quinta-feira, 30 de junho de 2011

Tudo muda

As tais voltas que dá a vida dizem isso. O eterno movimento, que carece sabedoria para acompanhar. Ninguém vanglorie dias e coisas, turbilhão de passageiros em volta do velho trem, cinema cativo em permanentes atitudes positivas. Característica por demais das existências, a mudança reclama respeito no fim de aceitar os tamanhos que se possui. Contudo, adotar compreender o tanto que cabe, de um por um, sem invadir o território alheio e querer tomar à força o que lhe pertence.

O giro da Terra no espaço em torno de seu próprio eixo demonstra o ensino desta efetiva mudança. Olhar o céu e notar nuvens, deslocamentos do ar, os astros a correr, as posições do Sol. Saber seguir no ritmo que a natureza impõe. O humor variável das pessoas. O calor das temperaturas. Lições permanentes de flutuação, que chamam à responsabilidade os protagonistas do drama da continuidade.

Quais habitantes de enorme formigueiro, exército fervilhante de criaturas cria asas e voa, perante os cenários desta representação coletiva, às vezes, com boa vontade, conhecendo os mistérios que envolvem de perguntas assustadoras. Outras, arrancando raízes da tranquilidade e chamando a si o direito de reger a orquestra do silêncio ainda que ignorando o sabor das notas musicais.

Entretanto adotar, com humildade, o funcionamento independente das peças no tabuleiro, que reclamam qualquer norma, dos princípios e das origens. Caso contrário, o formigueiro entraria em compassos de espera ou destruição, num resultado melancólico.

Conhecer o espaço que nos cabe de herança no bolo em elaboração, e ajustar os valores que precisamos adquirir na viagem dos giros que a vida oferecer.

Por maior seja nome, posição, fama, a dimensão do freguês só comporta os conceitos de Igualdade, Liberdade, Fraternidade. Todos iguais perante a Lei comum. Seres dotados de Liberdade para criar as proporções pessoais e sociais. Irmãos entre irmãos sob teto azul do Infinito.

Deveras, como tudo muda neste chão, e ninguém se vanglorie quando há um Eu que fala disso todo tempo nas ações da Natureza perene; dentro do coração das pessoas; na luz de toda consciência. Há um núcleo de perfeição em tudo isto. Um foco dominante de claridade que indica certeza e persistência. O otimismo qual razão de trabalhar os momentos com extrema habilidade, semelhante aos artistas que produzem suas telas nascidas da inspiração pura. A arte de viver, que exige, por isso, dedicação, paz e aceitação das transformações que a vida impõe, para contar histórias felizes aos nossos filhos e aos filhos deles, os novos atores vindos alegres ao mesmo palco.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Vencer a si próprio

Eita luta feroz essa que se trava dentro de nós, da gente com a gente mesmo. Pugna de maiores proporções jamais haverá. Um conflito de dois cachorros grandes, semelhante à comparação das lendas indígenas dos povos norte-americanos. A luta do Mal contra o Bem. Vencerá aquele animal que for mais bem alimentado, e quem os alimenta somos nós.

Assim acontece, pois, em face de passar por dentro das individualidades a lei que tudo atravessa neste mundo, a dualidade nas existências da matéria. No fim de resultar em equilíbrio, os dois pratos da balança mostram seu peso e flutuam, durante o tempo das relações humanas espalhadas nos palcos deste chão.

Certa hora vem pelos pés; outra, pela cabeça, no correr dos dias infinitos. Algo similar aos dias e às noites, noites e dias, andar das histórias que sucedem.
Essa peleja constante de administrar as individualidades significa amaciar os caminhos do dia seguinte. Vêm as provocações, a mensagem invade o ego e o comando responderá. Caso exista controle, algum conhecimento das consequências, o resultado produzido demonstrará o grau das pessoas. Os sentenciados de reações violentas ou as vítimas de depressão, comuns nestes ares nebulosos, sabem disso. Elas conhecem de perto o quanto as fronteiras da consciência precisavam de vigilância. Diante das limitações, impulsos descontrolados ocasionaram estragos de não ter tamanho.

Isso porque a quadra estreita do presente de velocidade acelerada na sobrevivência, rotinas estressantes, fere constante a paz social, regida pelo signo do desgaste na válvula da paciência.

O autodomínio, com tamanhos desafios, ganha mais que antes dimensões transamazônicas. Apagar o fogo dos instintos animais que ainda transportamos exigir o ensino de Jesus a todo segundo de Orai e vigia para não cair em tentação.

Os direitos individuais falam a linguagem desses tempos. Respeitar o direito dos demais para merecer o respeito que lhe cabe. As avenidas já estreitas viraram campo de prova. Sinais estabelecem pausas, na corrida do ouro. Lugares desapareceram debaixo dos pés dessa gente conduzida nas mãos dos especialistas da contenção e do inesperado. Pressa. Aflição. Fumaça. Poluição e desassossego. Tantas viagens distantes, na psicologia das almas, em um único lugar das cidades que diminuíram de tamanho no ritmo dos passos perdidos.

Vencer a si próprio requer, qual jamais, coragem extrema. Enquanto, nas mesas de negociação final, achar-se-ão reunidos aqueles a quem fizemos sofrer pela incompreensão e ausência do perdão, eles, os semelhantes que vieram junto a nós ensinar o quanto necessitávamos, na aquisição da humildade verdadeira.

Eis só algumas observações sobre a realidade presente nas condições desta jornada.

sábado, 25 de junho de 2011

Na busca da palavra certa

Por melhor que seja o sonho, quando a gente acorda se sujeita correr logo a pegar a bagagem de ontem que largara em um canto no início do sono. Por mais limpo que esteja o sentimento adquirido com o repouso, a leveza no pensamento, se recorre aos velhos trastes deixados de ontem. Não sei explicar bem o motivo disso. Talvez acomodação. Insegurança de si. Ausência das alternativas práticas. Ou apego aos territórios do conhecido. Razões diversas, que todo mundo tem as suas.

Mas pode ser diferente. Se rever os conceitos e aprender outras razões que sirvam de base para construir de estradas reveladoras do que se sonhou com sofreguidão. Pode ser diferente, com certeza. E diante dessa oportunidade, conceitos internos carece de mostrar a nós próprios este direito de refazer a vida através das nossas buscas e nossos encontros.

O estudo das palavras significa esta visão de renovar o mundo em nós, pois a cara do mundo nada mais representa do que cara que a gente oferece todo dia. Dominar as camadas internas da criatura que nós somos, é nossa principal meta diária. O papel que a gente desenvolve tem tudo a ver com a forma de acreditar neste processo continuado.

Os artistas sempre falar disso. Os músicos, do som universal. Os pintores, da tela ideal. Os filósofos, dos mundos perfeitos. Os místicos, do reino da realização do ser, o Paraíso. Pais, de uma família unida e forte. O discurso de Luther King, dizendo que teve um sonho em que lobos pastavam ao lado de ovelha.

Para mudar os tempos já existe um ator, a raça, a dos seres humanos.

Nisso, todo momento vem qual ocasião pronta na edificação da paz, objetivo da multidão inteira. Por mais que haja o instinto do poder, a fome do ouro e a ânsia do prazer, de plena consciência o que todos desejam é viver longe das aflições da intranquilidade e da insegurança.

Saber o que facilita em tudo a tal busca guarda estreita ligação consigo mesmo e com o próximo. Saber pisar esse chão com o espírito desarmado, porque deixou de existir pretextos de defesa constante das armadilhas, porquanto os humanos resolvem tirar do sonho e trazer à realidade o valor da amizade.

Usar a inteligência em nome desta condição de harmonia social tornou-se a via principal das existências. Aquela mania feia de subir na cacunda dos outros para chegar no alto deixará de justificar tanta guerra, miséria humana, tantos abismos cavados diante da história.

Esta palavra mágica, a Paz, deverá sair de dentro dos discursos e ganhar as ruas e os campos, realizar maravilhas. Conhecer e usar este conhecimento produzirá os milagres que a vida oferece no barco do tempo e encherá as medidas da alegria, traduzindo em bênçãos as colinas infinitas da Esperança.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Ainda há juízes em Berlim

Quando ouvi as recentes notícias do decreto de prisão preventiva para os acusados em processo de irregularidades licitatórias na administração municipal de Senador Pompeu, por parte do Tribunal de Justiça do Ceará, logo lembrei de uma narrativa que cabe aqui contar.

Desenvolvida em forma de versos pelo escritor François Andrieux com o título de O moleiro de Sans-Souci, ela diz que, no ano de 1745, na Prússia, Frederico II desfrutava das benesses de um novo castelo que acabara de construir, quando, da sacada do edifício monumental, analisando a linda paisagem em volta, notou a existência, bem ali nas proximidades, de um moinho que destoava do contexto e enfeava a beleza tão escolhida para o seu desfrute. Nisso, o rei tratou de chamar seus emissários, que buscaram o proprietário da construção oferecendo adquirir o moinho e acabar de vez com o desgosto revelado nos caprichos do monarca. Não contavam, no entanto, com uma pronta recusa do moleiro.

O governante insistiu com veemência nas poderosas intenções, as quais não lograram quebrar a resistência do modesto vizinho.

Vai lá, vem cá, mesmo diante de veladas ameaças, a compra deixou de acontecer. Sob o peso das pressões, o dono do moinho manteria o propósito, recorrendo, em consequência, aos tribunais, sendo dele a expressão famosa de que Ainda há juízes em Berlim!

Apelou às instâncias superiores na Capital do país e ganharia a causa. Manteve o lugar do seu moinho. Falam até que, ainda hoje, podem se ver resquícios daquela modesta edificação exemplo de uma justiça isenta e forte, a detrimento dos desejos de quem ocupava o cargo máximo da Prússia naquela ocasião.

...

Em fases nebulosas das crises de moralidade pública, nada mais benfazejo, pois, do que um Judiciário fiel aos propósitos sobre os quais são firmados os poderes constitucionais de uma República de verdade. Por mais audaciosos e hábeis que sejam os meliantes, eles baixarão a crista perante os rigores da Lei bem aplicada nos momentos certos, servindo assim de balizamento às práticas sociais e políticas durante todo o tempo da História.

www.monteiroemerson.blogspot.com

terça-feira, 21 de junho de 2011

As luzes do Amor

A força maior do Universo veio mudar este mundo. O Amor nasce no coração das pessoas. Diante de toda incoerência das ações, predomina o sentimento superior de quem descobre a força de amar. Jesus aqui demonstrou o potencial que existe de possibilidades no íntimo coração. Quanto tudo parecia inadequado para a descoberta de um plano espiritual, a história se dividia ao meio em face da sua presença inesquecível.

Por mais que a Ciência dos homens mergulhasse nos segredos da Natureza, o senso do materialismo ainda predominava, limitando o poder das descobertas. Ainda que a Filosofia quisesse desvendar os tantos aspectos das investigações do pensamento, daria de cara com as fronteiras do desconhecido que não cabe no método científico. No entanto as emoções sinceras, vindas no seguimento do Amor, revelam os aspectos da alma que tais restrições da matéria deixaram de lado.

Assim tem sido há muito tempo. Grandes luminares, porém, quando admitem o caminho da essência, o campo invisível das percepções, abre espaço nas sábias teses para tais conotações da Verdade.

Nisto somado, reunido o conceito das visões do Espírito, resta exercitar o infinito potencial do Amor nas vidas individuais. Desarmar o instinto da destruição pela destruição, do apego pelo apego, e ampliar as chances de praticar os bons relacionamentos no seio da calma interna.

A consciência disto revela o quanto há de crescimento à disposição, no trato com os valores da liberdade sonhada. Bem próximos de todos, prêmios de realizações permanecem ao dispor esta virtude, cabendo tão só estender as mãos e traze-la a si mesmo. São os bons frutos das atitudes para consigo e com os outros. Esperança. Alegria. Paz e convicção, matriz da paz coletiva. Otimismo. Trabalho. Honestidade. Justiça. Em cada passo uma nova luz.

O sofrimento demonstra o quanto distante alguns ainda habitam longe da aceitação da Felicidade. Ninguém ficará à margem deste recurso, alimento da sobrevivência na Terra. Inconscientemente, no entanto, a Humanidade utiliza agressões do desequilíbrio, por vezes eliminando o direito pleno de outros usufruírem das benesses originais do Tempo. Não poucos, a qualquer custo, largam nas estradas rastros dolorosos de pouca, ou nenhuma, habilidade na existência. Esquecem os que virão e agem quais bichos atoleimados.

Níveis absurdos de prejuízos representam o que precisa mudar na percepção das criaturas humanas, os ingênuos aprendizes deste chão de nossa herança coletiva.
Por isso, ajustes pessoais do sentimento de amar significam a suprema realização de um destino melhor aos acontecimentos, nas responsabilidades do futuro.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Um amigo fiel

Só sabe a satisfação proporcionada pela leitura de um bom livro quem teve a oportunidade de experimentá-la, o que, infelizmente, não chega a todas as pessoas. Muitos, apesar de alfabetizados, desconhecem o valor de um livro bom, pois concluem ser apenas para o gasto rotineiro esse conhecimento das letras.

O livro abre portas para o Infinito, oferecendo em mãos possibilidades jamais imaginadas em termos de aperfeiçoamento de ideias e descobertas dos mistérios da Natureza.

Pela mágica de se recompor o pensamento de quem escreve, o leitor decodifica das palavras impressas instantes que ficariam desaparecidos para sempre. O portal das páginas de um livro franqueia chances inigualáveis de ver o mundo através da ótica de seres humanos que aprimoraram o saber em áreas às quais mergulharam vidas inteiras, partilhando a experiência com os seus semelhantes.

A visão do apreciador dos livros tende a crescer, à medida em que se detém, horas a fio, no gesto da leitura. Isto sem falar na portabilidade do livro, conduzido aos lugares aonde se vá, nos instantes da caminhada pela vida.

Há um livro para cada gosto, e a melhor forma de se apegar aos livros é escolher para ler os que mais se adaptem ao gosto de cada um. A literatura e sua gama de títulos voltam-se a variados gostos, sem discriminar quem quer que seja. Buscando-se, haverá o livro ideal a todo o momento e toda situação.

Além do mais, vale considerar que o livro oferece material próprio a cada ramo das atividades profissionais e ramos de negócio.

Bom, são estas as primeiras considerações quanto ao fator valioso da alfabetização e seus usos múltiplos na descoberta do gosto saboroso pelos livros.

domingo, 19 de junho de 2011

Feridas abertas

Algo que revira entranhas feito brasa acesa nesses tempos convulsos caracteriza o despreparo da Humanidade para solucionar graves desafios em séculos seguidos. Apenas uma banda de mundo aparenta tranquilidade do ponto de vista social. A outra, amargura marcas profundas em termos de desencanto e desesperança. Espécie de sistema injusto transfere, de geração a geração, fortes heranças deixadas pelas guerras, em desatenção ao mínimo padrão da boa convivência, quando tudo serviu de pretexto à ganância dos menos escrupulosos. O cinismo diplomático ainda representa a regra básica dos povos e países, na conquista dos mercados e escravos.

Trilhões financeiros da riqueza da Terra alimentam a máquina infernal de quantias imensas que movimentam a indústria das armas, o comércio das drogas, os jogos, a prostituição. Praticar respeito entre as criaturas humanas deixou de significar progresso e demonstra fraqueza. Há que se andar tantos caminhos até contar história diferente, de alegria e positividade.

O canteiro de obras desses sonhos bons, no entanto, espera trabalhadores melhor qualificados, pois agora os exemplos torpes de autoridades infiéis aos compromissos coletivos querem fixar modelos perdidos. E o que se vê são caravanas de complicações no resultado parcial da farra política.

A cena dos palcos mostra limitações de não ter tamanho. Atores fantasiados encenam quais marionetes abobalhadas em meio aos gritos desesperados da miséria moral que predomina.

Nisso existem aqueles vendilhões da miséria alheia que usam a bilheteria em favor particular, os ditos ratos de monturo. Sugam as energias das populações de armas em punho, descaradamente qual sendo só seu o que a todos pertence.

Querer narrar a condição humana noutros cadernos mais organizados, ou pintar o barco nas cores amenas, eis o desejo de qualquer sobrevivente do mundo atual. Porém as telas que a realidade oferece quase que em nada mudaram, nos panoramas tristes elaborados desde a antiguidade dos pintores medievais.

Fanatismos, corrupção, distorções legais, administrativas, pornografia, epidemias, poluição, palavras do poema histérico escrito nos ares cinzentos e transcrito nas páginas rudes da civilização.

Esperar por mudanças favoráveis, mesmo que isto represente conscientização e trabalho, nunca é tarde, e recomeçar sempre a jornada. Cada personagem da crise desse chão detém o poder de transformar sonhos em acontecimentos, desde que reconheça disso a enorme necessidade presente.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sonhos de liberdade

Sob o signo de uma dessas reflexões que afloram o espaço misterioso entre a memória e o cotidiano, quando a gente pára o tempo e fica só visando o nada a nossa frente, qual quem quer fugir para lá do mais adiante, senti de perto esse intervalo gigantesco que nos espera, pois sentir a dor representa o que de diferente existe do eu atual ao Eu que, certo dia, perto ou distante, a ele chegará, ao Ser definitivo.

Com isso, viajei nas asas frondosas dos sonhos de liberdade. Esse desejo transcendental do ser feliz nos braços macios da leveza eterna, de que tanto falam sábios e místicos. Pisei suave a lã do coração pelos bastidores, buscando melhor o lugar de sonhar confortável. Viver comigo em paz, paz com o mundo. Persistir na imaginação das coisas boas habitando tetos longe da contradição que, por vezes, quer modificar o sabor de framboesa das saudades inesquecíveis.

Andei que andei, e olho as variantes do comboio de humanidade que transportamos em nós próprios, o tanto que somos cada um de nós. Nos compassos de música das inspirações momentâneas, essa vontade avassaladora de crescer para os céus fincou raízes impacientes, que fustigam as correntes escondidas do solo de carne onde ainda habitamos.

As histórias dos filmes falam disso, os filmes bons que tocam as cifras do lado interno, os livros deliciosos, as músicas... Flutuar nas doces avenidas das obras da ficção bem conduzida aos endereços agradáveis, para o destino de finais positivos. Jamais entregar o esforço dessas realizações a qualquer diretor, porquanto o custo das produções da vida reclama tremendas responsabilidades.

Andei que andei, que andei, e revejo lugares das grandes emoções, que testemunham as possibilidades infinitas para concretizar os tais sonhos. Alimentar acordes na harmonia dos fortes traços de autores geniais, sobreviver ao vasto continente da felicidade, sem abrir mão do direito natural de gerar seres andarilhos do amor pelos percursos das noites ricas de revelações, agentes da transformação construtiva e decente.

Deixo, pois, deslizar plumas de pensamentos na forma de imagens coerentes, lindos painéis de calma nas florestas do Paraíso. Acreditar no Si das notas musicais. Há luzes que clareiam conquanto marcas de relacionamentos ajustados, paridos nos pastos da mãe tranquilidade. Construções coordenadas em blocos justos, ao vigor das leis permanentes, no permanentemente.

Os velhos sonhos são aqueles que seguem transportando os humanos, mantendo-os nessa incansável jornada de retorno às estrelas, fulgor do carinho na força dos amores para sempre. E sonhar por isso com alegria de continuar.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Esse instrumento a mais

Notícia divulgada pelo jornal Diário do Nordeste, edição de 13 de junho de 2011, dá conta de uma pesquisa realizada pelo instituto Detafolha, em parceria com a agência de publicidade Box, onde são avaliados estudos a propósito da utilização, pelos jovens brasileiros, da rede internacional de computadores, a Internet, qual dispositivo de mobilização social. Dos números apurados entre 1.200 entrevistados na idade de 18 a 24 anos, 71% afirmaram que é possível fazer política usando a rede sem intermediários, como os partidos, segundo a notícia.

Isto, segundo especialistas ouvidos, revela um esgotamento do modelo tradicional de mobilização e impõe um desafio aos que pretendem assumir a representação dos jovens.

Cremos, no entanto, que a validação institucional da participação do cidadão na organização política exige sua presença também junto às agremiações partidárias, sob pena de permanecer à margem dos resultados desse processo. A contradição que isto significa são os recentes acontecimentos mundiais do Oriente. No Egito, por exemplo, diante dos esforços da agitação de multidões, o governo do presidente Hosni Mubarak conheceu sua derrota e abandonou o país.

Contudo, os dividendos dessas atitudes sociais bem sucedidas escorrerão, sem sombra de dúvidas, para a classe política já estabelecida nos partidos de antigamente, os únicos donatários habilitados nas regras do jogo e nas tradições constitucionais do Estado, o que representa a sociedade politicamente organizada.

Com isso, todo empenho das lideranças românticas, expresso através dos movimentos das massas, de novo apenas bateram as esteiras, como diz o jargão das vaquejadas, para outros puxarem o rabo do boi e ganhar os prêmios, ou as aragens do poder instituído.

Mergulhar fundo na ordem estabelecida, participar dos métodos de corpo inteiro, ou facilitar o acesso de lideranças comprometidas com os velhos valores em decomposição. No Brasil de recentes décadas, vivemos situações idênticas, nas Diretas Já e no movimento dos Caras Pintadas. Recolhidas as fixas e as bandeiras, outro time entraria no campo a fim de arrecadar o saldo para suas próprias cotas de poder.

Nesse vai e vem, há avanços, porém apenas relativos, em vista do despreparo dos verdadeiros agentes do processo da mudança. Necessitaria de continuidade e condução objetiva das ações empreendidas, invés de largar a conquista nas mãos dos oportunistas de plantão.

Sim que a Internet dispõe de amplo potencial de mobilização social, desde que consolidado junto aos demais instrumentos desenvolvidos no decorrer da história. Em consequência, longe de entregar o ouro ao bandido, a racionalização desses novos meios irá proporcionar resultados vivos em termos de utilização da tecnologia nas transformações coletivas.

terça-feira, 14 de junho de 2011

A tartaruga (tradição oriental)

Certa manhã, quando Chuang Tzu pescava solitário nas águas de um rio profundo de sua terra natal, vieram procurá-lo dois serviçais do príncipe de Chu, a província onde habitava. Eles vinham cumprir as formalidades de propor ao sábio a incumbência de ser o administrador do tesouro da corte.

Silencioso, tranquilo qual o leito daquele rio, o discípulo de Lao Tzu apenas ignorou a presença dos visitantes e seguiu concentrado no seu ofício, indiferente aos acontecimentos em volta.

Preocupados com o tratamento recebido, os funcionários reais insistiram e, de novo, mais veementes, transmitiram a proposta do soberano. Nesse momento, reverencioso, Chuang Tzu cumprimentou aqueles embaixadores para, em seguida, afirmar:


– Um dia chegou ao meu conhecimento existir na capital da província o casco de uma tartaruga sagrada, morta há mais de 300 anos. E que Sua Alteza conserva essa relíquia debaixo de sete chaves, numa arca de ouro instalada no altar mor do templo, costume já originário dos seus ancestrais.

Os dois funcionários balançaram a cabeça em confirmação ao que ouviam, enquanto aguardavam o desfecho das palavras do sábio.

- Pois bem, ouvindo esse convite do soberano destas terras, quero fazer uma pergunta aos senhores: Caso houvessem dado a essa tartaruga uma outra oportunidade, no lugar de ela morrer e virar instrumento de veneração, que pudesse continuar vivendo e arrastando o rabo no lodaçal dos pântanos, será que escolheria o sacrifício ao qual se viu submetida?

Os emissários nem careceram de muita demora até responderem quase numa só voz:

– Asseguramos, sem duvidar, que, se pudesse, ela preferiria continuar vivendo e arrastando o rabo no lodaçal dos pântanos.

– Eu imagino também que desse modo escolheria – retrucou o mestre, acrescentando:

– Por isso, desejo aos senhores que retornem e transmitam ao príncipe meus agradecimentos pelo honroso convite. Pois também pretendo seguir vivo e permanecer aqui em meu lugar, arrastando o rabo na lama escura destes sítios felizes onde moro!

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Tantos assuntos e coisa nenhuma

Ontem quase meio dia, numa dessas quintas-feiras. Visitava o meu amigo Zé Roberto, José Roberto França de Sá, que mora no finalzinho da Rua Pedro II, em Crato. José Roberto, raro exemplar da juventude que viveu com intensidade os anos 60, Glauber Rocha, João Gilberto, Gilberto Gil, Caetano Veloso, caminhando contra o vento, sem lenço, sem documento, no sol de quase dezembro.

A própria irreverência da intelectualidade perdida no emaranhado das contradições nacionais das cucas maravilhosas, numa época tardia, desfeita nos valores psicodélicos espalhados pelo mundo de filmes, livros, discos e revistas. O interior desconhecia o furor medíocre da televisão brasileira. Os sonhos viajavam nos campos da política qual instrumento de transformação coletiva, diferente no tanto certo do que hoje confunde as populações alienadas.

Testemunha ocular dos altos e baixos desses tempos dissonantes, segue na mesma viagem das ideias, colagem pop dos autores do cinema e das frases de efeito, e apresenta, ali na nossa frente, o quanto caminhamos nas estradas poeirentas desde os primeiros acordes da bossa nova, esgotos de madrugadas amarelecidas e filosóficas. Quantos passos em vão no imenso corredor vazio de resultados daquilo que, juntos, imaginávamos para as manhãs tropicais.

A arte pela arte, nos painéis abandonados entre páginas impressas e lançadas aos abismos das tantas apreensões, numa única e nossa, emblemática, a postos na ordem do dia do que restou de tudo isso, projetos imaginários desaparecidos nas sarjetas.

Conversar diante das dores desconfortáveis que restaram quando o fogo da caverna iluminou em definitivo a noite da Latino-América, nos poemas que ainda existem guardados no tronco das bananeiras, com palmeiras e precipício de luzes. Agora apenas clamores de desconfortos e achaques de um corpo em crise de artrose.

As histórias da longa juventude dourada e impaciente, adormecida no voo de garças e pavões, a percorrer quadrantes de festivais da canção, naqueles idos quando dizer feria a calma poderosa de quem, mais do que nunca, enterraria até o pescoço o trono dourado da ilusão nos palácios oficiais ora loteados.

Rever amigos, essa prática de quem aguenta tocar ponta de dedos nas feridas vivas e nos fios descobertos de árvores inúteis.

E os tantos assuntos viraram isso de quase nada, embrulho de jornais antigos. Barracas de peixes elétricos que sacodem os delírios em possibilidades geniais. Versos de palavras que circulam músicas dessa vivência do movimento de uma década cheia das melhores esperanças.

Depois, notícias e marasmo das ações. Tanto barulho e nada. Enquanto perguntas cruzam os ares: - Sim, José, diga só onde foram parar aqueles projetos dos ideais de mudança, patrimônio da geração do sonho? Diga só!

sábado, 11 de junho de 2011

A prova da riqueza

Quando Jesus viajava pelo mundo, certa vez, tarde da noite, chegou com Pedro a uma humilde choupana. Traziam os corpos macerados depois de longa travessia. Recebidos com amizade pelos donos da casa, puderam desfrutar das melhores acomodações, de refeição farta e reparadora noite de sono.

Ao raiar do dia, viam-se na estrada a comentar entre si:

– Senhor, que pessoas agradáveis, simples e solidárias – avaliou Pedro, em seu modo extrovertido. – Bem merecem mais do que possuem. Por que, Mestre, não lhes permite a bênção da fortuna, concedendo a elas mais dinheiro e propriedades? – lembrou o apóstolo.

– Mas, Pedro, os haveres nem sempre acrescentam mérito às criaturas, sujeitando-as, em muitas ocasiões, a graves riscos – considerou Jesus.

– Sei disso, Mestre. No entanto acho essas pessoas bem equilibradas e, de certeza, usariam com experiência aquilo que viessem a receber por acréscimo.

Jesus silenciou e seguiram a viagem.

Passados alguns anos, aconteceu de voltarem os peregrinos a percorrer aquelas mesmas cercanias. No lugar da residência modesta da vez anterior, o que avistaram? Uma bela herdade que dominava a paisagem, preenchida de vinhedos frondosos, os melhores de toda a redondeza. Mansão digna dos nobres se lhes apareceu, ao invés da rústica construção onde antes se hospedaram envoltos nas atenções carinhosas dos seus donos. Para lá se dirigiram.

– Ô de casa! – repetiu Pedro algumas vezes no portão principal.

– Ô de fora! – respondeu a voz do serviçal que atendeu após longa demora. – O que desejam aqui? – perguntou. Pediram rancho para ficar na noite de jornada. Em seguida, o homem entrou para consultar os proprietários das terras.

Transcorrido algum tempo, voltou com a resposta. Teriam, sim, o pouso. Daí, foram levados para a estrebaria e instalados de forma precária entre bichos e rações, a algumas braças da casa grande engalanada em grande estilo, prevendo festa naquela noite.

Enquanto improvisavam o leito, os visitantes recordaram do que haviam encontrado na primeira visita àquela casa:

– Jesus, por que mudaram tanto os moradores daqui? – considerou Pedro. – Pareciam bem melhores quando nos receberam da outra vez.

Após leve sorriso, o Divino Mestre observou: - Bem, Pedro, agora que as coisas se mostraram claras aos teus olhos, por tudo isso que observaste, digo que a riqueza sujeita levar à perdição muitos dos seus donatários. Enquanto a pobreza, do seu jeito, pode trazer salvação aos que dela se acham dependentes.

Nasrudin

Há um personagem da cultura árabe que reflete o lado espirituoso da vida, admirado pela forma non-sense com que encara diferentes situações desagradáveis, sem, contudo, jamais perder o bom humor, representando aspectos de sabedoria reverenciados pelo Sufismo, traço místico da religião islâmica.

Conhecido por Mullá Nasrudin, esse lendário mestre imortaliza-se através de anedotas transmitidas entre as lendas orientais. Surgiu do nada, qual nossos Pedro Malasartes e Camões, das histórias populares do Brasil. Preenche o espaço típico reservado ao coringa do baralho, representado na verve universal da imprevisibilidade, da ausência de compromisso à rigidez de caráter, saltando obstáculos com destreza extrema, em nome do bem-estar individual, dando-se ao luxo de pouco se apegar a dogmas intransponíveis ou princípios inquestionáveis.

Dentre os relatos preservados nessa tradição, protagonizados pelo irreverente Nasrudin, alguns sintetizam as suas mais diversas faces: a submissão à esposa e às autoridades, a flexão dos valores dados como certos pelos cânones sociais, o instinto de contestação aos hábitos seculares e a brejeirice prudente dos simples.

A propósito, certa vez, numa madrugada, quando retornava da farra com os amigos, via-se ele abaixado sob a luz de lampião, nas proximidades de casa, apalpando o chão à cata de alguma coisa perdida. Daí, alguém conhecido quis saber o que lhe detinha naquilo.

- Procuro a chave de minha casa – respondeu, levando o outro a auxiliar na tarefa.

Minutos depois, o parceiro insistiu: - Nasrudin, onde foi mesmo que caiu essa chave.

- Caiu bem ali atrás – retrucou. - Mas a claridade nesse ponto da rua oferece luminosidade para gente encontrar ela é aqui neste canto.

Enquanto, noutra ocasião, dono de espelunca de beira de estrada, o herói recebeu a caravana real que empreendia longa viagem. Nas reservas da despensa, havia algumas dúzias de ovos e um resto de farinha, alimentos que pôde oferecer aos hóspedes.

No momento de pagar, o rei questionou o preço astronômico da conta cobrada.

– Caros esses ovos, Nasrudin. Eles devem andar escassos nesta região – quis saber o monarca.
– Não são os ovos que andam escassos, não, Alteza. São as visitas reais que quase nunca aparecem nessas bandas.


E para completar tais exemplos, ao receber de um amigo a notícia de que seu burro havia desaparecido, Nasrudin logo se saiu a dizer:

– Ainda bem que eu não me achava montado nele, porque se não teria ido junto.

Com isso, percebe-se a identificação das atitudes paradoxais do célebre mestre em relação às de pessoas de outros lugares, nossas conhecidas, ricas em repentes e chistes, paisagens humanas eternizadas no folclore das mais ricas culturas.

A quem interessar, as Edições Dervish, do Rio de Janeiro RJ, mantêm no seu catálogo o livro Histórias de Nasrudin, classificado no índice de contos (literatura turca), e comenta: – Ninguém sabe ao certo quem foi ele, onde viveu e nem quando – se é que realmente existiu!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Um celular de estimação

Ele possui a barriga estreita. Diariamente deverá passar algumas horas pendurado na tomada recebendo carga habitual, senão na rua logo me deixa na mão, de comum nas situações inesperadas. Acostumei com isso, indócil mania paraguaia de celular cuja carga dura pouco. De dois chips, atende com fidelidade às operadoras, mesmo sabendo que dormirá cedo, bem no início da noite. Segue comigo, acima e abaixo, nas pelejas dos comportamentos animais, dócil e inevitável. Mas sei que traz guardado nas estranhas o grave defeito de ter a bateria curta. Ainda assim cumpre seu papel de comunicador estratégico desta fase do tempo quando quase ninguém escapa de transportar, no bolso ou na bolsa, esse treco bisbilhoteiro, facilitador de circunstâncias e redutor das fronteiras.

O noticiário da semana passada, por exemplo, falou dos riscos e prejuízos à saúde do alienígena, quando usado com regularidade e maior intensidade, estudos ora desenvolvidos a confirmar, em face das ondas que emite e recebe. Maquininha familiar, depois dele mudaram costumes e medidas. Poucos passam impunes diante das artimanhas do monstrinho, que hoje, no Brasil, já ultrapassa o número de habitantes. Quanto crime sujeita incentivar. Quanta vida salvará, antes do pôr do sol. Misto de brinquedo traquina e lâmpada maravilhosa, o propulsor da civilização contemporânea desmancha os obstáculos ao progresso, artefato nunca visto com tamanha força de vulgarização nas classes sociais; e, máquina de tais proporções transformadoras, pois facilita que é uma beleza tudo em volta, conquanto demonstração do engenho humano às raias do infinitamente pequeno, sem fugir aos encantos que proporciona, estreitando amores apaixonados, monitorando filhos e sequenciando negócios. Aonde chegar ser humano, alguém buscará sinais abençoados dos equipamentos digitais.

Traçado que democratizou o poder da ciência, o celular serve de símbolo do quanto andaram os circuitos eletrônicos a serviço da sociedade, agora desenvolvida através de novos aparelhos dotados das inúmeras funções, espécies de computadores populares transpostos de mão em mão.

Daí a pergunta crítica de saber quem manda, se o homem ou a máquina, tabu da Era Industrial. Tipo fertilizador das emoções, pouco pesa saber a resposta do invasor que criou dependência e raros dele escapam.

No entanto armam-se paralelos. As recargas todo dia que humanos também necessitam, e no dormir carregamos a bateria. No sonho, na oração, na esperança, alimentamos a viva vontade dos sentimentos, neste frio das relações mecânicas para vencer as interrogações da existência, apesar dos muitos meios que o homem desenvolveu e quase nada melhorou em termos da própria fraternidade.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Dom Sebastião

Rei de Portugal com três anos, sob a regência de sua avó dona Catarina, um dia, dom Sebastião resolveu tomar para si a defesa do catolicismo no combate aos mouros e sonhou dominar o norte da África, onde hoje fica o Marrocos, embarcando rumo à conquista, ainda que para desgosto do seu tio-avô dom Henrique e advertido por vários capitães.

O espírito atilado de Sebastião naquele ato, segundo os historiadores, predominou sobre tudo e todos, no que pesasse, quatro anos antes, em 1574, haver largado iguais propósitos, retroagindo de Ceuta e Tânger por insuficiência de tropas.

Dessa outra vez, porém, far-se-ia ainda mais teimoso. Poucos dias instalado no forte de Arzila, após o desembarque, em 04 de agosto de 1578, com 24 anos defrontaria o exército árabe, na batalha denominada Alcácer Quibir.

Em luta feroz, os portugueses sofreram profundos reveses, submetidos ao poderio adversário; sem deixar notícias do seu paradeiro, o rei desapareceu nas escaramuças, ocasionando a vacância do trono português.
Desfeito o sonho do jo

vem monarca, que não deixara herdeiros, sobe no poder um outro tio seu, o cardeal dom Henrique, que morreria logo dois anos adiante, em 1580, produzindo desdobramentos políticos graves e a anexação de Portugal pela Espanha, tempo do reinado de Felipe II, quando, inclusive, o Brasil pertenceu ao trono espanhol.

Tudo isso se conta até chegar nas origens do sebastianismo, mito de cunho messiânico nascido em torno da figura do rei, rastro do seu misterioso desaparecimento no campo de batalha, o qual proclama seu retorno em eras futuras, com a missão de salvar o mundo e vencer as forças do Mal em toda a humanidade.

Alguns situam a gênese dessa lenda no impacto ocasionado pela decadência portuguesa e pelo sofrimento de seu povo, consequências da prematura perda do soberano querido. Igualmente, persiste a inspirar o imaginário das artes lusitanas, rica de misticismo e criatividade neste particular, persistindo desde o século XVI, por viés histórico-cultural de predominante resistência.

Em seu bojo, o sebastianismo remonta substratos bíblicos, lembrando o fim misterioso de Moisés, antes de entrarem os hebreus na Terra Prometida, que se ausentou montanha adentro; e do profeta Elias, a subir aos céus num carro como que de fogo, às margens do rio Jordão, na visão do seu discípulo e sucessor, o profeta Eliseu.

Ou nunca souberam

Os mais ilustrados, que saem das escolas em trajes luminosos e seguem brilhantes estudos nas universidades maiores, viajam, cursam especializações, falam línguas diferentes; mas caso não saibam conquistar e preservar um amigo, tratar as outras pessoas como irmãos, desenvolver a paciência nas relações dos imprevistos, certeza certa esqueceram o que aprenderam nas aulas, ou nunca souberam o que pesa na educação verdadeira.

Investimentos caros da sociedade, os irmãos ilustrados adquirem verniz suficiente de trançar os territórios da influência geral, contudo deixaram de colher os frutos principais ofertados no balcão das formações; passaram nos largos corredores das instituições apenas de turistas, em busca dos apegos imaginários das vitrines financeiras.

Quando vemos estudantes aflitos nas portas dos colégios, agressivos, ansiosos, olhos acesos em dominar os outros, lembramos das feras no pasto à procura das presas, inconscientes instintivos dos objetivos reais da civilização. A competitividade imposta nesses tempos de guerra, entretanto, produz espécimes parecidos com os tais predadores dos filmes documentários, presas e garras aplicadas nos botes monumentais, agentes vorazes da exclusiva corrida mecânica dos números na carne alheia.

Uma frieza clínica domina os mercados e importa no desgaste das horas por lugares ao sol da sobrevivência. Ninguém resta livre diante das apreensões do futuro. Vira e mexe, chegam papeletas bancárias dos custos da fama. Anos e anos de prisão aos livros sobraram vazios às portas do dia. Porém há que impor desejos de paz entre as criaturas, sob pena de preços ainda mais elevados no desassossego.

A neurose dos movimentos nas ruas e estradas pede bem mais educação, mestrados, doutorados, nas regras da selva de pedra. Armas escondidas apontam aos incautos agressivos. Cuidar de pisar maneiro no clima instalado. Fugir da brutalidade dos brutos. Sorrir das situações inconvenientes. Rezar e rezar em profusão de fé as orações que falam a Deus, nosso Pai. Conter os ímpetos negativos, trabalhar o choque dos gênios, humores à flor da pele, normas básicas de resistência e firmeza.

Crise abala os fracos. Aprender e superar todo obstáculo, e transmitir às novas gerações o crescimento das populações do mundo, a fim de limpar a alma e os olhos da felicidade. Eis alguns avisos que facilitam para modificar as expectativas dos que a gente ama, história que precisa do conhecimento das melhores lições aprendidas na escola desta vida.

As mãos do destino (conto zen)

No Japão antigo, destacado guerreiro conhecido pelo nome de Nobunaga viu-se, certa vez, numa grave dificuldade em que outra alternativa não lhe sobrara além de enfrentar horda de muitos e valentes inimigos, prontos ao combate dez vezes mais soldados do que os que ele dispunha.

Cercado em terreno complicado, cabia-lhe tão só esboçar defesa heróica, sujeita a pouquíssimo êxito.

Nobunaga guardava consigo a certeza de que chegaria à vitória naquela cruenta batalha, opinião essa descartada de todo pela grande maioria dos seus oficiais e soldados, ainda que ele houvesse buscado lhes elevar o ânimo.

Que fez, então? Na noite anterior ao confronto, reuniu os principais da tropa em volta de um pequeno santuário que consigo sempre transportava, e juntos fizeram contrita oração. Depois do instante fervoroso, voltou-se aos aliados e disse:

– Trago dentro de mim que os deuses nos têm na sua predileção. Mas sei que os senhores não comungam do meu sentimento, pois se avaliam em desvantagem numérica com relação ao adversário – escutavam, silenciosos, os homens, envoltos no temor dos vindouros acontecimentos.

– Quero, pois, nessa hora, lhes mostrar, de modo claro, que somos, na verdade, assistidos pelo Poder supremo – dizia isso enquanto reluzia na palma de uma das mãos pequena moeda. – Consultarei, nesta moeda, a voz do destino que nos aguarda. Se ao jogá-la mostrar a coroa, eis o palpite de que amanhã sairemos derrotados. Se, por sua vez, o resultado vier a ser cara, a vitória irá nos sorrir do grande combate. Neste lance, falará a sorte que nos espera ao nascer do dia.

Atônitos com a inesperada proposta, os homens fixaram os olhos naquela moeda que subiu nos ares e rolou riscando demorada trilha no solo, indo pousar no foco trêmulo da lâmpada que clareava o interior da barraca do comando.


– Cara! – em uníssono, repetiram os mais próximos. Depois disso, ânimo fervoroso renovou a alma de todos os guerreiros, que redobraram esforços na intensa refrega do amanhecer.

Antes do meio-dia, a estratégia posta em prática galgara bons frutos. Dotados de coragem, lutaram e dominaram os bravos da outra tropa, levando-os a bater em retirada, máxime a superioridade que desfrutavam.

Terminada a incrível batalha, o segundo comandante, cheio de orgulho, exclamou à aproximação de Nobunaga:

– Ninguém, ninguém seria capaz de desviar as mãos do destino!

– Não, jamais! – respondeu o comandante, enquanto discreto chamava com reserva o oficial e lhe apresentava a moeda, trabalhada de um jeito que possuía igual face duplicada nos seus dois lados.

O Mandarim

Na página do livro que lia, Teodoro deu de cara com a improvável perspectiva de, ao tocar uma campainha mostrada pelo Tentador, virar herdeiro universal dos cabedais infindáveis de Ti-Chin-Fu, o Mandarim mais rico que a fábula e a História contam.

– Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia – acrescenta Eça de Queiroz, no conto que leva o nome de O Mandarim. – Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro.


Nesse trabalho, o escritor narra vivência fictícia de funcionário que se depara com trecho de obra antiga onde via a oferta de ganhar aquela fortuna sob a única condição, em pacto perverso, acionar o dispositivo e eliminar, bem longe, na China, nobre ancião que brincava de lançar papagaio em campos verdes de relva.

Sem hesitar, o mero sonhador aciona aquele instrumento letal:

– Foi talvez uma ilusão – segue o texto; – mas pareceu-me que um sino, de boca tão vasta como o mesmo céu, badalava na escuridão, através do Universo.

– E nos braços frios tem o seu papagaio de papel, que parece tão morto como ele – desfecha o autor português.

No seu torpor, Teodoro ainda notou o sujeito saindo da sala, carregando um guarda-chuva debaixo do braço.

Dentro de breve tempo, veja só no que se deu.

Com o passar de um mês, quem antes sofria diante das míseras exigências da mediocridade financeira, pôs-se a juntar milhares de contos de réis rápidos tornados milhões, da noite ao dia, na outra vivência, pondo-se a cogitar real a visão em que se metera, naquela chance ofertada pelo Vadio. Arriscara ao menos para saber da verossimilhança do que agora lhe fervia de remorsos cruéis face ao critério vigoroso da consciência.

Depois disso, choveu na horta do ex-funcionário, a viver mundo de repetidos sonhos. Disparara o botão da pequena caixa e na remota Catai dera fim aos dias do velhinho brincalhão em suas campinas solitárias. Gesto simples, caldo infeliz; outrossim, tornara-se o dono absoluto de toda sua fortuna.

Antes disso avaliara prováveis consequências de coisas sonhadas e não via porque admiti-las transpostas ao mundo físico. Uns admitem a possibilidade; outros, não; e era do segundo grupo, ainda que nele a vida fosse mais difícil, nas contas, nas repartições, na cidade. A sorte em poucas esquinas sorri. Estudara os detalhes do conflito, as condições morais da resposta que dera na dimensão impossível.

Contudo, mais adiante viajou aos países longínquos do Oriente. Chegou na China, buscou comprovações e o mandarim na verdade existira, para seu desconsolo.

Até que um dia também volta aos braços da morte e abandona os bens que reunira na desventurada atitude.

Para desfechar o conto, resume numa frase seu genial autor: Só sabe bom o pão que dia a dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim!

A história do homem

Dentre os contos zen um existe que fala do rei Zemir, que viveu na Pérsia antiga. Ele chegara ao trono na flor da juventude e nutria esforço inaudito de conhecer as razões da vida humana.

Reuniu, certa vez, sábios das mais diversas procedências e resolveu custear a pesquisa sobre os propósitos últimos da história e transmitir aos súditos as conclusões desse estudo, o que saberia ser relevante para fixar os padrões da sociedade que comandava.


Escolhidos na função, pesquisadores renomados isolaram-se em província afastada durante 20 anos, a dedicar suas inteligências às possíveis e imagináveis notícias procedentes de todas as bibliotecas do Oriente, até formarem a primeira edição daquilo que seria o escopo da consciência individual, trabalho exemplar de erudição e engenho. No fim, levaram o resultado ao palácio do rei Zemir.

Transportaram em lombo de animais 500 volumes elaborados nas duas décadas de exames minuciosos.

O monarca abriu espaço nas suas obrigações e recebeu os sábios, em dia especial, cheio de pompa e movimentações, porquanto, coincidência ou não, a data assinalava os 40 anos do rei, motivo de maior alegria pelo resultado apresentado.

Mas qual o quê! Maior não poderia ter sido sua decepção. Achou por demais sofisticado o trabalho trazido, cheio de rebuscamento e pouco objetivo no sentido daquilo que propusera. Refugou desde logo toda a vasta literatura, aceitando, contudo, prosseguissem com a tarefa, reapresentando-a noutra ocasião.

Passados outros 20 anos envoltos no exílio da missão, belo dia retornam os pesquisadores, dessa vez munidos apenas do que fosse o resumo da humana aventura terrestre.

O rei mostrava feições já maceradas pelas sucessivas preocupações e dedicação que lhe impunha a responsabilidade sobre aquele povo. Recebia, no entanto, alegre os emissários, dizendo que seus olhos guardavam pouca energia de ler, e aguardava a síntese da história de há tanto esperada.

Nova contrariedade o invadiria, pois os escribas ainda traziam ao rei carga de três camelos prenhes de nutridas páginas, uma vez mais recusadas pelo soberano.

Também saturados em anos, pela terceira vez eles se recolheram às montanhas distantes, querendo de qualquer modo efetivar o tal resumo dos resumos, a fim de satisfazer Zemir.
Na próxima viagem, dez anos depois, um único elefante transportava o que sobrara de toda a obra, motivo da nova recusa do monarca, quase cego e alquebrado.


E cinco anos mais tarde, os poucos sábios que resistiam ao esforço decidiram cumprir derradeira entrevista perante o rei Zemir, ora recolhido ao leito, em grau de adiantada enfermidade.
Nesse dia, o principal responsável pela missão dirigiu-se ao soberano e falou próximo aos seus ouvidos:


– Alteza, enfim conseguimos abreviar em poucas palavras a história do homem que encomendaste. Veja só, ele nasce, sofre e, ao término, morre. – Ao escutar essas palavras, a sorrir, o rei exalou seu derradeiro suspiro.

Katie King

Por vezes, ouvimos dizer que após deixar este mundo até hoje ninguém voltou para trazer notícias do outro lado da vida, argumento esse utilizado na intenção de demonstrar pouco caso com relação à existência de outra dimensão além desta onde mourejamos na esperança da imortalidade, de que falam os mestres e profetas.

A ciência, no entanto, dispõe de elementos suficientes para cobrir essa lacuna, através de acontecimentos registrados, por exemplo, na Inglaterra da segunda metade do século XIX, os quais a seguir descreveremos.

De 1870 a 1873, o cientista sir William Crookes, nascido em Londres a 17 de junho de 1832, promoveu em laboratório uma investigação detalhada com experiências de materialização do espírito denominado Katie King, utilizando a sensitiva (médium de efeitos físicos) Florence Cook, todas fixadas em 44 fotografias obtidas com raios infravermelhos.

Por meio de substância denominada ectoplasma cedida pela médium, o espírito pôde reconstituir sua fisionomia e se manifestar neste plano material, agindo pela própria vontade, inclusive a tocar instrumentos musicais naquela ocasião. Um outro cientista, na Alemanha, Friedrich Zollner, também chegou a efetivar prática semelhante.

Quando, depois, perseguido pela comunidade científica inglesa, negou-se Crookes reeditar seus artigos sobre o assunto e evitou deixar que circulassem as fotografias feitas do espírito, hoje depositadas em arquivo ao dispor dos que pretendem conhecer mais a propósito desse assunto.
Com aquilo, no ano de 1904, o físico inglês admitiu a liquidação definitiva do materialismo e confessou crença absoluta na sobrevivência dos que passam ao Além e de lá nos observam, conclusão apreendida nas citadas experiências. No livro intitulado Fatos Espíritas, relatou as fases de seus estudos, mostrando, sem margem de dúvidas, o poder extraordinário dos espíritos para recriar uma forma que antes possuíram na Terra, utilizando a matéria física em forma de ectoplasma.


Florence Cook caía em transe antes das materializações, ficando sob as influências do processo mediúnico na medida em que o espírito adquiria o domínio da situação, até se mostrar por inteiro, com o decorrer do tempo das várias experimentações, numa média de duas sessões semanais.

Seu rosto a princípio dava a impressão de ser oco por trás. Mais tarde preencheu-se, os crepes ectoplásmicos se tornaram menos abundantes e, um ano depois, ela já conseguia caminhar do lado de fora da cabine.

Portanto, no decorrer de três anos, Katie King, jovem filha de um corsário jamaicano do século XVIII, loura, alta, de pele e olhos claros, materializava-se próxima da médium Florence Cook, jovem de quinze anos ao início dos trabalhos, pele morena, estatura mediana, olhos e cabelos castanhos, sob o testemunho presencial dos frequentadores do estúdio, inclusive provenientes de outros países.

Dentre as inigualáveis contribuições de William Crookes, no campo da Física e da Química, consta a descoberta do quarto estado da matéria, o estado radiante.

Fim e recomeço (da tradição oriental)

Dentre as inúmeras narrativas budistas que falam na busca incessante empreendida pelos discípulos através dos caminhos do mundo, em prol da suprema realização do Ser, uma existe que descreve com nitidez essa longa peregrinação de certo monge para encontrar a Verdade.

Desde bem jovem pusera-se nas estradas da Índia querendo encontrar Sidarta Gautama, o Buda. Com esse propósito sublime, viajou anos seguidos, exposto às aventuras improvisadas que a vida nômade oferece.


Numa radiosa manhã de luz intensa, viu-se ante as águas caudalosas do rio Ganges disposto a vencê-lo, pois entre os viajantes se dizia que nas terras da outra margem o Santo reunia vários discípulos e ministrava o Conhecimento, razão da procura exaustiva do incansável andarilho.

Depois de demorada negociação com um dos barqueiros temerosos de atravessar o rio perante a cheia intensa, iniciou a peleja arriscada de cruzar as águas pardacentas.

Já iam a meio passo do trajeto quando o religioso observou, rumando na direção do barco, fardo que boiava sobre as ondas revoltas do rio.

Mediante maior aproximação, percebeu surpreso cadáver emborcado de um homem. Então, fez-se mais atento e procurou identificar nos restos sem vida possíveis traços de alguém conhecido, tendência natural numa hora dessas.

Ao desemborcar o corpo, inquietou-o, contudo, ver no rosto do morto a sua própria fisionomia. Era de mais ninguém senão dele, portanto, o cadáver que, indiferente, vagaroso, descia o leito em que navegavam!

Num instante, inesperada angústia sacudiu-lhe as entranhas, isso de presenciar a si mesmo enrijecido, inerme, abandonado à correnteza.

Ato contínuo, perdeu qualquer domínio sobre seus modos e num berro monumental explodiu tétrica e sonora gargalhada, o que empalideceu de susto o barqueiro à sua volta, pressupondo haver o passageiro transposto as fronteiras que separam a lucidez e o desvario.

A seguir, em gestos semelhantes, ambos deixaram cair o corpo de encontro ao lastro da frágil embarcação, abandonados àquela cena que vivenciavam, atitude em que demorariam alguns longos minutos de torpor, sob o céu aberto de poucas e distantes nuvens fumarentas.

Ao término daquela ocorrência patética, extático, o monge vislumbrou no íntimo da alma que começava seu encontro de libertação com o Buda, a completar, quase por inteiro, logo nas próximas horas depois de pisar o solo firme da margem oposta e se dirigir ao recanto aonde o Mestre transmitia ensinos magnânimos.

Em definitivo, nesse dia efetivara o mais valioso passo da jornada espiritual.

As luas do sentimento

Nós, bichos humanos, habitamos um corpo cheio de mudanças. Hora andamos pelos pés, outra pela cabeça. Escreveu não leu, o pau comeu. Somos racionalistas ao extremo, numas horas. Noutras, emocionais de dar desgosto.

Vimos, por isso, numa oscilação permanente. Acreditamos em certos instrumentos, e, poucos instantes passados, invertemos a casaca, acreditando noutras razões em tudo diferentes das anteriores.

Essa tal variação de humor bem caracteriza os imprevisíveis seres habitantes deste chão comum de nós, bichos humanos. Tangemos um barco lotado de personalidades as mais diversas. Desde feras perigosas, agressivas de não ter dimensão pelos resultados, a santas inesquecíveis pelas atitudes e compaixões.

Quando frios, matemáticos, agimos quais máquinas construídas para vencer eternamente. Habilidosos sábios do sucesso desfilam suas genialidades e ganham fácil o sustento das ocasiões. Dotados das melhoras qualificações, predominam face ao grupo social como quem nasceu para ganhar todas as partidas desse jogo de paciência do viver. Enquanto que, mudando de naipe, explodem feitos trovões ao menor espinho dos semelhantes, quebrando as regras de convivência e destruído os muros em volta.
Diante das ações do inesperado, o santo mostra as unhas. Rasga o pano das aparências e desce às páginas policiais sob o menor destempero.

Controlar o impulso do instinto das defesas, dos melindres e das contrariedades se torna, então, o maior empenho do homem contemporâneo. Ninguém garantirá o dia de amanhã caso deixe de lado a importância de controlar os atos agressivos perante o mal estar da civilização dessa época da história humana.

As variações dos sentimentos trabalham, pois, nas proporções das fases da Lua. Antes minúscula no céu, poucos dias, à medida do crescimento, abre círculo esplêndido, que, lá em seguida, reduzirá sua lua prateada, intensa, ao escuro da Lua Nova, cruzando o Quarto Minguante.

Os sentimentos agem assim, idênticos. A ponto de alguns referirem que Fulano ou Beltrano é de lua. Da noite para o dia, transfere de sentimento expresso no humor da água para o vinho, sem ao menos avisar. O domínio das mutações supõe que essas criaturas controlem o decorrer das andanças. Contudo poucos detêm a capacidade rara de comandar os passos de si próprio. Quase rotina, deixam correr frouxo e amargam os frutos dos tontos.

Porém há que desenvolver o difícil manejo dos sentimentos equivocados, com a intenção forte de trabalhar o melhor dos gestos de morar juntos. A virtude das boas gentilezas cabe em todos os lugares. Saber respeitar as mudanças alheias e controlar as mudanças individuais valerá pontos preciosos no oceano das relações, determinação da plena sabedoria, portanto.

O ferreiro de Barcelona (da tradição medieval)

As trevas da Inquisição cobriam a Europa de mártires e de terror. A Idade Média anulava os anseios religiosos da grande população, através de cruel intolerância, solapando liberdades civis qual peste sulfurosa. Durante o século XIII, cometeram-se ignomínias e atrocidades, penas que iam do confisco dos bens a execuções sumárias, torturas e outros castigos inimagináveis.

No auge de tudo isso, na cidade espanhola de Barcelona, existia um ferreiro afamado que ganhara a preferência dos executores na confecção dos requintados instrumentos adotados pela repressão impiedosa. Suas algemas mereciam mais respeito face ao primoroso zelo com que as manufaturava, sem existir quem pudesse superá-lo na qualidade. Cumpria de sobra as encomendas que viessem. De suas produções jamais alguém conseguiria escapar. Um profissional e tanto o ferreiro daquelas peças de trancar os perseguidos da oligarquia que avassalara esse período trágico, no combate das idéias renovadoras e escarmento de tantas vítimas.

Pois bem, esse homem se orgulhava disso: ninguém se livraria das suas tenazes; ninguém, quando preso, chegaria a fugir dos ferozes mecanismos.

O tempo, porém, justo e sobranceiro, guarda surpresas, na ronda dos aparentes ditames da humana monotonia.

Dias e noites passavam céleres, até que, durante uma festa de insistentes brindes, perante vasta multidão, o ferreiro, animado além do tanto nos assuntos do vinho, excedeu-se em palavras, deixando vazar segredos inconfessáveis, aos quais chegara por via do prestígio adquirido junto às cúpulas do Santo Ofício. Na carraspana, revelara segredos que lhe determinariam o destino próximo.

Coisa pior não poderia lhe acontecer. Caía, desse jeito, nas garras mortíferas do mesmo tribunal a quem servira com esmero. A equipe dos doentes espirituais, por meio de julgamento improvisado, cuidou da sua condenação, ficando desfeita velha aliança.
Após o pesadelo das primeiras horas, ele despertou desnudo, em solo úmido de infecta masmorra, colado a pedras ásperas. Sentiu nos pulsos crivos frios de metais enegrecidos. Entre dormido e acordado, buscou as esperanças do manuseio profissional dos mecanismos que o retinham de encontro à tosca parede da prisão.

Recobrou os sentidos para perceber (qual surpresa!), que se via atravancado nos pulsos e tornozelos por dois pares dos grilhões que produzira na véspera da comemoração onde perdera o domínio e sentenciara-se ao merecimento da justiça torpe que antes auxiliara exercitar.

Em seguida e desencantado, rendeu-lhe a espera do improvável, como ocorre perante situações assemelhadas, quando a medida com que medimos, medir-nos-á também a nós.

sábado, 4 de junho de 2011

A divina conformação (tradição oral)

Na Palestina, depois que Jesus fora executado e as coisas pareciam retornar à antiga normalidade, um dos seus apóstolos, o de nome João, não se aquietava, a procurar canto, qual dizem dos que lutam e nada conseguem para aceitar as situações difíceis.

Durante semanas, sua vida era só amargura, sofrimento por cima de sofrimento. A ferida aberta com a perda do Mestre parecia crescer cada dia um pouco mais. Aonde seguisse, levava consigo a saudade imensa da presença divina, fugindo-lhe do ânimo o gosto de pelejar, e ninguém conseguia consolá-lo. Tornara-se, por isso, a maior preocupação dos amigos e familiares.

Alguém lembrou, então, de Maria de Nazaré, a quem devesse procurar, na busca de palavras de conforto, pois se revelara exemplo perfeito de resignação face à inominável tragédia que também lhe vitimara.

Destarte, João viajou ao lugar em que morava a mãe de Jesus.

Numa demorada conversação dos dois, a santa mulher indicou a João que chegasse ao Mar da Galiléia, porquanto, nas suas margens, acharia motivo suficiente de recobrar forças e firmeza de tocar adiante a vida.

João aceitou o conselho e buscou as praias daquele mar, em que permaneceu algum tempo. Relembrava os passeios felizes de vezes anteriores, absorto nos transes da dor. Certa tarde, preso à beleza das águas azuis, se deixava inundar de gratas recordações, quando avistou, deslizando em sua direção, no fino espelho das ondas, o vulto magnânimo de Jesus.

Um perfume de incenso raro, nessa hora emanava pelo ar, idêntico ao que experimentara junto da cova em que depositaram o santo corpo do Mestre, nas proximidades de Jerusalém.

Perante o inesperado fragor, quis esmorecer sob o peso das emoções ali vividas. Fechou os olhos, na mais fervorosa contrição, e ouviu nos refolhos da alma lacerada, translúcido, o falar do Verbo de Deus:

– Estimado João, jamais queira imaginar que habito longínquas paragens afastadas de quem amo. Saiba, no entanto e sempre, que quando alguém chamar com sinceridade ao seu lado estarei, na eternidade dos verdadeiros sentimentos, contra qualquer obstáculo; pois não há distância entre os que se amam.

Dali em diante, tocado pelos eflúvios da revelação inesquecível, o apóstolo se rendeu ao abençoado reencontro e entregou-se ao poder da conformação, para realizar o trabalho evangélico que viera cumprir na Terra.

Cores fortes número dois

A incerteza desses pensamentos desce buraco adentro do peito, num mergulho de cascalhos rolando através dos rios da alma. Restos de culpa, espécie de só saudade abandonada em gestos incertos, angústias, muitas angústias que se acumularam visguentas pelas bordas metálicas do cérebro das mentes aflitas, como os derradeiros sentimentos das vidas inteiras. Postas de manhãs ensolaradas rebrilham, pois, sobre as lajes frias do quintal e o tudo e o nada se entrelaçam familiares, na forma dos velhos jornais rolando no vento úmido. Terços, tropeços entre os dedos, firmam as orações da véspera num apelo sincero rumo do desconhecido; cantigas travessas de horas agradáveis lá perdidas no passado neutro. Sim, são as lentas visões dos mesmos momentos que repetiram sensações do incontido de querem cruzar as pontes destruídas, voltar a impossíveis pastos de antigamente.

Vontade poderosa de sobreviver a qualquer custo conta valores imensos, porquanto ninguém andou nas jornadas ao Paraíso antes de amargurar dores atrozes do desencanto. O esforço sobre-humano de transcender o ritmo monótono das ondas que repetiram a história do tempo força extrema de continuar a passos lerdos sem, contudo, saber aonde seguir. Viver por viver ao sabor dos acontecimentos.

Essa doce amargura nos dentes do coração. Flores apagadas e fios invisíveis nas trilhas das aranhas tresmalhadas. Gosto de ausência de não ter tamanho impulsiona avançar e permanecer no outro lugar de sempre.

Os olhos ardendo com as chamas da noite veem a paisagem dos matos enviesados, no quadrado permanente dos territórios minados. Tons de verde, laivos de rosa nas plantas silvestres inundadas de sol. Pássaros tardios, raros pássaros que insistem silenciosos permanecer. Nessas impressões de claridade, o estio traz algumas formigas e o alimento que transportam à luz do dia, sinal de mais chuva que virá.
E nas caves profundas do eu, gotas puras de orvalho transbordam pelas gretas o furor, fervilhando íntimas vozes assustadas e doloridas. O baque surdo, que o ser inflama, aumenta a solidão do insofismável. Louvores de tropel perguntam e rápido somem sem respostas. Cachoeira de líquidos invade os ouvidos, abafam o grito dominado e percorre as fronteiras do desejo.

Em quantas naves lançarei o meu destino? Pedaços de mim andam soltos nas quebradas vazias, portos fechados e mapas rasgados, que sacolejavam tremores de eras escondidas nas dobras do desespero.

Ruínas acinzentadas deixam ver as poucas feras que ali pastavam entre si caladas e fiéis ao firmamento, que, nas alturas eternas, insiste permanecer, domando a multidão dos horizontes sucessivos que deu na bola de cristal e guarda em si inevitáveis painéis do Universo esplendoroso.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

O realejo desaparecido

Quando tinha nove a dez anos, ganhei um realejo, presente de um operário da serraria de meu pai, Pedro, amigo meu e de meu irmão. No mesmo dia, ambos dele recebemos presentes idênticos, belos realejos cromados. Aquele instrumento mexia comigo, apesar de nada conhecer de música além das melodias da vitrola do meu avô e das primeiras escutas radiofônicas, pois sabia que ele guardava em si todos os segredos musicais ao dispor das pessoas.

O tempo veio passando, como gostamos de dizer, quando na verdade nós é que passamos através do tempo, e um dos amigos da nossa Rua Padre Ibiapina, em Crato, admirou sobremodo o realejo. Sabia de minha afinidade com revistas em quadrinhos a ponto de pelas tais abrir mão do mimo precioso. Cercou que cercou, e cercando trouxe proposta irrecusável, permutar uma boa partida de gibis pelo misterioso presente musical, que mudaria de dono em fração de poucas semanas, para nunca mais retornar às minhas mãos desavisadas.

Porém o tempo, sempre o tempo, refaz as caminhadas, e hoje encontro na música momentos inolvidáveis de raro conforto, horas de valia inestimável. Escrevo não leio e recorro aos acordes tocados de outros, agora fácil nas aquisições por meio dos recursos da comunicação contemporânea. Nisso refaço o percurso das histórias vividas em outras fases, mergulhando nas pesquisas, andando de país em país, nas épocas, nos estilos, feito caçador implacável, trabalhando galáxias de sons, sequioso de preencher os velhos sonhos auditivos que larguei pelas vaidades.

Assim, tal quem busca reencontrar amigo que sumiu na multidão, manuseio as oportunidades que aparecem nas músicas ouvidas, no sentido de localizar em que gruta se escondeu aquele fugaz instrumento que andara tão pouco em minhas mãos e escapara num ato de comércio precipitado. Ainda segui gostando dos quadrinhos algum período, apego desfeito para os livros, meus grandes e fiéis companheiros nas jornadas desta vida. Contudo a imagem do realejo permaneceu guardada na retina das lembranças. Representa o símbolo de meus trastes musicais adormecidos. Cheguei a estudar violão duas ou três vezes, no entanto de olhos voltados aos interesses múltiplos, trabalho, namoros, viagens, estudos, algo fora do foco principal. Começava e largava com igual facilidade, sem perseverar do jeito certo.

Nesta fase da existência, quando principio arrecadar os apurados de raras conquistas e limpar os armários das vacilações, até já adquiri um outro realejo, bonito e silencioso, fabricado na China, tanto quanto, de charme a toda prova. Mantenho-o por perto de mim, na gaveta principal do guarda-roupa, espécie de amuleto sagrado. Esse jamais alguém desejou, nem deixo à mostra para não correr o risco. E vou fundo, nas horas de só escutar música, sabendo que há segredos nesse universo bem maiores que guardaram as revistas e os livros daquele menino, das melhores revelações trazidas pelo querido realejo perdido lá na infância.

Intercessão valiosa

Das inúmeras ocorrências verificadas no decurso da Confederação do Equador, no Ceará, idos de 1824, episódio impressionante ficou registrado por Esperidião de Queiroz Lima, no livro Tempos Heróicos, que narramos aos que ainda não leram a referida publicação.

Trata-se da execução de um dos sentenciados pelo tribunal militar conhecido por Comissão Matuta, no mês de outubro daquele ano, instalado para punir as hostes rebeldes. Depois de julgados e condenados, cinco líderes republicanos seriam fuzilados no pátio da Cadeia Pública de Icó. Um desses, Antônio de Oliveira Pluma, autodenominado Pau Brasil, conforme sua assinatura no manifesto do movimento, insatisfeito com o resultado a que se via submetido, reagiu em altos brados, protestando misericórdia de quem ali se achava.

Recusara mesmo permanecer de pé, mas, sendo assim, forçaram-no em cordas a se sentar numa cadeira, onde, com olhos vendados, ainda pedia que o deixassem viver.

De nada lhe valeram as rogativas, pois logo em seguida o pelotão recebeu a ordem de preparação:

- Apontar!

E, ante os disparos iminentes, o pânico pareceu querer tomar a alma do condenado em face da morte inevitável, sob o monto de todo o idealismo que até ali dominara os atos de sua razão da existência. Outra vez, um gesto cresceu de sua voz, explodindo mais alto em reclamações de amparo, lançadas aos planos superiores:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

Nisto foi secundado pelo toque de comando: - Fogo!

Cessada a fumaceira, as balas achavam-se cravadas no muro onde o revolucionário permanecera incólume, sacudindo de espanto os presentes. Seguiu-se nova carga de munição. Restabeleceu-se a ordem preparatória, e se fez no ar outro grito de socorro:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

- Fogo! - foi a ordem marcial.

Resultado: o alvo manteve-se intacto. Os tiros voltaram a ferir tão só e apenas o muro, para desânimo da escolta. Em meio do inesperado, tonto, pálido, o comandante reclamava prática melhor de tiro a seus homens, visando manter os praças no cumprimento do dever, tratando de retomar as determinações da próxima tentativa, que foi precedida pelo mesmo grito do condenado, tão pungente quando sincero:

- Valei-me, Senhor do Bonfim!

Os disparos se deram, de acordo com a obediência. Desta vez Pluma fora atingido por algumas balas, mas continuava vivo, segundo narra em seu livro Queiroz Lima.

Os soldados de pronto se movimentavam para um quarto fogo. Nesse instante, a população presente, tocada de simpatia pelo confederado, se ergueu coesa e exigiu o direito do réu ser libertado, qual merecesse o valimento dos céus. Em seguida, essas pessoas levaram-no consigo, alheado e preso à cadeira do martírio, até à Igreja do Senhor do Bonfim, distante cerca de 200m do ponto onde a cena ocorrera, entre preces e benditos fervorosos.

Há registros do ano de 184l que dão conta de que o sobrevivente veio a ser titular da Promotoria Pública da comarca de Baturité, no Ceará, o que bem comprova sua resistência aos ferimentos naquele dia recebidos, na tentativa de execução de que fora objeto e sobrevivera, no município de Icó, 17 anos passados.

Atualizar a Paz

Nada mais fora de moda que pensar em guerra, agressão e tristeza. Andar nas calçadas sujas sem os horizontes da tranquilidade. Seguir as burrices dos traçados obscuros. Pisar as flores, invés de olhar por onde pisa. De cabeça nas nuvens, sair machucando o coração dos pedestres no leito das estradas. Chegar onde, visar o quê, em que direção sonhar, quando o mundo gira bonito no espaço? Os pássaros cantam nas campinas. Meninos brincam leves e soltos nos jardins.

Falar mal por quê? Para, esquecidos das oportunidades boas, rodar a roleta da sorte e perder toda vez, no final de todas as batalhas. Fama de mau e chegar de olhos vesgos nas portas dos presídios. Andar fugindo das fiscalizações da consciência. Tudo isso a preço de coisa alguma. Só remorsos posteriores fecham o beco dos dramas abandonados nas esquinas do passado.

Sim, entoar o coro das harmonias universais em nome da falta de jeito. Amargurar várias e dores antigas no centro do peito, dentro dos pulmões amargurados de fumaça. Desencontros não falam na paz dos territórios da alma. Contar histórias diferentes, por tudo isso. Buscar amigos, cultivar a boa vizinhança, o que coisa alguma justifica dores de outros partos. Discutir por picuinhas, desfazer das outras criaturas em face do orgulho, da inveja e do ciúme, quanto despautério. E por causa dos dinheiros que correm soltos também não esclarece o motivo da ausência da paz em tantos sentimentos, neste mundo bonito e desprezado pela falta dos planos na paisagem das manhãs ensolaradas.

Paz, harmonia, desejos de construções coletivas. Amar, meus irmãos! O que Jesus tão bem nos ensinou através das práticas, neste mesmo chão das raras possibilidades. Jesus, o Mestre da Paz, no meio dos séculos da guerra dos poderosos. Jesus, a lição viva da Luz na sociedade dos homens.

Criar núcleos de solidariedade, fraternidade que produz futuros certos e filhos envoltos nos sonhos das realizações plenas. Atualizar o gosto bom da Justiça no seio das comunidades. Equilibrar as energias e lembrar as alternativas puras da Verdade e o crescimento.

Escolher lado limpo nos costumes, corrigir os vícios e trabalhar a correção do comportamento de todos, a começar de um em um; somar os valores que revelarão as novidades da Virtude. Tarefas individuais expõem métodos para transformar a face do Universo no rosto de cada pessoa. Uma chance para a Paz no mais íntimo ser da Criação.

Dar o primeiro passo, fazer o primeiro gesto, hora essencial de buscar o melhor, portanto e por tudo. Nos céus, a Esperança, modos outros que descobrirão as imensas qualidades que habitam acesos os espaços da nossa querida Humanidade.