar e operar dos elementos em pauta.

Ninguém que seja deve permitir, em seu âmbito de consciência, que nuvens negras toldem a visibilidade, com relação ao andamento dos acontecimentos, sob pena de empanar a visão posterior dos próprios passos, daí a urgência de comando na seleção daquilo que se deseja sadio, no decorrer das decisões.

A seletividade, portanto, impõe-se nos dias atuais qual forma vital de providência no sistema das escolhas, ainda que outros despejem no mercado pontos de vista às vezes só sensacionalistas, dirigidos aos interesses particulares do lucro cego.

O ser humano é quem dá sentido aos objetos e às ações da natureza, poder crescente, desde que usado com vasta sabedoria. Que riscos possam impor condições e cuidados, disso não cabe apelação, porém o lugar de pisar cabe a cada caminhante.

As paixões da sociedade injetam maneiras novas de orientação, disso restando nenhuma dúvida, porquanto as disposições inteligentes abrem amplos espaços na floresta de obstáculos da existência, facilitando sobremodo a perspectiva do viver prudente, em face de todas as épocas. Quem calcula o peso das coisas será capaz de responder em tempo aos valores daí decorrentes. Diz o povo que quem tem olho fundo chora cedo.

A característica marcada dos tempos dagora, pois, nada mais indica do que fase quando a tecnologia oferece recursos inavaliáveis, aumentando o conforto, a chance de produção ampla de riquezas, permitindo dilação do prazo de sobrevivência, numa democracia inigualável, durante longos milênios de lutas e pesquisas.

Por isso, nunca antes houve as possibilidades modernas de conhecer de tantos assuntos e poder desempenhar papéis justos no palco da real felicidade, no melhor dos cenários, com recursos da construção interior das criaturas, quais exímios pintores munidos de tela limpa e belas paisagens à frente.

Grandes mestres, de várias horas, refletiram a digna resposta quanto ao sabor do inútil das coisas dispensáveis, facilitando os métodos da coerência na contenção das sensações dolorosas do ser. A angústia que caracterizou períodos filosóficos e religiosos quer-se agora ausente de menor sentido, para caber aos viventes ampliarem o senso da felicidade, otimizando ao máximo o direito à paz de coração em superposição aos impulsos instintivos dos traumas mal resolvidos.

Saber-se fértil no ato de produzir imagens claras de saúde e virtude reveste-se de doutrina renovadora dos valores, no rio permanente do tempo, num flagrante salto de qualidade sempre aguardado, naqueles que aprenderam a lição das escolas.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Jesus na sinagoga

A existência de Jesus nas terras palestinas demonstra, através de passos objetivos, a finalidade a que viera sob planejamento superior bem definido, pautando-se nos livros preservados pela tradição de Israel.

Em um episódio acontecido na cidade de Nazaré da Galiléia, isso após ser batizado por João Batista nas água do rio Jordão e vencido as tentações dos quarenta dias no deserto, certa feita Jesus revelou aos judeus, no templo, a sua missão salvadora.


Era dia de sábado. Retornava à cidade em que fora criado. Dirigiu-se à sinagoga, aonde pessoas compareciam para adorar a Deus e ouvir as escrituras. Segundo o costume, alguém se levantariam para ler. A si fazê-lo, e passaram-lhe às mãos o livro do profeta Isaías.

O trecho que coube dizer continha a seguinte afirmação: O Espírito do Senhor está sobre mim,/porque me ungiu,/para anunciar a Boa Nova aos pobres./Enviou-me a proclamar a libertação aos cativos,/e, aos cegos, o recobrar a vista;/a mandar em liberdade os oprimidos,/a proclamar um ano de graça do Senhor (Isaías, 61, 1-2). Enrolou de volta o pergaminho sagrado, devolveu-o e sentou no seu lugar.

Conta Lucas que os presentes à assistência fixaram nele os olhares, ouvindo-o acrescentar que naquela hora se cumprira o que acabavam de ouvir.

Tomados de admiração, testificaram emoções benfazejas ante as palavras que ouviam de sua boca. Lembraram, então, das suas origens de filho de José, anterior vivente da localidade.

Enquanto Jesus, por sua vez, buscava reconhecer as naturais dificuldades em admitirem nele um profeta na sua terra, avaliava que alimentavam indagações do porquê de não praticar iguais e espantosos fenômenos havidos na cidade de Cafarnaum, sabidos deles todos, de autoria de Jesus.

Nas suas palavras, Jesus considerou a destinação de cada coisa na ordem circunstancial das ocorrências divinas, citando dois momentos, na vida do profeta Elias, conduzido à casa de uma viúva, em Serepta de Sidônia, invés de noutra direção, e na do profeta Eliseu, a curar o leproso Naamã, e não quem quer que fosse, justificando o merecimento de cada um para receber o quinhão correspondente das maravilhas verificadas noutros lugares.

As afirmativas coerentes causaram constrangimento na multidão. Tomados de furor, arremeteram-se contra ele, levando-o de roldão para fora da cidade, ao cimo do monte sobre o qual se achava ela edificada, dispostos a lançá-lo de encontro ao precipício.

Mas, passando por meio deles, Jesus seguiu o seu caminho, conclui o evangelista.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Um privilégio de poucos

Falo a propósito do livro, esse instrumento valioso que se mantém na via principal das revoluções da História, logo depois da revolução agrícola. Livro, o responsável pela propagação das ideias no decorrer dos séculos, reservatório de transformações e passaporte da mais plena das liberdades, o livre pensar.

Percentuais dos leitores de livro apresentaram redução no Brasil nos dois últimos anos. Devido aos outros chamamentos, televisão, computador, celular, a margem de quem adota o livro a título de lazer e fruição sofreu queda expressiva, no entanto longe de causar maiores preocupações diante da importância acadêmica desse meio de comunicação, fator essencial entre mestres e alunos.

A satisfação de um bom livro jamais encontrará concorrente naqueles que desfrutam do prazer da leitura em qualquer idioma deste universo. O pensamento dos autores percorre, assim, milênios e multidões, renova tecnologias, alimenta possibilidades inestimáveis no trabalho dos povos, na civilização, abrindo espaço aos valores e bons costumes.

Uma casa sem livros é uma casa sem alma, contam os sábios. O livro caindo n’alma é germe que faz a pala, é chuva que faz o mar, afirmou Castro Alves.

Quiséssemos falar nas maravilhas de um bom livro e passaríamos vários dias longe de chegar ao destino, porquanto a força viva do engenho vital encontra nas páginas dos compêndios a galáxia das grandes descobertas, invenções, todo tempo. Viagem do infinitamente pequeno aos gigantescos momentos da imaginação e dos sonhos. Conhecer as entranhas do conhecimento através das letras e dos conceitos mergulha no milagroso das selvas fantásticas do saber, o que revela o suave deslizar pelas folhas à frente dos olhos.

Tais passageiros de naves milagrosas, continuam a busca da sabedoria nascida já na escola por meio dos livros, e presenciam acontecimentos revitalizadores à medida que seguem o curso, atentos na jornada iluminadora do aprendizado, libertos junto às jóias impressas.

Houve época quando afirmavam, quais realizações pessoais, gerar um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Porém agora, nesta fase dos eletroeletrônicos e do desmatamento incontrolado, talvez os dizeres peçam alguma alteração também quanto a escrever o livro. E queiram considerar naquelas previsões, e ler um livro. E pois um que seja, lido com gosto e desejo sincero, poderá até mudar vidas inteiras na direção da propalada libertação humana.